A indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF) foi bem recebida pelos ministros da Corte, que consideram improvável uma rejeição de seu nome pelo Senado. Apesar de alguns episódios que mancharam sua imagem durante o governo de Jair Bolsonaro, principalmente em sua passagem pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o atual advogado-geral da União mantém bom diálogo com todos os integrantes do STF e buscou aparar arestas no período recente.
Parte de sua aprovação, no entanto, decorre da rejeição de outros nomes que estavam postos à mesa: o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins.
A interlocutores, ministros dizem que André Mendonça, apesar de não ostentar grande notoriedade na área acadêmica dentro do Brasil nem fazer parte da elite dos juristas do país, como outros integrantes da Corte, tem preparo necessário — ele é mestre e doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, da Espanha. Mas, mais importante que isso, é “sereno” e “amistoso” — características que sempre ajudaram a suavizar a relação do Supremo com o Planalto em momentos de crise com o Executivo, principalmente como chefe da Advocacia-Geral da União (AGU).
De viés conservador, Mendonça tem simpatia mesmo entre ministros mais progressistas, como Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski. Nenhum deles leva a sério a pecha de “terrivelmente evangélico” imposta por Bolsonaro. Apesar de liberais nos costumes, o trio não é avesso à religiosidade. Consideram que, com o tempo, Mendonça pode assumir posições ponderadas e desligar-se do alinhamento automático a Bolsonaro, como ocorre com todos os ministros novatos em relação aos presidentes que os indicaram.
“Nunca vi ministro reclamar de despacho com Mendonça. Ele é preparado e sereno. Tem toda a mítica de ser ‘terrivelmente evangélico’, mas no Supremo você não consegue fazer sozinho uma corrente. Os grupos se reconfiguram, dependendo do que é julgado. Não tem muito de ‘eu sozinho vou tornar o Supremo evangélico’. E é justo ter ministro evangélico, afinal evangélicos são mais de 30% da população”, disse à reportagem um auxiliar de um ministro, há anos na Corte.
Apoio também entre os ministros “garantistas”
Além dessa ala, Mendonça também conseguiu apoio entre os ministros mais pragmáticos e que têm mais trânsito no mundo político do Congresso — como Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes.
O mais influente deles, Gilmar Mendes, chegou a expressar reservas meses atrás, mas depois mudou de posição. Segundo apurou a Gazeta do Povo, agora manifestou seu apoio, junto com Toffoli, a senadores que vão sabatinar Mendonça.
Em abril, durante julgamento transmitido ao vivo e diante de Mendonça, Gilmar disse que “os bobos ficaram fora da Corte” — o ministro o criticara por não propor medidas de isolamento durante seu período à frente do Ministério da Justiça, no momento em que defendia, na sessão, como advogado-geral da União, a realização de cultos presenciais durante a pandemia.
O ministro, no entanto, passou a aprovar a indicação de Mendonça após um jantar com ele em maio, promovido pela presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Cezinha de Madureira (PSD-SP). Observadores notaram na virada uma jogada estratégica: no STF, André Mendonça pode ingressar na Segunda Turma, hoje comandada e dominada por Gilmar Mendes e onde tramitam processos importantes da Lava Jato.
Uma vaga no colegiado pode ser aberta com a saída de Edson Fachin — em abril, ele pediu para migrar para a cadeira de Marco Aurélio Mello na Primeira Turma, justamente em razão dos embates com Gilmar Mendes — a este, interessaria compor com o novato.
O próprio Marco Aurélio, que se aposentou compulsoriamente na última segunda-feira (12) aos 75 anos, expressou seu apoio ao nome de Mendonça na última sessão plenária que participou. “O doutor André Mendonça tem a minha torcida para substituir-me no Supremo”, disse.
Atuação no Ministério da Justiça por pouco não “queimou” André Mendonça
Apesar de hoje não sofrer resistência de nenhum dos ministros, a maioria deles considera que a grande falha de Mendonça — e que deve ser explorada em sua sabatina no Senado — é sua atuação, como ministro da Justiça, contra críticos de Jair Bolsonaro.
No cargo, ele mandou a Polícia Federal abrir inquéritos contra opositores do presidente, com base na Lei de Segurança Nacional, uma herança da ditadura militar. Foram investigados desde ativistas que ofendiam Bolsonaro nas ruas a jornalistas que debochavam do presidente.
O episódio considerado mais grave entre os integrantes do Supremo, no entanto, foi a produção de um relatório de inteligência dentro da pasta com informações de policiais e professores “antifascistas”. Em agosto do ano passado, o plenário do STF proibiu a produção de dossiês para monitorar opositores políticos.
Mendonça só não sofreu maiores consequências porque não ficou clara sua participação ou aval para a confecção do material. Na ocasião, Toffoli — um antigo amigo e aliado — o isentou, atribuindo a responsabilidade à gestão de Sergio Moro no ministério.VEJA TAMBÉM:
Outros nomes cogitados para vaga de Marco Aurélio não agradaram
Parte do apoio a Mendonça entre os ministros, no entanto, se dá porque outros nomes cogitados — principalmente por influência do filho do presidente e senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) — não agradam parte da Corte.
Augusto Aras é criticado pela falta de empenho em investigar Bolsonaro, membros do governo e militantes que sempre incomodaram os ministros. Esses ministros lembram que a Procuradoria-Geral da República não propôs inquérito sobre a conduta do presidente na pandemia nem se mexeu para responsabilizar o presidente por suposta interferência na Polícia Federal. Além disso, demorou para investigar o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e deixou morrer o inquérito dos chamados “atos antidemocráticos”, que tem como alvos apoiadores de Bolsonaro.
O presidente do STJ, Humberto Martins, por outro lado, é visto como demasiadamente ligado ao mundo político — não à toa, junto com Aras, era preferido pelo Centrão pela tendência de ser mais um “garantista” no STF. Ou seja, um ministro mais propenso a acolher teses da defesa de políticos investigados no tribunal.
E é por não enxergarem com clareza como Mendonça se comportará na área penal que muitos senadores ainda resistem a seu nome. Na AGU, ele se notabilizou por firmar acordos de leniência com empreiteiras investigadas na Lava Jato. Portanto, conhece a fundo o tema — objeto de suas pesquisas acadêmicas — e atuou para ressarcir os cofres públicos. Mesmo assim, a forma como se posicionará no STF continua uma incógnita.
“É sempre uma surpresa alguém que nunca exerceu a magistratura assumir uma cadeira num tribunal. A pessoa muda quando ganha poder. Mas ele tem nível, mais que outros que estão lá”, diz um advogado que atua há décadas na Corte e interlocutor frequente de ministros e juízes.
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