As declarações do senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, ainda estão “entaladas” nas Forças Armadas. O ministro da Defesa, Braga Netto, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), até conversaram na manhã desta quinta-feira (8) para colocar panos quentes após a reação de ambos os lados no episódio em que Aziz criticou o que considera ser o “lado podre” da instituição.
Mas a caserna permanece incomodada com as falas de Aziz. A Gazeta do Povo procurou militares para entender o que, afinal, desencadeou a reação via nota oficial do Ministério da Defesa. O presidente da CPI alega que foi mal interpretado e acusa as Forças Armadas de tentarem intimidá-lo. Para ele, a nota emitida foi “desproporcional”. “A minha fala foi pontual, não generalizada”, disse, na quarta-feira (7), no plenário do Senado.
A leitura feita no Alto Comando das Forças Armadas, contudo, vai em desencontro do que Aziz afirma. “No momento em que ele cita a Força Aérea Brasileira (FAB) para criticar e acusar militares da reserva ou reformados, ele está, sim, generalizando”, sustenta um interlocutor da ativa das Forças, sob condição de anonimato.
O que Omar Aziz disse em sessão da CPI da Covid sobre as Forças Armadas
Para entender a reação das Forças Armadas, é importante relembrar o que exatamente disse o presidente da CPI da Covid. Na quarta-feira, na sessão em que depôs Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, em determinado momento Aziz questionou Dias se ele havia sido sargento da Aeronáutica.
O ex-diretor do Ministério da Saúde confirmou a informação ao senador. Disse que em seus 10 primeiros anos de vida profissional serviu à Aeronáutica, tendo desempenhado “na maior parte do tempo” — segundo ele próprio — a função de controlador de tráfego aéreo. Suspeito de ter pedido propina de US$ 1 por dose comprada da AstraZeneca, ele foi preso por ordem de Aziz, mas solto após pagar fiança.
Tão logo Dias confirmou o passado na FAB, Aziz o questionou se ele conhecia o “coronel Guerra”, Glaucio Octaviano Guerra, coronel da FAB reformado em 2016. Ele aparece como um dos destinatários de mensagens de celular enviadas pelo policial militar Luiz Paulo Dominguetti em conversas sobre as negociações envolvendo a vacina AstraZeneca.
Em seguida, o presidente da CPI fez o polêmico desabafo que desagradou as Forças Armadas. “Olha, vou dizer uma coisa, os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que, hoje, estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos, que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”, disse.
O presidente da CPI prosseguiu: “E aliás, não tenho nem notícia disso [suspeitas de corrupção] na época da exceção [ditadura militar] que teve no Brasil. Porque o [ex-presidente João] Figueiredo morreu pobre, porque o [ex-presidente Ernesto] Geisel morreu pobre, porque a gente conhecia, e eu estava naquele momento do lado contra eles. Mas uma coisa que a gente não acusava era de corrupção deles”, comentou.
Por fim, ainda no mesmo contexto, Aziz citou a parte que, para o Alto Comando das Forças Armadas, associa generalizadamente a instituição com suspeitas de corrupção supostamente cometidas por ex-integrantes do governo. “Mas agora, você, Força Aérea Brasileira, coronel Guerra, coronel Élcio [Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde], general [Eduardo] Pazuello [ex-ministro da Saúde], e haja envolvimento de militares das Forças Armadas”, disse.
Como e por que as Forças Armadas reagiram à fala de Aziz
A contrariedade à fala de Omar Aziz foi rápida na caserna. Tão logo tomaram conhecimento, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e os comandantes das três Forças Armadas concordaram em se posicionar de forma conjunta em repúdio às declarações do presidente da CPI.
Assim, ao fim da tarde de quarta, os comandantes do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier Santos; e da Aeronáutica, tenente brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, se reuniram com Braga Netto no Ministério da Defesa. Desse encontro, decidiram se posicionar conjuntamente por meio de nota.
No comunicado, eles deixaram claro que “repudiam veementemente as declarações do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, senador Omar Aziz”. Para eles, a fala “desrespeitou as Forças Armadas e generalizou esquemas corrupção” associados à instituição.
O senador foi às redes sociais reforçar que não generalizou e não “atacou” os militares brasileiros. Porém, para a caserna, ao ter citado nominalmente “Força Aérea Brasileira” em um mesmo contexto de crítica e acusação ao coronel Guerra e ao coronel Élcio Franco — que é da reserva do Exército —, ambos nomes do “núcleo militar” do suposto esquema de corrupção na compra de vacinas no Ministério da Saúde, a interpretação feita entre militares é que Aziz generalizou.
“Como ele alega não generalizar quando cita a Força Aérea Brasileira como um todo? O que ele quis dizer então? Foram as Forças Armadas que negociaram as vacinas? Ou algum militar da ativa da instituição? Não. Ele poderia até ter acusado de desvio de conduta um ou outro membro da reserva das Forças. Mas não cabia a ele ter dito que existe ‘lado podre’ das Forças Armadas”, justifica um interlocutor militar à reportagem.
O mesmo interlocutor confirma que a recepção entre os comandantes foi muito negativa. “A nota partiu das Forças Armadas, não teve qualquer participação ou pedido feito pelo presidente [Jair Bolsonaro]. Os comandantes ficaram incomodados. A intenção da nota era demarcar uma posição. Não pode um cara como o Omar Aziz, por conta da briga política [com o governo] ou que interesses o sujeito tenha, dizer o que disse”, explica o militar.
O que foi conversado entre Braga Netto e Rodrigo Pacheco
A reação de Omar Aziz e das Forças Armadas às repercussões levaram o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a manifestar seu “registro de respeito” pelas Forças Armadas ainda na noite de quarta. “Para que não paire a menor dúvida em relação ao que é o sentimento do Senado da República em relação às Forças Armadas”, disse.
O presidente da CPI discordou da fala de Pacheco e a classificou como um “discurso bastante moderado para o momento”. Para Aziz, o presidente da Casa deveria ter tratado a nota como “desproporcional” e saído em defesa dele. “Vossa Excelência, como presidente do Senado, deveria dizer isso no seu discurso: ‘eu sou um membro dessa Casa. Eu não aceito que intimide um senador da República’. Era isso que eu esperava de Vossa Excelência”, criticou.
Na manhã desta quinta, Pacheco e Braga Netto “passaram a limpo” a polêmica. “Ressaltamos a importância do diálogo e do respeito mútuo entre as instituições”, disse o presidente do Senado. “Deixei claro o nosso reconhecimento aos valores das Forças Armadas, inclusive éticos e morais, e afirmei, também, que a independência e as prerrogativas de parlamentares são os principais valores do Legislativo”, acrescentou.
O senador considerou, por fim, o “episódio de ontem” como “fruto de um mal-entendido” que, para ele, “foi suficientemente esclarecido”. “O assunto está encerrado”, afirmou. Braga Netto, por sua vez, informou os comandantes sobre o diálogo com Pacheco. Segundo um interlocutor das Forças Armadas, o ministro da Defesa explicou que a nota não teve o intuito de intimidar Aziz, tampouco o Senado.
“O episódio de ontem foi pontual e em função da generalização. Foi focado na ‘fala do presidente da CPI’, que é um cargo provisório, e não no senador Omar Aziz e muito menos no Senado”, destaca um interlocutor. “E não existe ‘lado podre’ nas Forças Armadas. Podem ter servidores que estão sendo investigados, é diferente. As Forças têm como ponto de honra nunca compactuarem com irregularidades e com desvio de conduta”, reforça um segundo assessor.
O ministro Braga Netto tem como perfil atuar sempre ouvindo os comandantes das três Forças a fim de dar legitimidade em qualquer decisão. A de ontem não foi diferente. “A generalização da acusação com pré-julgamento foi repudiada pelos comandantes. O presidente da CPI, pelo cargo que ocupa, não pode fazer pré-julgamentos com base apenas em suposições e declarações. Deve ser observado o devido processo legal e a ampla defesa”, diz um militar das Forças.
O que dizem militares independentes sobre as reações
Não são apenas os militares da ativa — das Forças ou em cargos no governo — que repudiam as falas do senador Omar Aziz. Em entrevista à CNN Brasil, o general Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da gestão Bolsonaro, disse que “não existe banda podre” das Forças Armadas. “Seria um exagero considerar isso”, disse.
O general reformado Paulo Chagas, que foi candidato a governador pelo Distrito Federal nas eleições em 2018, avalia que o presidente da CPI não tem sequer motivos para fazer as críticas. “O Omar Aziz não tem moral para fazer críticas sob a conduta de quem quer que seja, muito menos das instituições militares, mas é um direito dele dizer o que ele bem entender”, disse à Gazeta do Povo.
Para Chagas, a nota da Defesa foi “oportuna, justa e necessária”. “Não teve nada de desproporcional. O protagonismo subiu à cabeça do Omar Aziz. Ele está completamente equivocado e deslumbrado com a missão que recebeu e se achando o cara mais poderoso do mundo, e não é”, acrescenta.
O general reformado entende, ainda, que a nota representa as Forças Armadas como um todo, e não uma defesa pontual a um ou outro militar suspeito pelas investigações conduzidas pela CPI. E, ao contrário do que sugere Aziz ou críticos da nota, Chagas avalia que não há qualquer mensagem subliminar que indique uma intimidação ou ameaça de ruptura democrática.
O tom usado pela nota, que fala em “não aceitar qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”, vai no sentido de deixar claro que possíveis reações “mais duras” serão dadas por ação judicial, analisa Chagas. “O pessoal imagina que uma ação mais efetiva seria uma ação militar, não é isso. Se as Forças insistirem em não parar por aí, seria simplesmente entrar com ação judicial no STF [Supremo Tribunal Federal] por ofensa moral à instituição.”
O Clube Militar, principal associação de reservistas, adotou um tom ainda mais crítico. Em nota, apelidou a CPI de “Ciro Parlamentar de Indecência” e disse que a generalização feita por Aziz se enquadra “perfeitamente” para “a instituição a qual ele pertence”. “Onde seus integrantes, em sua grande maioria, não conseguem justificar a origem de seus patrimônios, cuja investigação é sempre bloqueada por uma Suprema Corte que envergonha o nosso Brasil”, diz.
O que dizem senadores sobre as diferentes reações
As diferentes reações repercutiram rapidamente no Senado das mais diferentes formas. Alguns saíram em enfática defesa a Omar Aziz, e outros defenderam a manifestação dos militares. O senador Lasier Martins (Podemos-RS) é um dos que protegem a instituição militar, ao entender que não houve desproporcionalidade por parte das Forças.
“Entendo que elas cumpriram uma obrigação intransferível. Isto é, zelar pelo bom nome das Forças Armadas, que ainda têm uma das melhores colocações no bom conceito da população brasileira”, disse Martins à reportagem. Para ele, a nomeação de vários militares no governo criou “uma confusão”, sobretudo no atual momento, em que alguns suspeitos da reserva e reformados ficaram sob a mira da CPI.
O senador entende, contudo, que são os ex-servidores que devem ser acusados e julgados, não as Forças Armadas. “Os comandantes defenderam as instituições. Neste episódio particular, está certa a instituição ao tomar esse partido. Com relação às críticas que a mesa da comissão vem fazendo, ela não pode ofender as Forças Armadas e associar a condição de integrantes do governo às Forças”, pondera.
Membro suplente da CPI da Covid, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) classificou a nota como “inoportuna e inadequada”. “Tenta interferir e intimidar a atuação do Senado Federal, uma instituição secular que representa a federação e o povo brasileiro”, declarou, pelo Twitter.
“O papel das Forças Armadas é da defesa da sociedade e das instituições democráticas desse país. O Senado é uma dessas instituições! A manifestação das Forças Armadas sobre o funcionamento do Congresso Nacional foi inoportuna e inadequada”, complementou o senador em outra publicação.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, criticou a nota durante a sessão desta quinta. “Eu queria dizer que esse precedente de Braga Netto é inusitado. Essa CPI, que é uma instituição da República, não pode ser ameaçada sob pretexto nenhum. Nós estamos investigando e retirando a máscara de um esquema que funcionava no Ministério da Saúde e proporcionou o agravamento do número de mortes em função da Covid”, acusou.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reforçou as críticas do relator. “As Forças Armadas não são elementos isolados. Nós estamos vendo aqui a responsabilidade de Élcio Franco. Atitude como a do senhor envergonha as Forças Armadas. Eu não retiro o papel que essa CPI vai fazer, vai investigar seja quem for, esteja onde estiver, custe o que custar”, declarou.
Bolsonaro sai em defesa das Forças Armadas; Marco Aurélio critica
A reação das Forças Armadas também gerou manifestação dos demais poderes. O presidente da República saiu em defesa da instituição. “As Forças Armadas ao lado da Lei, da Ordem, da Democracia, do respeito ao povo brasileiro e da nossa Sagrada Liberdade”, disse Bolsonaro, em legenda de um vídeo nas redes sociais.
Já o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, disse que os “militares devem estar na caserna, nos quartéis”. “Os militares não são engajados em qualquer política governamental, eles são militares do Estado e não do governo. Vejo tudo com enorme perplexidade e esses aspectos vêm a confirmar o que eu sempre ressalto: vivenciamos tempos estranhos. Aonde vamos parar?”, questionou, em entrevista à rádio Eldorado.
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