A legalização das drogas não é um bom negócio para o Estado: nem tudo que reluz é ouro

O objetivo do texto de hoje é derrubar um dos grandes mitos trazidos pelos defensores da legalização das drogas: A afirmação de que a legalização das drogas é um belo negócio para o Estado, que gerará um impacto positivo nas contas públicas, inclusive custeando a prevenção e tratamento pelo abuso das substâncias.

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No artigo da semana passada, já mostramos que em relação ao tabaco e ao álcool, a conta é deficitária, eis que os custos decorrentes do uso dessas substâncias são muito superiores à correlata arrecadação de impostos. Como dito naquela oportunidade, dados de 2015 [1] mostram que em relação ao consumo de tabaco, o Brasil teve um prejuízo de R$ 56,9 bilhões/ano, sendo R$ 39,4 bilhões gastos com despesas médicas e R$ 17,5 bilhões com custos indiretos. Em contrapartida, a arrecadação com impostos da indústria do tabaco no ano foi da ordem de R$ 12,9 bilhões, gerando um saldo negativo de R$ 44 bilhões.

Porque haveria de ser diferente em relação às drogas hoje ilícitas, caso viessem a ser legalizadas? A verdade é que o fenômeno se repetiria, mas em maiores proporções. Ou seja, o rombo seria maior!

Despesas médicas e custos indiretos

Não há dúvidas de que a legalização levará ao aumento do consumo das drogas, estimulado pelo custo mais baixo, acesso mais fácil e promoção do uso (propaganda, etc.). Isso aconteceu, por exemplo, na Holanda e nos Estados Unidos [2]. O aumento do consumo impacta diretamente nos custos dele decorrentes, tais como despesas médicas e custos indiretos, mantendo a equação negativa, especialmente quando se constata, como alertado em estudo apresentado na reunião anual da American Society for Health Economics, que “o tempo médio de permanência [de pacientes internados por dependência de maconha] é duas a três vezes maior do que o experimentado pelos pacientes admitidos por álcool, cocaína ou heroína e, portanto, resultam em custo médio mais alto”[3].

Além disso, as estimativas que geralmente são feitas da arrecadação em potencial com a legalização das drogas são superestimadas e desconsideram o fato de que, com a legalização, a tendência é a queda do preço do produto, como de fato já aconteceu com a maconha, por exemplo, nos estados americanos do Colorado e Washington.

Estudo de 2010 da RAND Corporation, sobre os efeitos da legalização da maconha no orçamento do estado da Califórnia, indicou a possibilidade de queda do preço em torno de 80%, em decorrência da legalização.[4]

Cato Institute, um think tank libertário pró-legalização, estimou que a legalização da maconha nos Estados Unidos traria uma receita de US$ 8,7 bilhões por ano, em arrecadação de impostos[5]. Por outro lado, um estudo do Colorado indicou a projeção de arrecadação de US$ 65 milhões por ano em impostos sobre a maconha[6], o que, numa projeção nacional, redundaria em US$ 3,4 bilhões ao ano. Mesmo essa segunda estimativa, mais conservadora, revelou-se exacerbada. Nos seis primeiros meses de legalização da maconha, o Colorado arrecadou US$ 12 milhões, não os esperados US$ 33,5 milhões.[7]

Eventual tentativa do Estado de contrabalancear a queda do preço com o aumento dos impostos, ademais, tende a incentivar o consumo no mercado ilegal, que certamente oferecerá o produto a custo menor (sem considerar a possibilidade de que um mercado ilegal se estabeleça não exclusivamente com base no preço mais baixo, mas também em qualidades diversas das drogas[8]). Essa é uma realidade recorrente em diversos países, inclusive no Brasil, verificada, por exemplo, em relação ao contrabando de cigarros. Analisaremos esse fenômeno com mais detalhes em outro texto, mas por ora é pertinente citar estudo publicado pelo British Medical Journal, que pesquisou o que aconteceu quando várias províncias canadenses impuseram a cobrança de imposto de US$ 3 por pacote de cigarros na década de 1990. O resultado foi o estabelecimento de um mercado ilegal de cigarros não tributados, incentivado pelo contrabando. A demanda por cigarros não tributados de menor custo logo resultou em 30% de todas as vendas de cigarros que ocorreram no mercado ilegal.[9]

O argumento de suficiência da arrecadação de tributos decorrentes da legalização desconsidera também a sonegação de impostos, fenômeno recorrente. Um estudo americano estima que um a cada dez cigarros adquiridos no país em 2000 o foi com evasão do pagamento de impostos.[10] Outro levantamento americano indicou que os estados com os maiores impostos sobre o consumo de cada embalagem ou caixa de cigarros também experimentaram as maiores taxas de evasão fiscal.[11] A sonegação de impostos em produtos altamente taxados é uma realidade brasileira, gerando bilhões de prejuízo ao Estado, além de estimular outros mercados ilícitos, como a corrupção de agentes públicos dos órgãos fazendários e até mesmo do Judiciário.[12]

Como já afirmamos em textos anteriores, a experiência com as drogas lícitas tem muito a nos ensinar sobre a legalização, e os fatos acima revelam uma faceta desse fenômeno que deve ser sopesada, para que se avalie corretamente quais serão as consequências da legalização das drogas, relativamente à arrecadação de impostos e o respectivo impacto no combalido orçamento público brasileiro.

Outro aspecto que não é mencionado quando o argumento é trazido à baila é o fato de que a receita com impostos advinda da taxação das drogas não será empregada exclusivamente nas despesas de tratamento e prevenção. Com efeito, para a legalização das drogas, o Estado precisará estabelecer regulação específica, com a correlata necessidade de organização do aparato estatal para tornar efetiva a fiscalização desta regulação, o que, por óbvio implica em custos. Isso tenderá a aumentar o caráter deficitário da relação arrecadação-despesas, já demonstrada.

Equação desvantajosa para o Estado

A única conclusão possível, face ao que foi mencionado, é a de que a legalização não beneficiará o Estado ou a sociedade, mas, ao contrário, trará ganhos financeiros exclusivamente aos executivos do ramo. Os custos serão socializados e os ganhos, mantidos restritos a poucos. Não por acaso, o lobby da maconha gasta vultosas quantias de recursos para incentivar a legalização das drogas.

Por fim, é preciso deixar claro que o mercado das drogas não é a “mina de ouro” que vem sendo propagada pelos defensores da legalização. Trata-se de um mercado altamente regulado, o que implica em barreiras de entrada para novos players e tende a favorecer as grandes companhias do setor de tabaco, bebidas e alimentação, que já estão bem posicionadas na cadeia produtiva e de distribuição.

Além disso, os lucros esperados não têm se mostrado tão atrativos quanto propalado, evidenciando dificuldades para aqueles que conseguiram se inserir no negócio. A empresa Canopy Growth, canadense produtora de maconha, por exemplo, experimentou uma rápida ascensão no preço de suas ações, logo que os ativos foram lançados na Bolsa de Valores de Nova York. Alguns meses após, entretanto, a queda foi vertiginosa. Os lucros da empresa também vêm tendo seguidas quedas, ano a ano, como demonstram dados de 2018 a 2020, não obstante os executivos mantenham promessas de dias melhores.[13]

Outra gigante do mercado da cannabis, Aurora Cannabis Inc.segundo números de setembro de 2020, teve prejuízos de mais de C$ 3,3 bilhões (cerca de US$ 2,5 bilhões) em seu ano fiscal então recém-concluído, e previu vendas mais baixas do que o esperado no início de seu ano fiscal em curso, o que levou a uma queda de 10% nas ações. Scott Greiper, presidente da Viridian Capital Advisors, corrobora a percepção, afirmou que “a mania em torno da ‘legalização da maconha’ e o consequente acolhimento do mercado de ações relacionado à cannabis, que impulsionou avaliações insustentáveis, está voltando a uma abordagem baseada em fundamentos para investidores e adquirentes”.

O mercado decorrente da legalização das drogas, portanto, vendido a preço de ouro pelos seus defensores, não tem todo esse brilho. Além disso, os supostos benefícios econômicos da legalização têm diversos pontos negativos, que reafirmam uma equação desvantajosa para o Estado e para a sociedade. Nem tudo que reluz é ouro…

* Lucas Gualtieri é Procurador da República. Ex-membro auxiliar do Procurador-Geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (2018). Membro Auxiliar da Procuradoria-Geral da República na Assessoria Jurídica Criminal no Superior Tribunal de Justiça. Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público Federal em Minas Gerais. Pós-Graduado em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de Recursos Públicos (UFLA); Pós-Graduado em Direito Público (UNIDERP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais.

[1]Pinto M, Bardach A, Palacios A, Biz AN, Alcaraz A, Rodríguez B, Augustovski F, Pichon-Riviere A. Carga de Doença atribuível ao uso do tabaco no Brasil e potencial impacto do aumento de preços por meio de impostos. Documento técnico IECS N° 21. Instituto de Efectividad Clínica y Sanitaria, Buenos Aires, Argentina. Maio de 2017. Disponível em: www.iecs.org.ar/tabaco.

[2]Robert J. MacCoun;Peter Reuter. Drug War Heresies: Learning from Other Vices, Times, and Places RAND Studies in Policy Analysis. Edição do Kindle.

[3]Pacula, R. et al. (2008, June). An examination of the nature and cost of marijuana treatment episodes. Working paper presented at the American Society for Health Economics Annual Meeting, Durham, NC.

[4]Altered State? Assessing How Marijuana Legalization in California Could Influence Marijuana Consumption and Public Budgets. Beau Kilmer, Jonathan P. Caulkins, Rosalie Liccardo Pacula, Robert J. MacCoun, Peter Reuter. Disponível em: https://www.rand.org/news/press/2010/07/07.html.

[5]Jeffrey Miron and Katherine Waldock “The Budgetary Impact of Ending Drug Prohibition” (Sept. 27, 2010) Cato Institute White Paper.

[6]John Ingold. (Mar. 18, 2014). “Colorado legislature’s economists predict smaller marijuana tax haul.” Denver Post.

[7]Katie Lobosco “Colorado’s missing marijuana taxes” (Sept. 2, 2014) money.cnn.com.

[8]Já se fala, por exemplo, em “maconha gourmet”: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-13/expansao-internacional-do-pcc-abre-a-rota-da-maconha-gourmet-colombiana-no-brasil.html.

[9]Jossens, L. and Raw, M. (2000). How can cigarette smuggling be reduced? British Medical Journal, 321, 945-950.

[10] STHER, Mark. “Cigarette tax avoidance and evasion,” Journal  of Health Economics 24 (2004): 277.

[11]LaFaive, M.D. et al. (2008). Cigarette taxes and smuggling: A statistical analysis and historical review. Midland, MI: Mackinac Center for Public Policy. Disponível em: https://www.mackinac.org/archives/2008/s2008-12.pdf.

[12]Nesse sentido, são diversas as reportagens que relatam este contexto. Veja-se, por exemplo: https://veja.abril.com.br/blog/radar/a-volta-das-ex-sonegadoras-da-fumaca/https://exame.com/negocios/releases/souza-cruz-sonegou-128-milhoes-em-receitas-tributarias-do-governo-brasileiro/https://www.istoedinheiro.com.br/receita-fecha-fabrica-de-cigarro-bellavana-pela-3a-vez-por-causa-de-sonegacao/.

[13]Conforme divulgado nos seguintes links: https://www.macrotrends.net/stocks/charts/CGC/canopy-growth/gross-profit e https://www.investors.com/news/marijuana-stocks-canopy-growth-stock-tiray-uk-deal-q3-2021/.

[15]https://www.forbes.com/sites/javierhasse/2020/01/24/has-big-cannabis-lost-its-buzz/.


Confira a matéria na Gazeta do Povo

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