Maduro: “Venezuela e China estão mais unidas do que nunca”. Relembre alguns pontos desta relação

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, enfatizou nesta segunda-feira, no 47º aniversário do estabelecimento das relações com a China, a união entre os dois países, que ele classificou como de “verdadeiros irmãos”.

“Hoje, com 47 anos dessa data (…) lhe digo, presidente (da China) Xi Jinping, hoje estamos mais unidos do que nunca. China e Venezuela temos boa saúde, e a China percorrerá este século dando o exemplo”, disse Maduro em um evento comemorativo do qual também participou o embaixador do país asiático, Li Baorong.

Por essa razão, e em “tempos de ataque, ameaças e assédio” que ele considera que os dois países estão vivendo, Maduro ressaltou que a China tem “toda a solidariedade e o forte apoio da revolução bolivariana”.

No evento, no qual também foi comemorado o centenário do Partido Comunista Chinês (PCCh), ele agradeceu ao país asiático por ter “condenado abertamente e em voz alta” no sistema das Nações Unidas a “ilegalidade” das sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela.

“A China está sendo transformada numa espécie de inimigo da humanidade. Devemos estar atentos a estas campanhas, é simples inveja e egoísmo do Ocidente que não pode aceitar que, da antiga China, surja um poder de paz, fraternidade e cooperação”, declarou Maduro.

Diante deste cenário, Maduro disse que a China pode contar com os venezuelanos “como verdadeiros irmãos” na América do Sul “agora e para sempre”.

Por fim, o ditador venezuelano pediu que os dois países continuem trabalhando em cooperação política, comercial, financeira, cultural, espacial, militar e nas áreas de saúde, comunicação, satélites, petróleo, energia e mineração.

Relação China e Venezuela

Na América do Sul, e durante o boom das commodities de 2003 a 2013, a relação China-Venezuela proporcionou aos líderes políticos e empresariais chineses e venezuelanos a oportunidade de destacar os supostos benefícios de uma complementaridade de recursos naturais baseada no petróleo.

Ao mesmo tempo, o relacionamento resumia uma afinidade eletiva entre a liderança ascendente da Nova Esquerda da América do Sul, liderada pelo venezuelano Hugo Chávez, e a China como um novo parceiro diplomático e comercial alternativo na região, destaca relatório sobre as relações entre os dois países no século 21 de autoria de Matt Ferchen, diretor de Pesquisa Global da China no Instituto Mercator para Estudos da China, publicado em setembro passado.

O relacionamento China-Venezuela realmente decolou no início dos anos 2000. “As relações comerciais e diplomáticas baseadas em empréstimos e petróleo foram construídas exatamente quando Hugo Chávez estava construindo sua experiência no populismo latino-americano do século 21”, relembra o autor.

Entre 2007 e a época da morte de Chávez no início de 2013, o CDB (Banco de Desenvolvimento da China) emprestou à Venezuela quase US$ 40 bilhões, um valor que ultrapassa de longe o financiamento oficial de energia da China para qualquer outro país do mundo naquela época, muito menos em qualquer outro lugar da América Latina.

A partir de 2007, o CDB assinou uma série de contratos de empréstimo com Chávez e a PDVSA segundo os quais os empréstimos seriam pagos com a venda de petróleo à China.

Para colocar a situação em perspectiva, apenas de 2005 a 2011, o CDB foi responsável por mais de 80% dos empréstimos chineses à América Latina e Caribe, com a Venezuela sendo, de longe, o maior receptor. Naquela época, os negócios de empréstimos por petróleo do CDB constituíam cerca de 60% de sua exposição geral a empréstimos para a América Latina e o Caribe.

A China é atualmente a principal fonte de dívida soberana da Venezuela.

O pesquisador aponta que sinais de que nem tudo estava bem na Venezuela ou na relação China-Venezuela começaram a aparecer bem antes da morte de Chávez. Mesmo antes da crise financeira global, quando Chávez estava no auge de seu poder, a politização e a má gestão da petroleira estatal PDVSA já pressionavam a produção de petróleo do país.

“Ao mesmo tempo, mesmo com o florescimento da amizade diplomática sino-venezuelana, os banqueiros estatais da China e as empresas petrolíferas nacionais ficaram impacientes com a falta de acesso privilegiado a fontes de exploração de petróleo, que eles acreditavam que deveria ter sido o resultado natural de laços políticos de alto nível – a China esperava ter acesso preferencial às vastas reservas de petróleo do Cinturão do Orinoco na Venezuela, mas devido ao estado caótico do setor de petróleo da Venezuela e da PDVSA em particular, as empresas chinesas não foram capazes de bombear novos fluxos significativos de petróleo bruto venezuelano”, diz o relatório.

Após a morte de Chávez, e em um cenário de queda e volatilidade dos preços globais do petróleo a partir de 2014, seu sucessor, Nicolás Maduro, logo provou não ser um líder político e diplomático tão dinâmico quanto Chávez, cuja liderança também era “altamente polarizadora e destrutiva”, avalia Ferchen.

Pelo menos desde 2014, como resultado da própria má gestão, falta de investimentos na PDVSA e a dificuldade de acessar dólares para a importação de equipamentos necessários, por causa das políticas cambiais bizantinas – situação que foi exacerbada pelas sanções dos EUA sobre as exportações de petróleo da Venezuela – a produção e a exportação de petróleo venezuelano caíram para mínimos históricos.

“Na verdade, o fluxo real da Venezuela para as mãos chinesas sempre teve desempenho inferior às promessas reivindicadas de até um milhão de barris por dia, raramente alcançando metade desse valor (equivalente a menos de 5% das importações de petróleo da China em qualquer ano)”, detalha o artigo.

Na esteira da queda dramática nos preços globais do petróleo em 2014, a Venezuela foi forçada a pedir termos renegociados para suas dívidas com a China, essencialmente entrando em uma forma de inadimplência de fato. Como consequência, os empréstimos chineses diminuíram.

O artigo relata que, embora seja um desafio manter números precisos e atualizados sobre os empréstimos da China à Venezuela relacionados com o petróleo, devido à opacidade e negociações secretas e de alto nível de ambos os lados, estima-se que a Venezuela ainda deve cerca de US$ 20 bilhões em pagamentos de dívidas vinculadas ao petróleo para a China.

E, no entanto, desde 2014, a China não cortou completamente os fluxos de apoio financeiro ou diplomático à Venezuela. A China tem se recusado veementemente a criticar publicamente ou abandonar a diplomacia de apoio ao governo de Maduro ou mesmo admitir que existem problemas na Venezuela ou na relação sino-venezuelana. Quando pressionadas, as autoridades de política externa chinesas têm afirmado sistematicamente que mantêm seus compromissos comerciais e diplomáticos com a Venezuela, não interferem nos assuntos internos da Venezuela e esperam estabilidade lá.

Os projetos de financiamento chineses foram aproveitados em campanhas políticas chavistas. Chávez e Maduro usaram bens financiados pela China em manifestações grandiosas de política de generosidade, doando eletrodomésticos de marca chinesa e construção de projetos de habitação contratados pela China, enquanto um projeto ferroviário de alto perfil apoiado pela China descarrilou devido ao planejamento deficiente e à corrupção.

Embora novos fluxos de financiamento oficial do CDB tenham sido cortados desde 2016, uma ampla gama de outras negociações ocorreram, incluindo um acordo de 2019 que tem como foco a cooperação energética. Outros setores estão chamando a atenção: por exemplo, em uma visita de 2018 à China, Maduro assinou 28 acordos, incluindo alguns para cooperação por satélite e equipamento de telecomunicações da empresa ZTE.

“O elemento central da relação, o comércio de petróleo, tem sido cada vez mais forçado a fazer contorcionismo para evitar as sanções dos EUA, enquanto os investimentos chineses na rede de energia da Venezuela não conseguiram garantir suprimentos estáveis de energia”, avalia o relatório.

A China forneceu equipamento médico à Venezuela em meio à crise causada pelo coronavírus, mas essa assistência não pode compensar a crise no sistema de saúde da Venezuela, anterior à pandemia. Para sublinhar ainda mais a cooperação política entre os dois países, como parte da visita de 2018, Maduro também assinou um memorando de entendimento para participar do Belt and Road Initiative (BRI) da China.

No entanto, todos os elementos desse acordo têm sido controversos: o acordo com a Sinovensa foi minado por escândalos de corrupção, a ZTE forneceu ao governo de Maduro tecnologia de vigilância digital e a adesão da Venezuela ao BRI é mais uma provocação em um momento de grande preocupação dos EUA.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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