A bula da vacina da Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 recomenda a aplicação da segunda dose após um intervalo de, pelo menos, 21 dias (três semanas). Tanto o Brasil quanto o Reino Unido, porém, decidiram ampliar o período para três meses – e isso não parece ser necessariamente ruim, do ponto de vista do sistema imunológico.
Dados preliminares de um estudo britânico, divulgado no último dia 14 na revista Nature, comparam a resposta imunológica de pacientes que receberam a vacina anticovídica em um intervalo de 12 semanas, ou três meses, em relação àqueles que receberam em um período menor, de três semanas.
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Como resultado, os pesquisadores da Universidade de Birmingham viram que, no grupo de pacientes com maior intervalo entre as doses, o pico da produção de anticorpos contra a proteína Spike do Sars-CoV-2 – proteína usada pelo vírus para entrar na célula humana – era 3,5 vezes maior do que no outro grupo, com intervalo mais curto.
Ao todo, foram avaliadas 175 pessoas, e todas tinham 80 anos ou mais. A pesquisa ainda não foi revisada por outros pesquisadores. Outra vacina que demonstrou mais benefícios em um intervalo maior foi a do laboratório AstraZeneca/Universidade de Oxford. Os dados preliminares divulgados na revista British Medical Journal, em fevereiro, demonstram que o imunizante teve uma eficácia de 82,4% quando a segunda aplicação ocorria após um intervalo de 12 semanas ou mais. No caso de um intervalo de seis semanas, a eficácia foi de 54,9%.
A análise foi feita com dados adicionais dos ensaios clínicos da vacina, que envolveram mais de 17 mil participantes do Reino Unido, África do Sul e Brasil.
Como funciona?
A maioria das vacinas desenvolvidas para combaterem a Covid-19 precisa de um regime vacinal de duas doses. A primeira aplicação serve para dar início à resposta imunológica. Já a segunda é conhecida como “booster”, ou a dose que agirá fortalecendo as células de defesa.
Esse tipo de ação não é incomum e outras vacinas também precisam de outras aplicações. Um exemplo é o imunizante contra a difteria, tétano e coqueluche (ou tríplice bacteriana), que precisa de uma aplicação extra a cada 10 anos para relembrar o sistema imunológico do “inimigo”.
A aplicação da vacina da gripe, ou influenza, que deve ser feita todos os anos, tem uma explicação diferente: como o vírus sofre mutações anualmente, cada nova vacina é adaptada para proteger contra a variante em maior circulação naquele ano específico.
Intervalo ideal
Determinar o período ideal para este intervalo vacinal depende de diferentes fatores e a explicação de por que um maior espaçamento seria melhor pode estar na chamada “memória imunológica”.
“[Depois da primeira dose] você vai ter uma memória imunológica já montada, e quando é feita a dose de reforço, você ativa e consolida essa memória, mantendo a imunidade de longo prazo. Essas são explicações teóricas, mas os dados que temos [até agora] mostram que, sim, um intervalo maior traz uma resposta melhor”, explica João Viola, médico e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.
No caso das vacinas anticovídicas, as agências regulatórias e autoridades sanitárias de cada país seguem os períodos dos intervalos que os laboratórios e farmacêuticas testaram durante os ensaios clínicos. E mesmo esses períodos são determinados com base em testes, segundo Viola. “Sabemos que, para montar uma resposta imune efetiva, precisamos de uns 10 a 20 dias, ou uma média de 15 dias. Você coloca um pouco mais de prazo para fazer os reforços e [os pesquisadores] testam os prazos para ver qual é o melhor. É tentativa e erro”, explica o pesquisador.
Muito do conhecimento que hoje há sobre o intervalo ideal vem da experiência da vacina na vida real. “Quando, depois de um tempo, você percebe que a pessoa vacinada volta a ter a doença, é um sinal para revaciná-la. Eventualmente, novas tecnologias vão sendo desenvolvidas e novas vacinas podem melhorar isso”, cita Viola.
A vacina contra a febre amarela, por exemplo, tinha a orientação de reforço a cada 10 anos. Em 2017, porém, ao perceberem que as pessoas mantinham a proteção mesmo após esse período, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu que o imunizante tivesse dose única.
Mais pessoas vacinadas
Espaçando o intervalo das doses, mais pessoas podem receber a primeira dose, e esse é um benefício importante durante uma pandemia. No entanto, essa segunda dose não pode ser esquecida, mesmo que haja atraso na aplicação.
“Uma dose só não é suficiente para garantir a imunização, duas doses são necessárias para todas as vacinas [aplicadas no Brasil]. Então não se trata de uma dose de reforço. Uma segunda dose completa o esquema de duas doses. Jamais considere-se protegido após uma única dose”, destaca Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, em entrevista à Agência Brasil.Deixe sua opinião
Confira a matéria na Gazeta do Povo
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