Decreto de Ruy Barbosa, ministro da Fazenda do governo do Marechal Deodoro, criou o Montepio Civil da União, em 1890, com extravagâncias como pensionistas irmãs, netas e até sobrinhas solteiras. O servidor que não tinha parentes próximos podia deixar a pensão por testamento a “parentas por ele socorridas”. Com tanta generosidade, o fundo de previdência quebrou e deixou um rombo bilionário para a União.
Os dependentes prioritários eram a viúva, filhas solteiras e filhos menores. Em seguida, vinham as filhas viúvas, os netos menores e as netas solteiras. Depois, as filhas casadas, a mãe viúva e o pai inválido. Se não existissem filhas casadas, as irmãs solteiras ou viúvas ficavam com a pensão. Na sequência, os sobrinhos menores e sobrinhas solteiras, desde que filhas de irmãs falecidas do contribuinte.
A pensão-herança tinha um rito sumário. O contribuinte sem parentes próximos podia dispor de metade da pensão “por testamento” em favor de “parentas por ele socorridas, às quais quisesse beneficiar por sua morte”. Bastava que a beneficiada apresentasse certidão da “verba testamentária” para entrar no “gozo da pensão”.
Ruy Barbosa foi o primeiro ministra da Fazenda da República. Intelectual influente na sua época, destacou-se como jurista, político, escritor e jornalista. Abolicionista, defendeu a ilegalidade da escravatura. Ganhou fama internacional na Conferência de Haia de 1907, sobre direito internacional, onde ficou conhecido como o “Águia de Haia”. Foi deputado federal e senador por 30 anos.
Teto duplex e miséria irremediável
O montepio de Ruy Barbosa já previa o “teto duplex”. Dizia que os pensionistas podiam receber mais de uma pensão, contanto que a soma dos benefícios não excedesse os 3:600$ anuais – ou 3,6 milhões de contos-de-réis. O fundo sem fundo permitia, ainda, que o servidor privado do emprego por sentença continuasse contribuindo. Assim, a família teria a pensão inteira após a sua morte.
Nesse caso, se o servidor deixasse de contribuir, provando miséria irremediável, seria equiparado ao morto. Sua família – esposa, filhos menores, filhas solteiras ou pais inválidos – teria direito à pensão, que receberia em vida, com o desconto equivalente a um dia de salário por mês. E a pensão continuaria após a sua morte.
Aquele que estivesse cumprindo sentença por motivo estranho ao emprego, ou suspenso por abuso de autoridade, prevaricação, sem poder contribuir durante o cumprimento da pena, poderia indenizar o montepio após retornar ao emprego, com prestações correspondente ao tempo de interrupção.
Em princípio, a contribuição cessava com a morte do servidor. Mas isso não ocorria quando o contribuinte “onerava a pensão” em vida, transmitindo a obrigação aos respectivos pensionistas. Logo após a morte do contribuinte, a família tinha direito a receber a pensão imediatamente, “sem esforço de provas”.
Obrigatório e facultativo
O Montepio Civil foi criado com a contribuição obrigatória dos empregados do Ministério da Fazenda, para amparar o futuro das duas famílias após a sua morte. A partir de 1927, foi aceita a adesão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em caráter facultativo. Anos depois, ingressaram os ministros do Tribunal de contas da União (TCU) e do Tribunal Federal de Recursos. Em seguida, os juízes federais, juízes do trabalho e magistrados da Justiça Militar.
O instituto foi extinto pela Advocacia-Geral da União (AGU) em 2012 porque era altamente deficitário e custeado pelo Tesouro Nacional. O instituto foi liquidado e foram proibidas novas filiações, mas respeitado os direitos adquiridos. Sobrou para a União o pagamento das pensões ainda existentes. A despesa anual está em R$ 99 milhões. Entre os beneficiários estão 665 filhas, irmãs e netas solteiras. Em oito anos após a liquidação, as pensões custaram R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos.
Filhas solteiras, a origem
O primeiro registro de “filhas solteiras” ocorreu em 1847, no Brasil Império, quando houve a regulamentação das pensões das filhas de militares do Exército. Ficou estabelecido que as “filhas solteiras” continuariam a receber o meio soldo mesmo depois de casadas. Em 1823, o governo imperial havia concedido o benefício de meio soldo às viúvas ou órfãs de oficiais do Exército mortos nas lutas pela independência do Brasil.
Mas o princípio da “filha solteira” é anterior, remonta ao tempo do Brasil Colônia. Em setembro de 1795, foi aprovado o Plano de Montepio dos Oficiais da Armada Real Portuguesa – precursora da Marinha. Os oficiais contribuíam com um dia de soldo para garantir uma renda às viúvas, e, na falta delas, às filhas “donzelas ou viúvas”, mesmo que casassem após a concessão.
Em 1902, a República estendeu às filhas casadas o direito ao meio soldo do montepio da Marinha. Um decreto de 1946 assegurou a pensão às filhas solteiras, viúvas, casadas ou desquitadas. A Lei nº 3.765/60 unificou a pensão militar e consolidou a expressão “filhos de qualquer condição”, que beneficia filhas pensionistas sem qualquer restrição.
Os dados históricos estão registrados no Trabalho de Conclusão de Curso apresentado por Gilson Gomes de Oliveira na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás.
Confira a matéria na Gazeta do Povo
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