A Operação Akuanduba – que apura supostos crimes cometidos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e outros servidores que ocupam cargos de confiança em órgãos ambientais – tem como base das investigações um despacho editado pela presidência do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). O Despacho n.º 7036900/2020 eliminou a exigência de autorização de exportação de madeira por parte do órgão ambiental federal, com a exceção de espécies sob o risco de extinção.
Na decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que autorizou a Operação Akuanduba, o despacho foi citado em 32 ocasiões. Moraes também o suspendeu.
Para entender o despacho, as fundamentações de Alexandre de Moraes, sua legalidade e os motivos por trás de sua edição, a Gazeta do Povo preparou uma série de perguntas e respostas a algumas das principais questões envolvendo o principal motivo da investigação contra o ministro do Meio Ambiente. Leia abaixo:
O que diz o despacho?
O Despacho n.º 7036900/2020 declarou a caducidade (perda de efeitos legais) da Instrução Normativa (IN) 15/2011, editada pelo próprio Ibama. A IN 15/2011 previa normas de autorização específica para a exportação de produtos e subprodutos florestais de origem nativa – tal como madeira. Estabelecia, por exemplo, inspeções por amostragem e outros controles para a exportação que o documento de origem florestal (DOF) não institui.
O DOF foi criado em 2006 pelo Ministério do Meio Ambiente como uma licença obrigatória para o transporte e armazenamento de produtos florestais de origem nativa. A emissão desse documento e suas demais operações são realizadas eletronicamente por meio de um sistema, que é disponibilizado pelo Ibama.
Mas, em 2014, o Ibama publicou a Instrução Normativa (IN) 21, que instituiu o Sistema Nacional de Controle de Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor). Na prática, esse sistema tirou a exigência da autorização para a exportação de produtos e subprodutos florestais até então exigida pela IN 15/11.
A IN 21/2014 ampliou o DOF para fins de exportação, criando o chamado DOF Exportação. O setor madeireiro passou a entender que esse nova nova licença contemplava não apenas a autorização obrigatória para o transporte e armazenamento de carga para o exterior, como também a autorização para a exportação, prevista até então pela IN 15/11.
Assim, madeireiros passaram a entender que a IN 15/11 havia sido revogada tacitamente – ou seja, de modo subentendido, não explícito – com a publicação da IN 21/14. Com a edição do despacho, o Ibama concordou com a tese da revogação tácita e, na prática, endossou em definitivo que o DOF Exportação seria o suficiente como uma licença de transporte, armazenamento e de autorização para a exportação.
Por sua vez, o Sinaflor, previsto pela IN 21/14, foi instituído para atender a uma exigência da Lei 12.651/2012, o Código Florestal. A legislação previa a criação de um sistema nacional obrigatório e oficial para o controle da origem, transporte e comercialização dos produtos e subprodutos de florestas nativas que instituiu o DOF como a licença obrigatória para a comercialização desses bens.
O artigo 36 do Código Florestal prevê a licença de transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais. Já o artigo 37 estabelece as normas para a exportação. No entender do Ibama, a legislação deixa claro que ambas as licenças poderiam estar contempladas por um único instrumento.
Por esse motivo, o despacho passou a endossar a IN 21/14 e a exportação mediante uma única licença, o DOF Exportação, sob a alegação de cumprir uma norma já vigente e reduzir a burocracia.
Por que o Ibama publicou o despacho?
O Despacho n.º 7036900/2020 pretendia deixar claro a validade da IN 21/2014 e, consequentemente, sa caducidade da IN 15/2011. Ao editá-lo, o Ibama alegou que pretendeia desburocratizar o processo de exportação tendo a Lei n.º 13.874/19, a chamada Lei da Liberdade Econômica, como argumento central. “A subsistência de autorização [exportação] cuja função foi substituída por outra [DOF Exportação] é uma desproporcionalidade da ação estatal”, justifica o despacho.
Para o Ibama, a instrução normativa que perdeu a vigência com o despacho, a IN 15/11, portanto, “não apenas” estaria gerando mais um “procedimento desnecessário para o cidadão e para o Poder Público”, como “impondo ônus excessivo na livre iniciativa”. “Já que a fiscalização é perfeitamente possível sem a autorização de exportação genérica da IN 15/2011”, comunicou o Ibama em sua decisão.
A Lei da Liberdade Econômica prevê que “todas as normas de ordenação pública” aplicáveis à “proteção ao meio ambiente” sejam interpretados em favor da livre iniciativa, entre outras atividades.
O Ibama citou ainda a Constituição para defender a necessidade de desburocratizar a exportação de madeira legal, ao defender os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade.
Outra legislação usada pelo Ibama para defender a decisão foi a Lei 9.784/99, a Lei do Processo Administrativo Federal. Ela veda a imposição de obrigações “em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.
Qual o real alcance legal do despacho do Ibama?
Uma vez publicado o Despacho n.º 7036900/2020, ele passou a valer para todo o Brasil, não apenas para um estado ou para atender a uma ou mais empresas especificamente. Além disso, como ele endossou a IN 21/2014 ao considerar sem efeitos legais a IN 15/2011, o Ibama entendeu que o documento gerou um efeito retroativo desde 2014 para legalizar as exportações com o DOF Exportação realizadas desde então.
O Ibama destacou que o ordenamento jurídico permite a aplicação retroativa de uma norma desde que “não se violem princípios constitucionais, como a intangibilidade do direito adquirido”. De toda a forma, o entendimento do órgão é que não houve retroação na edição do despacho, uma vez que a IN 21/14 reforçou a caducidade da IN 15/11.
Por esse motivo, inclusive, o instrumento alvo da Polícia Federal ficou conhecido como “despacho interpretativo”, uma vez que não revogou a IN 15/11 para privilegiar exportações posteriores, e, sim, entendeu que ela já tinha sido revogada com a publicação da IN 21/14.
A PF criticou a revogação da necessidade da licença de autorização para exportação pela IN 15/11. A autoridade policial entende que, por consequência, ficou legalizado, com efeito retroativo, “milhares de cargas que teriam sido exportadas entre os anos de 2019 e 2020 sem a respectiva documentação”.
Qual o efeito prático e legal do despacho sobre as investigações?
Tecnicamente, o despacho do Ibama deu legalidade aos contêineres exportados e apreendidos entre dezembro de 2019 e o primeiro bimestre de 2020 no porto de Savannah, nos Estados Unidos. Foram essas apreensões que embasaram boa parte das investigações da Polícia Federal que envolvem o ministro Ricardo Salles.
Em janeiro de 2020, três contêineres da Tradelink Madeiras embarcados no Pará foram apreendidos no porto de Savannah. A empresa alegou que a carga não era ilegal por estar amparada pelo DOF Exportação. As autoridades norte-americanas, contudo, receberam em 17 de janeiro um comunicado do Ibama do Pará informando que as cargas não foram analisadas pelo setor competente.
Mas, posteriormente, a superintendência do órgão no Pará intercedeu pelas cargas ao procurar esclarecer as autoridades norte-americanas não haver inconsistências legais na carga. Representantes da embaixada dos Estados Unidos no Brasil se reuniram com o presidente do Ibama, Eduardo Bim. Ele explicou à PF que toda essa situação – o próprio órgão comunicando problemas e depois os negando – teria criado uma “situação confusa” para as autoridades norte-americanas. A “confusão” teria tido um desfecho somente após a edição do Despacho n.º 7036900/2020.
Mas a investigação da Polícia Federal cita que as inconsistências por informações divergentes dentro do próprio Ibama não são as únicas. Em dezembro de 2019, a Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras Ltda. exportou 19,7 mil kg de decks de madeira de ipê para o porto de Savannah, em uma venda para a empresa East Teak Fine Hardwoods Inc.
O processo foi ainda mais moroso em relação ao exportação da Tradelink. A carga ficou retida no porto em 20 de dezembro de 2019 após o Ibama enviar um ofício informando que a exportação teria sido realizada em violação à legislação brasileira. Em 24 de janeiro de 2020, o órgão regulador norte-americano, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS em inglês) recebeu uma “autorização retroativa” do Ibama que autorizava a exportação e questionou esses “documentos conflitantes”. Mas, em 27 de janeiro, o superintendente do Ibama no Pará, Walter Mendes Magalhães Júnior, anulou a autorização para a exportação.
O caso da Wizi Madeiras só foi solucionado em 10 de agosto de 2020, após o FWS americano receber novo ofício, desta vez do presidente do Ibama, Eduardo Bim, informando a respeito da aplicação retroativa por meio do “despacho interpretativo”.
Como funcionava a atividade de exportação antes do despacho?
Mesmo com a IN 21/2014 vigente, o Ibama passou a adotar como prática majoritária a adoção de ambas as licenças, o DOF Exportação e a autorização de exportação, afirma o próprio órgão, na edição do despacho. A discrepância dessa prática ocorreu no Pará, onde não se emitia a autorização de exportação “durante certo tempo”.
No caso específico do Pará, os madeireiros passaram a trabalhar apenas com a emissão do DOF Exportação até 2019. As madeireiras informam que a origem da controvérsia quanto às autorizações de exportação surgiu ao fim daquele ano – o primeiro da gestão Bolsonaro –, quando algumas empresas afirmam ter sido surpreendidas quanto à permanência em vigor ou não de uma autorização adicional.
Ou seja, sem a emissão da autorização de exportação prevista pela IN 15/2011, conforme diz o próprio Ibama, os madeireiros passaram a trabalhar com o DOF Exportação entre meados de 2014 e 2019, até o órgão ambiental exigir ambas as documentações.
Segundo nota conjunta da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (Aimex) e a Associação Brasileira das Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), antes da publicação do despacho, a licença que concedia a autorização para exportação, prevista pela IN 15/2011, era feita de modo físico e depois direcionada para uma plataforma eletrônica. Segundo os madeireiros, essa plataforma nunca foi implementada e há muito tempo não era emitida pelo Ibama no Pará para as chamadas “cargas convencionais”, ou seja, aquelas cuja espécie florestal não estava incluída na lista das espécies sob risco de extinção.
Com a IN 21/2014, todo o processo de exportação passou a ser regulado pelo DOF exportação, que opera de modo eletrônico e integrado com os sistemas estaduais (Sinaflor) e fiscal (Siscomex).
A nova regulamentação da IN 21/14 do Ibama e os sistemas eletrônicos de licenciamento, contudo, “não faziam qualquer menção à antiga autorização da IN 15/11”, afirmam as entidades do setor madeireiro. A insegurança jurídica ainda permanecia. “O próprio Ibama/PA não mais emitia o documento [de exportação], embora permanecesse sendo comunicado pelas empresas dos embarques e fazendo, conforme sua metodologia e capacidade, a inspeção e liberação das cargas nos portos alfandegados”, sustentam as madeireiras.
As entidades representativas do setor entendem que a IN 15/2011 se provou um instrumento de controle “obsoleto”. Aimex e a Confloresta usam uma analogia para defender o controle digital previsto pela IN 21/2014: “Era como se um cidadão fosse obrigado a declarar o Imposto de Renda no formato digital, mas, também, precisasse manter o formato físico”.
Quais as circunstâncias da publicação do despacho do Ibama?
O despacho foi publicado em 25 de fevereiro em meio à cobrança de empresas e entidades representativas do setor madeireiro por uma resposta do Ibama que reafirmasse a caducidade da IN 15/2011. A Aimex e a Confloresta pediram, por meio do Ofício Conjunto n.º 1/2020, a edição de ato reforçando a caducidade em razão da IN 21/2014.
A fim de destravar as cargas apreendidas nos EUA, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, se reuniu com empresários e representantes do setor madeireiro em 6 de fevereiro, segundo revelou o jornal O Globo. Além de Bim, estiveram presentes o então diretor de Proteção Ambiental do órgão, Olivaldi Azevedo ( alvo de busca e apreensão pela Operação Akuanduba) e Joaquim Álvaro Pereira Leite, diretor do departamento de florestas do Ministério do Meio Ambiente.
Pelo setor madeireiro, teriam participado: Leandro Rymsza, diretor da Laminados de Madeiras do Pará (Lamapa); Juan Perzan, diretor Tradelink Madeiras; Aldyr Foekel, diretor da CRAS Logística Importação e Exportação; e Carlos Roberto Vergueiro Pupo, presidente da Aimex. Também estiveram presentes alguns advogados e o deputado estadual Victor Dias (PSDB-PA).
A agenda oficial de Bim não relata uma reunião com todas essas pessoas em 6 de fevereiro. E segundo a reportagem do O Globo, Ricardo Salles não participou do encontro.
Mas, “ao que tudo indica”, diz a Polícia Federal, Salles “teria se encontrado, no final da manhã” daquele dia com representantes do Confloresta, Aimex e “um diretor da Tradelink”. Além deles, também são citados pela autoridade policial Bim, Azevedo e “parlamentares”. Não há informações na agenda de Salles naquela data.
O Ofício Conjunto n.º 1/2020, no qual as empresas pediram a edição de ato reforçando a caducidade da IN 15/2011, foi protocolado naquele dia. Segundo a PF, o documento foi digitalizado e recebeu um carimbo de recebimento pela presidência do Ibama e, “embora no carimbo não constasse a data do recebimento, o referido pedido foi encaminhado pelo chefe de gabinete da presidência do Ibama em 6 de fevereiro”.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, ainda cita que, em depoimento, o servidor Hugo Leonardo Mota Ferreira, da superintendência de Apuração de Infrações Ambientais, “reforçou as graves consequências do teor do ‘despacho interpretativo’ e os indícios de possível envolvimento do atual ministro do Meio Ambiente”.
Quais as contestações da PF ao despacho do Ibama?
Além de apontar suspeitas sobre o ministro Ricardo Salles na formulação do documento alvo das investigações, a Polícia Federal questiona por três ocasiões a decretação do despacho pelo do Ibama sem considerar a nota técnica nº 2/2020, que desaconselhava a assinatura da nova norma. Esse documento foi produzido por servidores do órgão.
A decisão de Alexandre de Moraes afastou oito servidores do Ibama de seus postos. Um deles é João Pessoa Riograndense Moreira Júnior – responsável por ter assinado a nota técnica n.º 3/2020, que desconsiderou a nota técnica n.º 2 e subsidiou o despacho interpretativo.
Para a PF, “as circunstâncias e os acontecimentos que antecederam e se sucederam” à publicação do despacho demonstraram, “em tese, esforço incomum e pessoal” do presidente do Ibama, Eduardo Bim, “no sentido de atender à demanda apresentada por empresas do setor quanto à legalização das exportações já realizadas.”
A PF aponta ainda o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olímpio Ferreira Magalhães – outro alvo das investigações – como o responsável pela elaboração do despacho. E o acusa de ter removido administrativamente o servidor e testemunha Carlos Egberto Rodrigues Júnior para a área de licenciamento.
A remoção teria ocorrido, de acordo com a PF, sem prévia comunicação e “em flagrante desacordo” com o previsto na IN 5/2017 por “represália ao servidor” em “razão da sua atuação nos fatos em apuração”.
As informações sobre as conclusões da PF sobre o caso constam da decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que autorizou a operação contra Salles.
O que o MP diz sobre as regras envolvendo a exportação de madeira?
A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa) informa que as normas previstas pela IN 21/2014 não são suficientes para “atestar a legalidade da exportação”.
“Uma vez que é expedido a partir de dados fornecidos pelas próprias empresas e só indica que o transporte da mercadoria até o porto está autorizado, mas não indica se a carga em si respeita as exigências legais”, informa a Abrampa.
A associação do MP ambiental acrescenta que não houve, portanto, uma completa substituição de um mecanismo fiscalizatório pelo outro. “Como resultado, hoje a fiscalização do Ibama ocorre apenas depois de a mercadoria deixar o país. O afrouxamento do controle da exportação de madeira vem causando graves e irreversíveis danos ambientais, tendo se observado um aumento alarmante dos índices de desmatamento ilegal da floresta amazônica desde o mês de março [de 2020]”, sustenta a instituição.
O presidente do Ibama é obrigado a cumprir uma nota técnica? Especialista opina
O presidente do Ibama não era obrigado a acatar a nota técnica e deixar de publicar o despacho interpretativo. “No conflito entre os dois [presidente e quadro técnico composto por servidores], prevalece a hierarquia”, afirma o procurador Fernando Couto Garcia, da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte, que atuou no núcleo de Direito Urbanístico e Ambiental do órgão entre 2007 e 2015.
Para Garcia, a decisão de Alexandre de Moraes transmite a presunção de que, no conflito entre a presidência do Ibama e o quadro técnico, prevaleceria o entendimento dos servidores, como se o critério da experiência no órgão definisse o ato. “O critério que prevalece é o da hierarquia. Deriva da Constituição a previsão de que a administração pública é estruturada de forma hierárquica”, afirma.
O procurador também cita o Decreto n.º 200/1967, que rege a organização da administração pública federal para embasar seu argumento. A nota técnica n.º 2/2020 argumenta que o DOF Exportação serve somente para levar a mercadoria até o porto, enquanto a IN 15/2011 é a autorização propriamente dita para a exportação. Mas o Ibama refuta a ideia.
Na edição do despacho, a presidência do Ibama entendeu que a nota técnica poderia estar equivocada, “por erro ou dolo”. Embasou o argumento citando o Código Florestal e a Lei 6.938/81, que prevê a “autorização de transporte para produtos florestais” e a “licença ou renovação para importação, exportação ou reexportação de plantas vivas, partes, produtos e derivados da flora”.
Por que Alexandre de Moraes suspendeu o despacho do Ibama?
O principal argumento citado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes para suspender o despacho interpretativo do Ibama é o artigo 255 da Constituição. O artigo prevê que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”; e que cabe ao poder público o “dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O ministro do STF considera que o meio ambiente deve ser considerado “patrimônio comum de toda a humanidade para garantia de sua integração e proteção”. “Especialmente em relação às gerações futuras”, diz Moraes.
Moraes também questiona a emissão do despacho com parecer contrário de “servidores públicos experientes do órgão” e “somente após as apreensões de algumas cargas que teriam chegado aos EUA e à Europa sem documento idôneo”.
Moraes cita também a preocupação de que o despacho, “de forma retroativa”, estaria regularizando “milhares de cargas exportadas sem as respectivas licenças entre os anos de 2019 e 2020”. Ele recorre ainda ao chamado “princípio da precaução” e ação preventiva para embasar sua decisão em face “das informações extraídas dos documentos juntados e dos depoimentos prestados”.
O ministro do STF destaca ainda o depoimento de uma testemunha que não teve nome revelado e foi identificada apenas com as iniciais A. L. S.A. T. O depoente acredita que há “descaso em relação às exportações de madeira nativa” por parte da atual gestão ambiental.
A mesma testemunha também diz que a autorização da exportação apenas pelo despacho interpretativo não é adequado por entender que “a ausência de fiscalização dos documentos dos conteúdos das cargas permite uma série de fraudes relacionadas à exportação”.
Há contradições à decisão de Alexandre de Moraes? Especialista opina
A decisão do ministro Alexandre de Moraes para suspender o despacho interpretativo é classificada como “insuficientemente fundamentada” pelo procurador Fernando Couto Garcia, que tem experiência na área ambiental.
Para ele, um dos problemas é determinar a suspensão do despacho com base em um inquérito policial. “A legislação do processo penal que regula como que um processo criminal deve ser conduzido não autoriza de modo expresso a suspensão da validade de atos administrativos”, diz ele. Mas Moraes não é o primeiro magistrado a sustar um ato administrativo em um inquérito policial.
De toda a forma, além disso, Garcia contesta a fundamentação do ministro com base no artigo 225 da Constituição. Para o procurador, o fundamento do despacho era a execução da proteção ambiental “nos termos da lei aplicável”. “Ele diz coisas que não são relevantes para verificar se o despacho do presidente do Ibama está ou não de acordo com a legislação ambiental”, diz Garcia.
Para o procurador, o despacho interpretativo demonstra “razoabilidade” sobre a interpretação dos artigos 36 e 37 do Código Florestal e sobre a Lei da Liberdade Econômica, não sendo, portanto, ilegal. Garcia até cita duas ações para embasar seu argumento. Uma civil pública, que foi indeferida pela 7.ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas, e outra civil popular, que também foi indeferida pela 13.ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal. Ambas tramitam por recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
Quanto ao princípio da precaução usado por Moraes, o procurador sustenta que seria válida sua aplicação se o ministro tivesse observado o artigo 20 do Decreto Lei n.º 4.657/42, a chamada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. “Ou seja, se tivessem sido consideradas as consequências práticas da decisão. Ele simplesmente cita o princípio da prevenção e não avalia qual a consequência prática. O próprio excesso de burocracia na questão ambiental é prejudicial ao meio ambiente”, diz.
O procurador reconhece, no entanto, que o fato de interpretar o despacho como legal não significa que não houve crime. “Se há indícios de infrações criminais, pagamento de propina ou outra vantagem indevida, isso deve ser investigado”, diz Garcia.
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