Biden, Israel e o novo warlord

Se alguém defende que a guerra é necessária e detém os meios e a autoridade para implementá-la, estamos diante de um warlord. Por incrível que pareça, esse título poderia ser aplicado à gestão Barack Obama. Apesar de laureado com o Nobel da Paz, ele se tornou o primeiro presidente americano a passar todos os oito anos de seu mandato com tropas em combate ativo. Foi durante seu governo que os EUA iniciaram uma terceira empreitada no Iraque (desta vez, contra o Estado Islâmico), continuaram a ofensiva no Afeganistão, apoiaram as operações na Síria e colaboraram para a derrubada de Khadafi, na Líbia. E não podemos esquecer que Joe Biden foi seu vice em ambas as gestões. Será que o novo líder da nação mais poderosa do mundo continuará a vocação bélica de seu antecessor? Poderia o recente conflito entre Israel e Palestina ser um prenúncio do que está por vir? Reflitamos.

Durante três décadas como senador, Biden apoiou diretamente intervenções e conflitos. Por três vezes à frente da Comissão de Relações Exteriores, desempenhou papel fundamental na presença americana no Afeganistão e Iraque. Como vice-presidente, defendeu abertamente os conflitos na Síria, Líbia e o acirramento das relações com a Rússia. Em março de 2020, publicou um artigo na revista Foreign Affairs, mostrando-se favorável a uma reorganização da política externa de Washington após o governo Trump. Ao contrário deste, que cogitou retirar os EUA da Organização do Tratado do Atlântico Norte, o atual presidente afirmou, no texto, que a OTAN era indispensável para a garantia da segurança nacional americana e anunciou que faria mais investimentos na aliança. Para ele, isso seria fundamental para conter as ofensas russas e a expansão chinesa.

O que mudou de Obama para Biden é que os democratas passaram a apoiar com ainda maior intensidade as bandeiras mais “progressistas”, com suas declarações politicamente corretas sobre minorias, mulheres e liberdades em geral. Neste cenário, soa mal defender conflitos. É aqui que a guerra híbrida desempenha papel fundamental. Ao mesclar estratégias de batalha convencional, irregular e política, misturando desinformação, diplomacia e lawfare (o direito como ferramenta de batalha), o conflito híbrido permite que o agressor evite a responsabilização e a retaliação. Por meio do apoio tácito a movimentos locais, os grandes players da geopolítica internacional conseguem fazer valer seus intentos nas mais diversas nações, sem chamar atenção para si mesmos.

Um dos casos mais categóricos desse tipo de atuação foram as chamadas Revoluções Coloridas. Como exemplo, podemos citar os diversos movimentos ocorridos nos anos 2000, como a Revolução Bulldozer (Iugoslávia, 2000), a Revolução Rosa (Geórgia, 2003), a Revolução Laranja (Ucrânia, 2004), e a Revolução das Tulipas (Quirguistão, 2005). O fio em comum dessas mobilizações era a troca de governos antiamericanos por líderes mais alinhados a Washington. Autores como Mark Mackinnon enxergam uma direta influência americana nessas trocas de poder, como defende em seu livro The New Cold War (“A Nova Guerra Fria”, em tradução livre do inglês).

Alguns analistas temem que o recente conflito na Palestina possa ter inaugurado uma nova era de revoluções coloridas. Recentemente, a administração Biden retomou a ajuda americana aos palestinos, que havia sido interrompida por Trump em 2018, com a liberação de US$ 235 milhões. Ainda que oficialmente os dólares sejam destinados a esforços humanitários, a mudança de tom por parte da nação mais poderosa do mundo pode ter servido como incentivo à retomada das ofensivas contra o governo israelense. Talvez tenha encorajado, inclusive, os recentes protestos contra Israel mundo afora, que infelizmente acabaram em manifestações antissemitas, com ofensivas a sinagogas e gritos de incitação à violência contra judeus, como vistos recentemente em Nova York e Berlim.

Em apenas cinco meses de nova gestão americana o clima internacional tem ficado cada vez mais tenso, desde a troca de farpas com chineses e russos ao recente aquecimento das disputas no Oriente Médio. Seria esta a aurora de um novo warlord? Deus queira que não.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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