A chatice do “politicamente correto” engole a liberdade de expressão e até o riso

“Politicamente correto” é chato, para dizer o mínimo. É também incorreto, se avaliarmos pelo lado ditatorial, das narrativas plantadas para impor uma forma vitimista de olhar o mundo, com grande parte das pessoas sendo banida do debate público para dar voz a minorias supostamente oprimidas e que, dizem, “nunca” tiveram voz. Será mesmo? Não é assim que a maior parte das pessoas vê as diferenças humanas e de pensamento.

NOVIDADE: faça parte do canal de Vida e Cidadania no Telegram

Quem me acompanha há tempos sabe que vivo criticando a gritaria exagerada em torno de alguns temas, que precisam ser discutidos sim, mas que acabam sendo colocados no debate de um jeito tão impositivo, tão tirano que não estimulam reflexão alguma, provocam apenas deboche e mais intolerância.

Refiro-me especificamente à agenda feminista radical; à forma como vem sendo tratada a pauta LGBT (que agora se alastra como vírus pelos departamentos de marketing das empresas); a alguns movimentos contra o racismo, que pregam violência contra empresas e pessoas que eles julgam serem racistas, e ao preconceito religioso em geral.

Decidi abordar a questão do “politicamente correto” mais uma vez, por causa de uma mensagem que recebi, escrita por alguém que acabou de entrar na chamada terceira idade: uma senhora de 63 anos, que assina apenas como Sandra.

Ela reclama que o mundo está chato e traz uma série de exemplos de como costumava ser a vida até pouco tempo atrás, numa época que os adolescentes e jovens de hoje talvez classifiquem como careta, mas em que havia mais tolerância e menos rancor do que nessa sociedade “politicamente correta” que tentam nos impor.

Pressão cultural na era do “politicamente correto”

Basta abrir um jornal, um site de notícias, um blog, as redes sociais, até a página de uma empresa na internet ou ligar a televisão, acessar os canais de filmes, assistir a uma propaganda, ouvir rádio para se deparar com alguma dessas pautas que mencionei acima.

Pouco importa a qual veículo estejamos conectados. Com raríssimas exceções, é pressão cultural para tudo que é lado. Pais com filhos em idade escolar, então, vivem o inferno de ter que corrigir o tempo todo conceitos deturpados que professores militantes tentam passar como se fossem verdade.

São afirmações do tipo: todo branco é racista, todo homem é machista, mulheres que não aderem aos radicalismos das feministas são submissas a uma “sociedade patriarcal”, quem não admite a ideologia de gênero (que é anti-científica, porque se opõe à biologia), é homofóbico e por aí vai.

A autora da mensagem que mencionei no início deste artigo escreveu suas impressões sobre tudo isso, lembrando quem eram as referências de comportamento que apareciam nos programas de televisão quando ela era adolescente ou jovem. E apareciam por mérito, porque se destacavam no esporte ou na sociedade em geral.

Não faz muito tempo. Foi nas décadas de 80, 90 e nos anos 2000. Segue a mensagem que está circulando no WhatsApp.

Carta de uma jovem senhora com lições de um passado recente

Tenho 63 anos e cresci vendo uma negra com o âncora do programa Fantástico (Glória Maria). Cresci vendo um nordestino, um negro, um galã de circo e um caipirinha (Didi, Mussum, Dedé e Zacarias) formando um dos maiores grupos de humor do Brasil, os Trapalhões, fazendo piadas e críticas ao sistema, que hoje jamais seriam aceitas pela sociedade – como homossexualidade e problemas de dependência química com o álcool.

Também vi um grupo heterogêneo como o Casseta e Planeta, que tinha negro, branco e homossexual, ser referência de humor, fazendo piadas de mesmas temáticas que os Trapalhões. Detalhe, ambos na Globo. Cresci vendo o melhor humorista do Brasil, Chico Anysio, e seus personagens negros, brancos, pais de santo, gays, etc., entrando em nossas casas uma dia por semana para nos trazer alegria.

Cresci vendo um travesti participando de todos os programa da família brasileira, sem nenhum tipo de problema (Rogéria). Cresci vendo um negro gay (Jorge Lafond) ser um dos grandes nomes do humor nacional. Cresci vendo uma transexual ser padrão de beleza feminina e capa de revista masculina (Roberta Close).

Cresci vendo um gay, com roupas não ortodoxas, ser um dos maiores cantores e voz do Brasil (Ney Matogrosso). Aliás, por falar em música, cresci tendo ídolos gays na música, como Cazuza e Renato Russo, Bethânia, Marina e muitos outros. Quase todos os meus ídolos do esporte são negros.

Cresci vendo um negro, Pelé, como maior ídolo desse país e uma das figuras mais populares do mundo. Testemunhei um cantor gago, ex-garçom, se tornar a voz romântica mais famosa desse país (Nelson Gonçalves). Por falar em Nelson… vi um outro, anão, fazer tanto sucesso quanto (Nelson Ned).

Eu cresci vendo dois homens gordos, zoando suas próprias gorduras e se tornando dois dos maiores apresentadores e mais bem pagos do país (Faustão e Jô Soares).

Cresci vendo um homossexual extremamente requintado, inteligente, com programas para a família brasileira, ser amado por muitos e ainda ter virado um dos políticos mais bem votados do país (Clodovil), explicando que a sexualidade é um direito de cada um e que isso não tem nada a ver com o seu valor enquanto ser humano. Cresci ouvindo músicas como a do Chacrinha que dizia: Maria Sapatão… e de Chico Buarque: Joga pedra na Geni.

Cresci vendo que a melhor maneira de defender seus direitos é abertamente, expressando-os de forma educada e inteligente. 

Trecho de mensagem que viralizou no WhatsApp

Eu cresci entendendo que preconceitos significam estupidez, pois toda a minha formação se deu com bons exemplos de representantes de todas as classes, em um país que normalizou a presença de todos em programas de televisão, onde tudo era discutido sem qualquer pudor.

Cresci entendendo de verdade o que era liberdade de expressão. Infelizmente, hoje, com esse mimimi chato pra caramba, não temos mais liberdade de expressão. Tudo que citei, antes normal, hoje seria execrado por essa nova sociedade chata para caramba!

Essa dita “resistência” do politicamente correto luta contra “monstros” e “rótulos” que ela mesma criou. Tudo vem sendo conotado como proibido e preconceituoso, ou politicamente incorreto. Geração chata! Queremos o nosso bom Brasil de volta.

Trecho de mensagem que viralizou no WhatsApp

A mensagem termina com uma historinha de vida pessoal. “Quando meu filho era pequeno entrou um senhor obeso no elevador e meu filho gritou: vai cair! O senhor riu e disse que não cairia. Quando chegou no térreo o meu filho disse que ele estava certo.”

Bom senso e diálogo

É claro que, como tudo na vida, há limites para a brincadeira e para as piadas. Os próprios programas de humor foram mudando, porque a audiência em pouco tempo passou a reclamar de exageros, a cultura mudou.

Quem é mais velho vai lembrar daqueles bordões horrorosos que eram ditos a torto e a direito no passado. Para pegar só um exemplo, o deboche que se fazia de mulheres. Muitos homens falavam que o trabalho da mulher era “esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque” ou que “mulher ao volante é perigo constante”.

Cansei de ouvir essas coisas e sempre que possível argumentava, com educação, explicando para o homem insensível que aquela generalização era pejorativa e feria todas as mulheres, inclusive as mães deles, as irmãs, as esposas e as amigas. Comigo sempre funcionou o diálogo aberto e franco. Os homens que ousavam fazer esse tipo de gracinha para mim ficavam sem jeito e nunca mais repetiam.

Fato é que as mulheres entraram com força no mercado de trabalho (e no trânsito) e deram um basta nisso, até porque provaram, na prática, que são boas em qualquer profissão, não apenas no serviço doméstico – campo, aliás, onde muitos homens ainda patinam. E as estatísticas de acidentes de trânsito comprovam quem é mais perigoso ao volante.

Hoje não se admite mais piadas de “loira burra”, que num passado recente eram contadas até por mulheres (tirando as loiras, claro). Quase não se ouve mais também piada de português. As pessoas passaram a viajar mais e a entender que há diferenças culturais entre os povos que precisam ser respeitadas e não ridicularizadas.

Hoje os humoristas de maior sucesso debocham de si mesmos, das situações do dia a dia que se repetem em todas as famílias. E é ótimo rir de nós mesmos. Com debate honesto e diálogo aberto, aumentaram a conscientização e a percepção de respeito. E é nessa evolução da sociedade e dos costumes que eu acredito.

O limite é a lei

Tanto evoluímos que hoje há leis punindo os excessos e quem insiste neles pode ser processado e condenado. Já o “politicamente correto”, que nada mais é do que a imposição de uma única forma de pensar, não educa nem dissemina a ideia de aceitação, pelo contrário, gera ainda mais intolerância, como mencionei antes.

E conforme disse a Sandra, a senhora de 63 anos autora do texto que está viralizando nos aplicativos de mensagens, deixa a vida muito chata.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

Be the first to comment on "A chatice do “politicamente correto” engole a liberdade de expressão e até o riso"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*