CPI da Covid: utopia sanitária e a realidade que esquerda e direita preferem não ver

Por puro profissionalismo, assisti ao depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello à CPI da Covid. Sim, aquela relatada pelo impoluto Renan Calheiros e presidida por um senhor de fala mansa que parece ter caído ali de paraquedas, e que conta com intervenções pontuais de um minissenador. E o que vi me deixou pasmo. É, acho que a palavra é essa mesma: pasmo.

Depois de um longo monólogo explicando tediosamente a estrutura hierárquica do Ministério da Saúde e fazendo uma constrangedora exaltação do SUS, Pazuello se pôs a responder às perguntas de Renan Calheiros. E assim teve início um dos interrogatórios mais constrangedores a que já tive o desprazer de assistir. A tal ponto que o presidente da comissão chegou a reclamar das respostas do depoente porque elas “não eram interessantes”.

Isso foi ridículo, além de ter sido um incrível ato falho. Mas o que me deixou pasmo mesmo foi notar que, pergunta após pergunta, Pazuello expôs e expôs e expôs o gigantismo e consequente ineficiência do Estado brasileiro – e do próprio SUS que ele, não sei se num arroubo populista ou de sinceridade, celebrou como se fosse uma máquina azeitadíssima. E isso sem que ninguém apontasse o Leviatã na sala.

Portarias, memorandos, ofícios, consultas a outros ministérios e agências reguladoras, consultas aos órgãos de controle, código disso, código daquilo, manda para o jurídico, manda para a comunicação, manda para o processamento,… Em que universo uma estrutura como essa é minimamente eficiente para se lidar com uma pandemia – e ainda mais uma pandemia com contornos ideológicos tão fortes?

Vícios de origem

Daí se percebe o vício de origem da CPI da Covid. Digo, os vícios são muitos (inclusive a presença de Renan Calheiros como relator), mas esse é um dos mais evidentes: como pode uma comissão querer criminalizar a conduta dos tomadores de decisões que precisam enfrentar toda essa burocracia? E o pior: enfrentam esse monstrengo gordo e preguiçoso e sanguessuga de recursos para poderem tomar decisões no calor dos acontecimentos, lidando com uma doença nova e sem que haja consenso quanto às medidas mais eficientes?

É desse vício que brota o maior empecilho para que a CPI da Covid encontre a verdade: a imaginação. Porque é na fantasia ora otimista, ora apocalíptica que se assentam as bases para essa busca ridiculamente quixotesca por um culpado (às vezes também chamado de assassino/genocida) ou um Gestor Ultraeficiente Ó Que Orgulho (também chamado de salvador ou mito).

Repare que toda a comissão se fundamenta em hipóteses aleatórias. Se o ex-ministro 1 tivesse feito isso. Se o ex-ministro 2 tivesse tomado tal decisão na hora tal. Se o presidente não tivesse dito aqueloutro – e ainda por cima nas redes sociais. Ou seja, movidos também por primitivos instintos político-eleitorais, os senadores apelam a uma elaborada utopia sanitária para esconder a ineficiência inata do sistema do qual fazem parte.

Jóquei de Leviatã

Que a esquerda esteja fazendo seu joguinho e dando seu showzinho de hipocrisia ao atribuir crimes e culpas aos inimigos políticos e fazer vistas grossas para a natureza inepta do Estado brasileiro e para a utopia sanitária, eu até entendo. O que não entendo são os liberais (sejam eles conservadores ou não) que, cegos pela aversão a Jair Bolsonaro e também aspirantes a uma utopia sanitária, o acusam de ser um péssimo “jóquei de Leviatã”. Me desculpe, mas sou do tempo em que os liberais lutavam contra o Leviatã, não contra o pobre-diabo que ingênua (ou estupidamente) tenta controlá-lo.

O que nos traz a outra questão que a CPI da Covid tem diante de si, mas insiste em não ver: sendo o Estado brasileiro o monstro gordo, preguiçoso e meio tantã da cabeça que é, será que existe alguma possibilidade de ele conseguir enfrentar uma pandemia como a de Covid-19? Ou será que, enquanto depositarmos toda a nossa esperança no Estado, como se ele fosse uma espécie de supercloroquina, e independentemente de quem ocupe a Presidência, estaremos sujeitos a novos e novos e novos coronavírus fujões dos laboratórios chineses.

Me arrisco a dizer que, assim inchado e ruidoso e usurpador de recursos como está e é, o Estado brasileiro jamais teria sido bem-sucedido no combate a esta ou qualquer outra pandemia – se é que existem parâmetros para determinar o que é um combate bem-sucedido a uma pandemia. Até porque utopias são, por definição, irrealizáveis.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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