Quando o ministro da Educação, Milton Ribeiro, for ouvido pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (9), ele deve ser cobrado pelos parlamentares sobre o veto a R$ 2,2 bilhões no orçamento aprovado pelo Congresso para a pasta, além do congelamento, mesmo que temporário, de outros R$ 2,7 bilhões. Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi quem se sentou diante da comissão para falar do mesmo assunto. Mas o debate sobre o orçamento de 2021 tem como pano de fundo um problema mais profundo e que raramente recebe a atenção devida: a insustentabilidade econômica de grande parte das universidades federais.
Os contingenciamentos no orçamento, embora tenham se tornado mais severos, não são exclusividade do governo Bolsonaro. Nos últimos anos, essa foi uma rotina também nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). Mas o aperto financeiro tem aumentado, e a margem de manobra se reduziu com a aprovação do teto de gastos, em 2016.
A raiz do problema foi o inchaço das instituições de ensino superior durante as gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Embora, em tese, a expansão das universidades seja bem-vinda, a política do petista não levou em conta as consequências, no longo prazo, dessa medida. O gasto médio com a folha de pagamento das federais, que era de 80% em 2014, se aproxima rapidamente dos 90%. É o caso, por exemplo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que tem um orçamento anual da ordem de R$ 3,9 bilhões, muito acima de diversos municípios, de acordo com o Portal da Transparência. Lá, R$ 9 de cada R$ 10 vão para o pagamento de salários. A situação tende a piorar, e muitas instituições de ensino estão no limiar do colapso.
A explicação para a inviabilidade financeira tem a ver com um modelo que leva a um crescimento automático das despesas. Professores de carreira são aprovados por concurso, o que significa que eles não podem ser demitidos, exceto em casos de falta gravíssima. O orçamento das universidades inclui também os aposentados. Na prática, cada professor que ingressa no sistema vai ser bancado até o último dia de sua vida a não ser que peça demissão. Além disso, a progressão de carreira significa que os salários aumentam automaticamente conforme os docentes acumulam tempo no serviço público. Com isso, sobra cada vez menos para o custeio (as despesas com água e luz, por exemplo) e os investimentos (como a construção de laboratórios e recursos para pesquisa).
Em sua fala à comissão, Paulo Guedes apresentou um gráfico que demonstra o peso das despesas obrigatórias sobre o orçamento da União. “Nós estamos praticamente gastando o teto das despesas obrigatórias. De R$ 1,5 trilhão, na verdade, R$ 1,4 trilhão já estão carimbados”, disse ele, acrescentando que, por causa da indexação dos salários, o valor discricionário tem se reduzido a cada ano.
“Como existe um teto de um lado e de outro lado as despesas obrigatórias vão subindo, o espaço de atuação tanto do governo federal quanto do Congresso vão sendo comprimidos”, explicou o ministro da Economia.
Guedes afirmou que, entre 2015 e 2021, o gasto com pessoal e encargos no orçamento do MEC passou de R$ 48,7 bilhões para R$ 77,2 bilhões. Com isso, o valor de custeio e investimentos ficou sufocado. De 2003 (quando Lula assumiu a Presidência) para cá, o Ministério da Educação passou de aproximadamente 150 mil servidores para quase 300 mil. Todos os outros órgãos do governo federal, somados, ficam em pouco mais de 300 mil. Ou seja: a Educação tem quase metade de todos os servidores públicos federais.
Apesar de descrever um cenário de aperto, Paulo Guedes prometeu a liberação de R$ 900 milhões nos próximos dias e afirmou que, se a economia continuar em retomada, todo o valor bloqueado será liberado neste ano. Isso deve aliviar a situação imediata das universidades – algumas das quais têm tido dificuldades de pagar as contas de água e energia. Mas a liberação desse montante pouco fará para reverter a tendência de médio prazo: a insustentabilidade financeira das universidades federais.
Exemplo na Amazônia, apesar da crise
Na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), como nas demais instituições vinculadas ao MEC, o orçamento previsto para 2021 é aproximadamente 18% menor do que o do ano passado. Ainda assim, a expectativa é de que as contas possam encerrar o ano no azul.
A instituição passou de um déficit de R$ 10,3 milhões em 2017 para um superávit de R$ 7 milhões em 2020 – em parte, graças à economia gerada pela interrupção das aulas presenciais em meio à pandemia. O reitor Marcelo do Nascimento Botelho se diz favorável à expansão das parcerias das instituições de ensino com o setor privado, mas também afirma que é possível conquistar avanços significativos com métodos mais eficazes de gestão. Apesar das dificuldades, a UFRA conseguiu reverter sua situação financeira desfavorável.
Botelho diz acreditar que a parte do orçamento que foi contingenciada será liberada até o fim do ano, mas afirma que o bloqueio, mesmo que temporário, prejudica o planejamento e atrasa licitações e processo de compra. “Isto bagunça todo o planejamento. Muito ou pouco, é preciso ter uma previsibilidade. Sem previsibilidade, fica um tiro no escuro”, afirma.
O reitor cita ainda que, apesar das contas na UFRA não estarem em uma situação tão grave quanto em outras instituições de ensino, a folha de pagamento ocupa um espaço cada vez maior do orçamento. “Quando eu assumi a reitoria, em 2017, o nosso custo com pessoal representava cerca de 82% do orçamento. Este ano, já está em 86%”, afirma Botelho.
Fracasso de Future-se prejudica alternativas de financiamento às universidades
Na gestão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, a grande aposta para desafogar as finanças das universidades federais era o Future-se, um programa que facilitaria a obtenção de recursos em parceria com o setor privado. Cada universidade poderia criar uma fundação própria capaz de receber aportes de empresas. Além disso, elas poderiam recorrer à prática de “naming rights” – um doador poderia custear um prédio ou um laboratório e, em troca, ter o prédio batizado com o seu nome. O projeto, entretanto, enfrentou forte resistência das universidades. Mesmo depois de passar por ajustes, a proposta não avançou no Congresso e, com a saída de Weintraub, deixou de ser prioridade no Ministério da Educação.
Para Anamaria Camargo, mestre em Educação pela Universidade de Hull, na Inglaterra, e presidente do Instituto Livre pra Escolher, o modelo atual de financiamento não é sustentável. Ela sugere que, dentre outras medidas, a cobrança de mensalidades de parte dos alunos pode ajudar a reduzir o abismo financeiro. “Apesar das cotas, a maioria dos alunos que acessam as universidades públicas vêm do ensino privado”, justifica. Ela acrescenta, entretanto, que isso provavelmente não seria suficiente para resolver o problema.
Anamaria afirma também que outras soluções podem evitar o colapso das universidades públicas. Entre elas, a aposta no ensino a distância. “Talvez este seja o momento ideal para isto: pegar muitos dos cursos que são extremamente teóricos e simplesmente oferecê-los apenas a distância, apenas online. Acho que isso baratearia muito, poderia se fazer turmas maiores, com um professor só”, afirma.
“O que eu acho que solucionaria, mas acho bastante distante, de uma aceitação, seria a governança privada das universidades. O governo poderia contratar, uma organização privada, para pilotar um projeto que depois serviria de modelo”, sugere a especialista.
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