Democrático e com negros conservadores: como será o novo acervo da Fundação Palmares

Depois de anunciar a intenção de banir de seu acervo livros que nada tinham a ver com sua missão – como algumas que faziam apologia ao comunismo e abordavam a educação sexual de jovens –, a Fundação Cultural Palmares segue com o projeto de reformulação do seu catálogo sobre a cultura negra. Agora, o objetivo é acrescentar obras de autores que, por diferentes motivos, vinham sendo ignorados por gestões anteriores.

A intenção é dar mais destaque a autores negros brasileiros deixados em segundo plano, entre os quais Machado de Assis, a escritora Carolina Maria de Jesus, o poeta Cruz e Souza, e o escritor e ativista do abolicionismo Luís Gama.

Outro objetivo é democratizar o acervo e dar espaço também a negros estrangeiros associados a diversos matizes políticos. O economista Thomas Sowell, que costuma ser considerado um conservador libertário, entrará na lista, assim como a ativista americana Candace Owens, também conservadora. Ao mesmo tempo, autores simpáticos a causas socialistas como o sociólogo W. E. B. Du Bois, fundador da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, e o filósofo e ativista Cornel West também passarão a integrar o acervo.

Segundo a Palmares, o novo critério é valorizar a qualidade e a relevância das obras e com isso trazer “uma visão ampla e arejada sobre a cultura de matriz negra”. Sobre a inclusão no acervo de autores com tendências políticas tão opostas quanto Sowell e West, os organizadores afirmam que essas diferenças “só enriquecem o debate”.

Recentemente, o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, criticou o tratamento dado por veículos de imprensa à inclusão de Candace Owens e destacou que ela é “a maior expoente do movimento conservador negro dos EUA”. “É certo que teremos no acervo seu livro ‘Blackout’. É uma das metas da minha gestão traduzir a obra para o português”, disse Camargo nas redes sociais.

“Acervo do Aparelhamento”

O novo acervo está sendo elaborado pelo Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra (CNIRC), comandado por Marco Frenette, que exerce interinamente o cargo de presidente da Fundação Palmares no lugar de Sérgio Camargo, que está de férias.

Para divulgar a nova lista, o CNIRC lançará em breve o relatório público “Amplitude e Dignidade – um Acervo Bibliográfico da Cultura de Matriz Negra”. Será o segundo relatório publicado pela instituição em 2021. O primeiro, intitulado “Retrato do Acervo – a Dominação Marxista na Fundação Cultural Palmares 1988-2019”, teve como objetivo comprovar o desvio de finalidade que justifica a renovação do acervo.

A decisão de se desfazer dos livros apontados como inadequados para compor o acervo da Palmares foi contestada na Justiça. Em 23 de junho, o juiz Erik Navarro Wolkart, da 2ª Vara Federal de São Gonçalo (RJ), deferiu liminar em ação popular contra a possibilidade de doar esses títulos. Na decisão, ele considera que a doação deveria “passar por uma discussão mais ampla e plural”.

“Por mais que eventualmente, e na visão da Fundação ou de seu principal dirigente, não haja uma correlação direta entre a finalidade da referida Instituição e os livros apontados (folhetos, folders e catálogos do seu acervo), o expurgo dos mesmos de maneira açodada, sem um amplo diálogo com a sociedade, que, ao fim e ao cabo, é a destinatária do material, pode representar prejuízo irreparável”, afirma o juiz.

Após a decisão do juiz, Camargo afirmou que os livros não serão mais doados, mas farão parte de uma divisão da biblioteca da Palmares que poderá ser chamada de “Acervo do Aparelhamento”, como “um triste legado dos 30 anos de gestões da esquerda na Palmares”. “Os livros marxistas, bandidólatras, de bizzarias diversas e de apologia da perversão sexual foram acondicionados em caixas lacradas e guardados numa sala segura e livre de umidade. A sala, na nova sede da Palmares, ficará permanentemente trancada”, afirmou via Twitter. “Após reforma, a sede da Palmares terá o Centro de Estudos Machado de Assis (CEMA). Os livros comunistas e delinquenciais comporão uma divisão do CEMA, a ser intitulada ‘Acervo do Aparelhamento’ ou ‘Acervo da Vergonha’. Até lá, ficam na Sala do Marxismo, muito bem preservados”, acrescentou.

Além de apologia ao comunismo, acervo continha livros sobre sexualidade na juventude

No relatório “Retrato do Acervo”, o CNIRC diz que o catálogo da Palmares refletia “uma mentalidade revolucionária e alheia à realidade do negro, usando-o como massa de manobra”, para formar “militantes e revolucionários”. Entre as obras, havia livros de “cunho sexualizador, bandidólatra, revolucionário e de guerrilha, além de obras bizarras sobre os mais diversos temas, tais como discos voadores, viagens astrais e lobisomens”, acrescenta o órgão.

O CNIRC identificou desvios de finalidade no acervo como apologia à sexualização de crianças, à ideologia de gênero, à pornografia e ao erotismo, além da presença de manuais de guerrilha e manuais sobre greve.

Outra crítica foi em relação ao caráter obsoleto de boa parte do acervo. “É estancado nos anos 1970 e 1980, sem a presença de obras fundamentais à temática negra lançadas nos últimos 30 anos.”

O CNIRC esclarece que a exclusão de obras do acervo não se dá por uma opção ideológica, mas pelo fato de as obras não se aterem à temática que inspira a existência da Fundação Palmares.

“Assim como um livro exclusivamente sobre sistemas hidráulicos será excluído simplesmente por ser um livro sobre sistemas hidráulicos, os marxistas também serão. Porque, a rigor, tanto o marxismo quanto os sistemas hidráulicos nada têm a ver com o escopo da Palmares e com a cultura negra. Porém, se for publicado um livro intitulado ‘Os Quilombolas e seus Sistemas Hidráulicos’, então esse título entrará automaticamente no escopo da Fundação; assim como entra no escopo o livro intitulado ‘Black Marxism’ – ‘Marxismo Negro’, de Cedrick J. Robinson, já constante do acervo, no qual permanecerá”, diz o órgão.

Segundo um levantamento do CNIRC, dos 9.565 títulos que compunham o acervo da Palmares, 5.165 – ou seja, 54% do catálogo – eram de temática alheia ao escopo da fundação. Além disso, dos 4.400 títulos que têm alguma relação com a cultura negra, 28% eram de “militância política explícita ou divulgação marxista, usando a temática negra como pretexto”.

Veja alguns exemplos de obras que nada tinham a ver com o propósito da Fundação Palmares, segundo uma descrição feita pelo próprio CNIRC:

  • “Constatamos por leitura atenta que na página 47, terceiro parágrafo, da obra ‘Pedagogia da Educação Sexual’, de Claude Lejeune, os pais e professores são orientados a abordar crianças de 4 a 5 anos com palavras como ‘pênis’, ‘vagina’ e ‘testículos’, iniciando uma sexualização precoce. Também constatamos que ao longo do livro, e também já na própria capa, milita-se abertamente ‘por uma educação sexualizada”, afirma o relatório do CNIRC.
  • “Averiguamos que a obra ‘Banditismo’, de Eric Hobsbawm, é um esforço teórico para justificar a criminalidade como ‘arma revolucionária’; e que a primeira frase do capítulo 2 é esta: ‘Banditismo é liberdade’”, diz o documento.
  • O relatório menciona também a obra “Porcos com Asas”, descrevendo-a como um livro “de pornografia juvenil, com incentivos à masturbação, ao sexo livre e à erotização como valores centrais da juventude, juntamente com o envolvimento com revoluções”.
  • Outro livro citado no documento é “Ciranda dos Libertinos”, de Marquês de Sade. O CNIRC afirma que a obra inclui “textos com todas as perversões sexuais possíveis, envolvendo sangue, fezes, mutilações e sadismo e masoquismo”.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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