A participação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro no III Encontro Virtual do Conpedi, o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito do Brasil, foi cancelada na última segunda-feira (21) — no sentido literal e figurado do termo.
Moro seria responsável pela coordenação do painel “O Papel do Setor Privado em Políticas Anticorrupção e de Integridade”, do qual participariam também o ex-diretor de Governança da Petrobras, Marcelo Zenkner, e o diretor-executivo da consultoria internacional Alvarez & Marsal Steve Spiegelhalter. Mas a conversa, marcada para a próxima sexta-feira, foi suspensa por causa da má repercussão entre professores e ativistas de esquerda, que ameaçaram boicotar o evento. O texto criticava também o fato de o painel em questão ser patrocinado pela farmacêutica Aspen, uma das principais fabricantes de hidroxicloroquina do país.
Para os signatários do texto, a mera presença de Sérgio Moro, responsável pelos julgamentos da Operação Lava-Jato em Curitiba – de onde foram recuperados 4,3 bilhões de reais -, configura um “desrespeito à comunidade jurídica”. A carta acusa o ex-juiz de violar “a Constituição e as mais básicas regras do Processo Penal brasileiro para alcançar interesses pessoais e políticos”, com base na decisão recente do STF que declarou a suspeição de Moro no julgamento do triplex do Guarujá, envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para os ativistas, “o comportamento do então juiz gerou incontáveis prejuízos materiais, financeiros e simbólicos ao país. Sua atuação alterou, inclusive, o processo eleitoral, ao condenar sem provas o candidato à Presidência da República que estava liderando francamente as pesquisas eleitorais”. Entre os signatários da nota, estão o presidente do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora e membro da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Wilson Ramos Filho, e a advogada e ex-candidata a vereadora pelo PSOL do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux.
Bilhões de reais recuperados pela Lava-Jato
A nota não faz menção, nem dá margem para que se discuta, quais são, exatamente, os ditos “prejuízos materiais, financeiros e simbólicos” legados pela Operação Lava-Jato que, além do montante apreendido na capital paranaense, solicitou, no Rio de Janeiro, o pagamento de 6,21 bilhões de reais em reparação de danos. Parte deste dinheiro já foi utilizada para pagar salários atrasados de servidores do Estado e até no combate à Covid-19. Líderes das maiores empresas do Brasil também reconhecem que a Operação revolucionou por completo o combate à corrupção no setor privado, ajudando a estabelecer novas regras de compliance e a mudar a mentalidade do “rouba mas faz”.
Provas contra Lula
Sem contar o arsenal de provas que sustentou a condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex, anulada pelo STF. Para os advogados e juristas que ameaçaram boicotar um dos mais importantes congressos nacionais na área, os depoimentos, comprovantes bancários, certidões de imóvel, trocas de mensagens, registros em vídeo e fotos de visitas ao imóvel que constam na investigação do Ministério Público Federal (MPF) são inexistentes.
A nota de esclarecimento do Conpedi, divulgada na segunda-feira, também aponta para uma inconsistência entre o discurso e a prática da organização. No texto, a diretoria comunica que “se debruça na construção de critérios mais objetivos e representativos para atividades futuras. Nunca renunciando aos princípios democráticos e da pluralidade de ideias que permeia o ambiente acadêmico”.
Falta de diálogo
“O fato de vários pesquisadores terem obstado a participação de Sérgio Moro no CONPEDI só mostra como nossas Universidades estão fechadas ao diálogo”, expressou a deputada federal Janaína Paschoal (PSL-SP), no Twitter. Mesmo para analistas críticos à atuação de Moro na Lava-Jato, a decisão de cancelar sua participação em um evento que deveria envolver as maiores faculdades de Direito do país vai na contramão do que se pretende construir em um ambiente acadêmico.
“Se representam o melhor do pensamento jurídico no Brasil – e as pós-graduações em Direito deveriam representar justamente isto – estão escolhendo não ouvir a maneira como um pedaço importante da sociedade entende a Justiça. Mesmo que seja para questionar Sergio Moro, questionar as ideias que ele representa e defende, é preciso fazer isto num diálogo”, escreve o jornalista Pedro Doria.
Vale ressaltar também que, segundo uma pesquisa divulgada pelo DataFolha, em março deste ano, 57% dos brasileiros avalia que a condenação de Lula no caso do tríplex de Guarujá foi justa; enquanto 51% reprova a decisão do ministro Edson Fachin de anular as sentenças.
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