Ataque ao Ministério Público? Os interesses por trás da PEC que muda órgão de controle do MP

Ato de desagravo à força-tarefa de Curitiba promovido pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) durante coletiva para a impresnsa na sede do Ministério Público Federal em Curitiba - na mesa da esquerda para a direita Cláudio Franco Félix, Mauricio Guerino, José Robalinho, Deltan Dallagnol e Rodrigo Tenório

A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 5/2021 deu entrada na Câmara dos Deputados em 25 de março. No dia 4 de abril, já havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em um cenário de pandemia, em que propostas relativas à gestão da saúde e da economia têm recebido prioridade, a tramitação de um projeto dedicado a aumentar a influência do Poder Legislativo sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ganhou uma atenção especial da Casa.

“A PEC número 5 foi protocolada há um mês e já furou a fila de centenas de outras PECs. Ela aumenta a ingerência política no órgão de controle externo do Ministério Público”, disse o procurador da República Deltan Dallagnol em vídeo divulgado em suas redes sociais.

“Essa PEC desequilibra a composição do conselho para facilitar a punição de procuradores e promotores de justiça”, completou. Dallagnol, aliás, saiu em defesa do CNMP, mesmo já tendo sido punido pelo órgão em setembro de 2020.

Depois de passar pela CCJ, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), a proposta agora aguarda criação de uma comissão temporária. Dali deverá seguir para votação no plenário da Câmara em dois turnos, e então para o Senado. Procurada, a assessoria de imprensa do conselho declarou: “Neste momento, o CNMP não se manifestará sobre o assunto”. Mas, afinal, o que diz o projeto?

PEC 5 sugere quatro mudanças na Constituição

Atualmente, o conselho é composto por 14 membros, sendo oito integrantes do MP, incluindo o procurador-geral da República. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicam um membro cada, necessariamente um juiz. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) indica dois advogados. E “dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada” são apontados, um pela Câmara e outro pelo Senado.

Elaborada pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT), o texto da PEC 5 argumenta que o modelo do CNMP precisa ser repensado. “A Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional nº 35, de 30 de dezembro de 2004, instituiu o Conselho Nacional do Ministério Público — CNMP, cuja instalação oficial se deu em 21 de junho de 2005. O CNMP completa em 2020 o marco simbólico de 15 anos de efetivo funcionamento, com relevantes serviços prestados ao país e ao sistema de justiça”.

O texto prossegue: “O tempo, porém, revelou a existência de algumas deficiências na estrutura do CNMP, bem como a necessidade de se esclarecerem certos aspectos de seu funcionamento. Tais alterações visam também assegurar que o CNMP consiga ampliar a eficácia de sua atuação e, com isso, eliminar certa sensação de corporativismo e de impunidade em relação aos membros do Ministério Público que mereçam sofrer sanções administrativas por desvios de conduta”.

Com base nesses pretextos, a PEC solicita a alteração do artigo 130-A da Constituição, de quatro formas diferentes. “A representação do Ministério Público da União passa agora ser segmentada entre as carreiras do Ministério Público Federal, Ministério do Trabalho e Ministério Público Militar, contemplando-se três vagas, distribuídos entre esses ramos”, é a primeira. Assim, a vaga do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios seria suprimida e passaria a concorrer com os ministérios públicos estaduais.

A segunda é a possibilidade de indicar ministros ou juízes para formar o conselho. A terceira, e uma das mais polêmicas, sugere: “A Câmara dos Deputados e o Senado Federal terão mais um representante em vaga a ser preenchida em regime de alternância. Inicialmente, a Câmara dos Deputados indicará um representante e, na sequência, o Senado Federal exercerá essa prerrogativa”.

A quarta alteração também é expressiva: “Eliminou-se a exigência de que o Corregedor Nacional do Ministério Público seja escolhido dentre os membros da instituição, o que permitirá a eleição de membros externos para a função. Com isso, haverá inegável oxigenação nas atividades da Corregedoria Nacional, enriquecida com a experiência de quaisquer dos membros do CNMP”.

Procurados, tanto Bia Kicis, presidente da CCJ, quanto Paulo Teixeira, autor da proposta, e Silvio Costa Filho (Republicanos), relator da PEC, não deram retorno às solicitações de entrevista.

PEC da Vingança“, dizem procuradores

“É de se lastimar a tramitação meteórica da proposta, que foi apresentada há pouco mais de um mês e já foi votada pela CCJ. Não há qualquer justificativa para a urgência adotada, que impede um amplo debate da parte da sociedade”, diz Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.

“Esse açodamento mostra um casuísmo da matéria, que já foi apelidada por parte da sociedade de ‘PEC da Vingança’, diante do nítido propósito de enfraquecer o Ministério Público”.

Na avaliação de Nóbrega, a proposta é inconstitucional, “porque quebra a paridade do órgão com o Conselho Nacional de Justiça”. Mais do que isso: “A alteração proposta se dá com o intuito de aumentar a influência política sobre o Ministério Público, em detrimento do interesse público”.

Ele lembra também: “Não há instituição que tenha corregedor externo a seus quadros, inclusive a própria Câmara dos Deputados e o Senado Federal. A intenção de estabelecer um controle político sobre o MP fica mais evidente quando abre a possibilidade de o corregedor nacional não pertencer à carreira do MP”.

Para Thiago Sorrentino, professor de Direito do Ibmec-DF, a proposta mexe com os bastidores do CNMP. “Há uma tensão entre os membros das carreiras, juízes e promotores, e as demais classes que possuem assentos nesses conselhos. Por um lado, promotores se ressentem do controle externo, e, pelo outro, as demais classes buscam um controle maior da atividade do MP”.

Ainda que o CNMP tenha uma ação discreta, avalia, essa situação é antiga. E foi agravada, diz ele, “por ocasião do exame da conduta dos membros da força tarefa da operação Lava Jato”. Diante desse cenário, a urgência não ajuda a mitigar a tensão. “Os parlamentares deveriam dedicar seus esforços a pautas essenciais, como o combate à pandemia e às reformas tributária e administrativa”. A modificação proposta, prossegue, “iria desequilibrar a representação do CNMP, de modo a tornar mais políticos os julgamentos. E menos baseados na legalidade”.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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