A impunidade no Brasil não é um privilégio dos criminosos de colarinho branco, pois autores de crimes violentos e de sangue também são beneficiados pela brechas do nosso sistema. O serial killer de Goiás é um exemplo vivo dessa disfuncionalidade, pois desde cedo praticou inúmeros crimes graves e não foi devidamente punido e afastado do convívio social.
Lázaro apresenta uma extensa ficha corrida, pois praticava crimes desde 2007, quando tinha apenas 19 anos. Se iniciou no mundo da criminalidade violenta praticando um duplo homicídio na Bahia, e, embora tenha sido preso, conseguiu fugir. Em 2009, foi novamente detido em Brasília pelos crimes de roubo, estupro e porte ilegal de arma de fogo.
No ano de 2013, quando permanecia detido no presídio da Papuda, foi elaborado seu laudo criminológico, sendo atestado que Lázaro apresentava uma psicopatia irreversível, pois era insensível, imprevisível, com comportamento impulsivo e agressivo. Também foi atestada a ausência de sentimento e total falta de equilíbrio. De acordo com especialistas, o uso abusivo de álcool e drogas como crack potencializaram esse quadro de psicopatia.
Contudo, apesar dessa constatação médica, em 2014 a pena de prisão em regime fechado foi convertida para o regime semiaberto e, em 2016, o serial killer foi beneficiado com a saída temporária de páscoa — as famosas saidinhas — e não retornou ao sistema prisional.
Em abril de 2020, e estando seguro de sua impunidade e da ineficiência da atuação estatal, Lázaro invadiu uma chácara e golpeou um casal de idosos com machado, sendo indiciado por violação de domicílio e tentativa de latrocínio. Recentemente, em abril de 2021, fez uma família refém, e estuprou duas mulheres (mãe e filha).
Em maio, em Ceilândia, outra família foi vítima de Lázaro, pois ameaçou com faca e arma de fogo outra família da mesma região. Em junho, Lázaro invadiu outra chácara em Ceilândia, e matou seus moradores a tiros e facadas. Atualmente, está sendo buscado por dezenas de policiais, que não estão conseguindo localizá-lo.
Infelizmente, o caso Lázaro é um retrato do nosso sistema jurídico, onde o excesso de benefícios a criminosos perigosos apenas gera a prática de outros crimes igualmente graves. As saídas temporárias são um exemplo desses privilégios descabidos, que são usufruídos por criminosos violentos como Suzane Richtofen, que matou os próprios pais e têm direito à saída temporária do Dia das Mães; e por Alexandre Nardoni, que matou sua filha Isabela, de 5 anos, e mesmo assim recebe o benefício da saidinha no Dia dos Pais.
Essa saída temporária está prevista na Lei de Execução Penal, e autoriza que um preso em regime semiaberto, desde que tenha bom comportamento, saia da prisão — e sem vigilância — para visitar sua família. De acordo com o espírito da lei, essas saídas seriam importantes para que o “reeducando”, ou melhor, o criminoso, possa participar de atividades que favoreçam o retorno ao convívio social.
Em 2018, o governo federal tentou limitar acertadamente essa saídas temporárias, com o oferecimento pelo Ministério da Justiça do pacote anticrime. No texto original desse pacote estava prevista a proibição da saída temporária para todos os presos que fossem condenados por crimes hediondos, tortura ou terrorismo. Assim, todas aquelas pessoas que praticaram homicídio qualificado; estupro; lesão corporal gravíssima ou com resultado morte; roubo qualificado; extorsão mediante sequestro; adulteração de medicamentos; dentre outros crimes graves, não teriam mais o direito à essa saidinha.
Entretanto, quando o pacote anticrime foi discutido no Congresso Nacional, ele foi completamente desidratado, e foi aprovada somente a impossibilidade de saidinha para os presos que cometeram um crime hediondo com resultado morte; assim, não havendo o falecimento da vítima, o criminoso hediondo teria direito ao disparate dessas saidinhas.
Os parlamentares foram extremamente complacentes com estupradores, sequestradores e assaltantes, pois estes continuaram tendo a possibilidade de sair da prisão nas datas comemorativas. Mas esse pequeno endurecimento da lei que proibiu a saidinha para o autor de crime hediondo com resultado morte somente será aplicado aos casos futuros; logo Susane Richtofen e Alexandre Nardoni continuarão saindo da prisão no Dias das Mães e dos Pais.
Em dezembro de 2020, 1.700 presos beneficiados pela saidinha de Natal e Ano Novo não retornaram à prisão. Em janeiro de 2021, 1.400 presos também não retornaram após essa saída temporária. Em 2016, no interior de São Paulo, diversos presos aproveitaram a saidinha para cometer roubos e homicídio; em Catanduva, um criminoso matou a própria mãe a facadas; e em São José do Rio Preto, um delegado foi morto a tiros. Em 2018, mais de 300 bandidos foram novamente presos por terem cometido crimes durante a saída temporária.
Voltando ao criminoso Lázaro, apesar do seu histórico de prática de crimes gravíssimos, e tendo sido atestado por laudo médico a existência de psicopatia, o serial killer recebeu o benefício da saída temporária.
Diante desse quadro, em vez de entidades da Justiça pleitearem o endurecimento da legislação para não mais permitir situações lamentáveis como essa, a Defensoria Pública do Distrito Federal solicitou à Justiça em 22 de junho de 2021 que o serial killer Lázaro, quando for preso, seja colocado em uma cela individual, separado de outros detentos, para a “proteção especial à integridade física e mental e a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo e exposição vexatória”.
Infelizmente, o Estado não se preocupou em proteger a integridade física e mental de todas as futuras vítimas do serial killer de Goiás ao permitir a saída temporária desse psicopata criminoso. Que a Justiça seja feita.
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