As vacinas anticovídicas que usam a tecnologia RNA mensageiro, como a da Pfizer e da Moderna, possivelmente estão associadas ao surgimento de inflamações cardíacas. Isso, no entanto, não deve gerar muita preocupação entre os vacinados, visto que se tratam de casos extremamente raros e, na maior parte das vezes, com uma recuperação rápida.
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No fim de junho, o Centro para Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) divulgou o recebimento de centenas de relatos de miocardites (inflamação do músculo cardíaco) e pericardites (inflamação da película que recobre o coração, o pericárdio) após a vacinação. Dado o fato de que centenas de milhões de doses dessas vacinas já haviam sido administradas até então no país, os registros foram considerados raros.
Três estudos recém-publicados reforçam essa raridade, mas possível associação. Divulgados pelo periódico científico JAMA Cardiology no fim de junho, os relatórios médicos detalham os sintomas e os diagnósticos de problemas cardíacos em 34 pacientes, ao todo.
O primeiro descreve quatro casos de miocardites, cujos sintomas se desencadearam entre o primeiro e o quinto dia após a aplicação da segunda dose da vacina. Três dos casos ocorreram em homens entre os 23 e 36 anos, e apenas um caso em uma mulher, de 70 anos. Todos tiveram sintomas, como dores no peito, resultados anormais em exames de eletrocardiograma e aumento nos níveis de troponina – enzima cardíaca que, ao ser liberada na corrente sanguínea, indica lesão no coração.
O segundo relato envolveu um número maior de pessoas: 23. Todos os pacientes eram homens que foram atendidos pelo Sistema de Saúde Militar dos Estados Unidos. A idade média era de 25 anos e 20 dos participantes tiveram sintomas após a segunda aplicação da vacina. Da mesma forma que no primeiro estudo, os pacientes tiveram sintomas parecidos que indicavam a miocardite. Oito deles passaram por exames de ressonância magnética com resultados consistentes com a condição.
Já a terceira publicação traz o relato de sete adolescentes, entre os 14 e 19 anos, que tiveram sintomas quatro dias após a segunda dose da vacina. Eles apresentaram níveis elevados da troponina, resultados anormais do exame de eletrocardiograma e de ressonância magnética que indicavam uma miocardite aguda.
“Os pacientes descritos nesses relatórios nos Estados Unidos ou passaram pelos sintomas ou estão se recuperando depois de receberem um breve cuidado de suporte, e continuaram sendo monitorados durante a recuperação da doença aguda”, de acordo com um editorial publicado pela revista científica no dia 29 de junho.
Estudo norte-americano estima que em 560 mil pessoas que receberam as duas doses de vacinas do tipo RNAm, apenas quatro miocardites foram detectadas. Isso representa uma incidência de 0,0007%.
Sem sequelas
Como nenhuma outra similaridade foi encontrada entre os pacientes analisados – a não ser a vacinação –, a falta de alternativas sugere uma relação com os imunizantes. Os especialistas em cardiologia destacam, porém, que o mais importante é, além da raridade, outro dado: a rápida resolução do problema.
De acordo com José Knopfholz, médico cardiologista e professor de Cardiologia da Escola de Medicina da PUCPR, as miocardites e pericardites descritas até o momento, em grande parte das vezes, têm uma característica de resolução rápida e de forma espontânea.
“Muitos [dos pacientes] não têm sintomas, ou podem ter uma dor torácica, palpitação, falta de ar. Mas a tendência é que seja autolimitada. Após as vacinas, essas miocardites têm se resolvido ou espontaneamente ou com pouco cuidado, em poucas semanas”, explica o especialista, que também é corregedor do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).
O cenário é diferente quando se observa as miocardites e pericardites causadas pela própria Covid-19, segundo o médico cardiologista Celso Amodeo, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
“Na Covid-19, é conhecido que pode causar miocardites, e quadros mais graves. Pessoas já morreram por complicações cardiológicas da doença. Da vacina, não. O que temos observado, na literatura, é esse aspecto de que a miocardite foi perfeitamente recuperável, no caso da vacina”, explica.
Possíveis causas
Uma das possíveis causas, segundo Knopfholz, é uma reação imunológica desencadeada pela vacina, que acaba gerando essa resposta contra as células do músculo cardíaco e do pericárdio. Mas a causa real ainda está sendo estudada.
“Essas reações vacinais não são exclusivas dessa vacina. Existem outras que, ao provocar uma exacerbação do sistema imunológico, podem também causar uma inflamação de outros tecidos”, destaca o cardiologista.
Ainda que também raras, as miocardites podem surgir após a vacinação contra a varíola. De acordo com Amodeo, qualquer vacina pode, eventualmente, apresentar reações do tipo, e mais sintomas podem ser esperados daqui para frente.
“Isso a gente observa quando se vai para o mundo real. Nos estudos com a vacina da Pfizer, por exemplo, com milhares de pacientes, não houve nenhum caso. Na hora que passa para milhões de pessoas, aí apareceu. Isso ainda vamos aprender muito, e não só com a vacina da Pfizer, mas da AstraZeneca e Coronavac também”, explica.
Dúvidas
Os dados disponíveis até o momento destacam algumas características associadas a ocorrência da condição. De acordo com o editorial publicado pela JAMA Cardiology:
- Sintomas de dor no peito podem aparecer entre o terceiro e quinto dia após a vacinação;
- Normalmente, as inflamações tendem a aparecer após a segunda dose;
- As características da condição sugerem um mecanismo imuno-mediado;
- Alguns pacientes tinham tido uma infecção prévia pela Covid-19.
Pela literatura médica, não se sabem ainda os motivos dessas inflamações e, até que se chegue a alguma resposta, se tratam de casos raros e com riscos pequenos diante dos benefícios da vacinação. “Existem relatos de miocardite e pericardite, mas quase todos os efeitos são controlados. E os benefícios compensam, e muito, os riscos”, completa Knopfholz.
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