ITA busca avaliação internacional enquanto agências brasileiras fecham portas para inovação

Há 60 anos, com o apoio da Universidade de Michigan e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, instalava-se no Brasil o primeiro curso de pós-graduação em Engenharia. Mais tarde, a instituição que abrigava tal curso tornou-se uma das mais renomadas do ensino superior público: o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). No Índice Geral de Cursos (IGC) 2019, exame realizado pelo Inep que avalia instituições com notas de 1 a 5, o ITA aparece com a pontuação máxima; no ranking geral, o instituto é o 8º colocado.

O sucesso e a aplicabilidade do trabalho do ITA na sociedade, muito acima da média das universidades brasileiras e comparável às melhores instituições de outros países, o encaminham para uma tendência inevitável: a busca de organizações fora do Brasil que sejam capazes de medir e certificar a qualidade da instituição. Em outras palavras, os quatro sistemas que avaliam hoje sua qualidade – o interno, o de inspeção da Força Aérea Brasileira (FAB), as avaliações do Inep e da Capes – são necessários, mas insuficientes para os voos de excelência a que o ITA pode e deve chegar.

Essa meta revela uma preocupação sobre como o Inep e a Capes avaliam as instituições de ensino superior brasileiras. O fato é que as agências reguladoras brasileiras têm perdido credibilidade. Órgãos como a Capes estão amarrados a regras de avaliação em vigor há pelo menos 20 anos, tidas como ultrapassadas, com exigências de qualidade fáceis de burlar, e incompatíveis com o cenário atual e as necessidades do país de ter ciência de ponta.

Interlocutores explicam por que as agências acabam reféns de interesses do setor privado e do corporativismo público. A pressão faz com que elas temam mexer no “vespeiro” e atualizar critérios de avaliação. A mais recente mudança no alto escalão da Capes, uma indicação do atual ministro Milton Ribeiro, acendeu um “alerta vermelho” sobre isso.

“Em geral, órgãos internacionais são mais técnicos e têm menor ligação direta com governos. São órgãos neutros, cujo trabalho é amplamente reconhecido”, afirma Correia. “Não adianta apenas termos uma boa avaliação própria ou nacional se não tivermos reconhecimento internacional”.

Fatores de sucesso

O instituto, ligado ao Ministério da Defesa, e especializado nas áreas de ciência e tecnologia no Setor Aeroespacial, busca outras metas, tais como ter mais qualidade do que quantidade, com relevância e impacto atestado por indicadores internacionais; ter mais pesquisas aplicadas com foco em resultados concretos e impacto na indústria e na sociedademenos pulverização mais colaboração acadêmica e com o setor produtivo; elevação de recursos privados formação de doutores para a indústriadefinição de áreas estratégicas de futuro, em iniciativas que tragam progresso econômico e social ao país.

Um comparativo internacional feito pelo ITA com base no SciVal Elsevier, plataforma que oferece acesso ao desempenho de pesquisas de 14 mil instituições de pesquisa em 230 países, aponta o instituto brasileiro com produção científica mais robusta que seus semelhantes nos Estados Unidos (AFIT), França (ISAE) e Índia (IIST).

Da perspectiva da cientometria, levantamentos revelam como o incentivo dos últimos governos para aumentar as estatísticas do ensino superior no país, isto é, uma preocupação com o aumento nos números de pós-graduados e uma busca desenfreada para publicar o maior número de artigos científicos possíveis, resulta em baixo desempenho da ciência brasileira. Ano após ano, a produção de estudos acadêmicos em escala industrial tem comprometido a qualidade das publicações, que são pouco citadas e, portanto, têm baixa visibilidade entre a comunidade acadêmica e internacional.

O aumento explosivo na quantidade de doutores – apenas em 2017, o país formou mais de 21 mil doutores – também preocupa. Especialistas apontam para uma cultura de supervalorização de títulos que desagua em dois principais problemas: a dificuldade do mercado de absorver a mão de obra – pela saturação ou por falta de estrutura frente à “qualificação excessiva” – e a “fuga de cérebros”.

O ITA foi criado com professores e modelos de ensino internacionais, com foco em aplicações tecnológicas, em 1947. Por pelo menos 20 anos, sua administração foi composta por figuras internacionais, a exemplo do professor Richard Smith (1946-1951), Joseph M. Stokes (1951-1953) e Andre Johannes Meyer (1953-1956). Seu início se deu sob forte influência do MIT e da Universidade de Michigan.

Segundo Correia, desde aquela época, acreditava-se que a presença de pessoal externo “ajudaria na implementação de mudanças que não seriam facilmente aceitas pelas escolas nacionais ligadas ao Ministério da Educação”. Além do pioneirismo, foco e colaboração internacional, com apoio de instituições de ponta, são dois dos principais fatores de sucesso do ITA, aponta o reitor.

“O ITA não desvia o foco de setores estratégicos – o aeronáutico, o de defesa e o espacial. Isso acaba ajudando a pós-graduação a ter um melhor resultado. Apesar da ampliação do ITA, isso ocorreu sempre dentro do nosso espectro, num processo de sinergia com foco em aumentar a qualidade”, explica Correia.

“Muitas universidades brasileiras acabam desviando o foco e atuando em tantas frentes, sem ter, muitas vezes, capacidade técnica para avançar nessas áreas. Há instituições que até começaram com foco, mas, ao longo do tempo, foram ampliando, criando novos campi e, de repente, uma universidade que era direcionada à área de Medicina se volta para o curso de Direito ou para a Economia, além de ter 10 campi. Isso faz com que ela acabe perdendo qualidade”.

O relacionamento com a indústria e a abertura à iniciativa privada também são fatores-chave para o sucesso da instituição – ações vistas, em geral, com desprezo por grande parte da comunidade acadêmica. Um levantamento da instituição, por exemplo, o coloca “em pé de igualdade” com o MIT e o Instituto de Tecnologia da Califórnia em termos de parcerias científicas empresariais. Houve, além disso, segundo o ITA, amplo crescimento das publicações com colaborações internacionais em projetos conjuntos nos últimos 10 anos.

“Nossa atuação é focada nas necessidades e desafios estratégicos das empresas. E boa parte do nosso crescimento na pós, em especial nos últimos 20, foi resultado de programas de parceria com empresas. Focar nas necessidades das empresas faz com que haja mais aplicabilidade na sociedade”, ressalta Correia.

As parcerias internas e externas possibilitam o investimento de recursos para o desenvolvimento das pesquisas. Somados, todos os recursos externos obtidos pelo ITA para pesquisa nos últimos quatro anos resultam em uma média de R$ 200 milhões, afirma o reitor. Além desses, R$ 150 milhões foram disponibilizados pelo MEC.

Ao contrário do que ocorre em muitas universidades, o financiamento das pesquisas do ITA é variado e sem grande dependência da Capes e do CNPq que, respectivamente, representam 25% e 36% das bolsas de mestrado e doutorado do instituto. A crítica de muitos especialistas é a de que grande parte da academia pública brasileira – chamada pejorativamente de torre de marfim – não se abre à colaboração com a iniciativa privada e internacional. Dependentes, na maior parte das vezes, exclusivamente das agências brasileiras, as universidades nem sempre conseguem desenvolver boas pesquisas pelo orçamento escasso.

O Ministério da Educação (MEC) apostou, entre 2019 e 2020, no Future-se, uma iniciativa que busca abrir as portas das universidades federais para parcerias com o setor privado proposta. O tema chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional, mas não avançou, por pressões e falta de articulação de atual gestão para a discussão da proposta.

“Brasil 5.0”

Sob articulação da ONG MicroPower, no âmbito da iniciativa “Brasil 5.0”, não apenas o ITA, mas outras instituições, como o Instituto Mauá de Tecnologia, a Faculdade de Engenharia Industrial, a Faculdade de Engenharia de Sorocaba, o Insper, a USP, a Unicamp, o Instituto Militar de Engenharia (IME), a UFRGS e a UFMG se articulam, desde março, em busca de um sistema de acreditação internacional. As instituições buscam, além disso, outras formas de desenvolver a internacionalização da academia e de melhorar a governança das entidades. Apesar de existirem iniciativas positivas da academia brasileira, poucas são reconhecidas internacionalmente, uma vez que os processos de acreditação de fora são longos e caros.

“Brasil 5.0” é um projeto de interesse nacional, suprapartidário e pro bono, sob curadoria de Francisco Soeltl, chairman e CEO da MicroPower e do Instituto MicroPower para a Transformação Digital.

“O mercado está mudando rapidamente, e se não fizermos nada, continuaremos formando alunos que não estão preparados para atender a demanda do mercado. Para tornar o Brasil um país competitivo, é preciso disso”, afirma Soeltl.

O objetivo da iniciativa é que o Brasil tenha universidades reconhecidas internacionalmente pela qualidade das pessoas que prepara. “São pessoas que vão para a sociedade atuar em suas funções e especialidades. E temos poucas escolas brasileiras reconhecidas internacionalmente. Num mundo global, isso é importante”, explica Soeltl.

Esse processo promoverá, segundo ele, a melhoria do processo interno da instituição, seja do preparo das pessoas ou da atualização dos professores e, portanto, do nível de preparo dos alunos, que saem com competências e habilidades para atuar na sociedade e gerar desenvolvimento.

O presidente da MicroPower também acredita que os atuais critérios de avaliação das instituições de ensino do país precisam ser atualizados. “Eles não estão adequados à nova realidade global. Embora tenhamos esses processos, eles precisam de ajustes. Nossa ideia é pensar em que tipos de contribuições poderíamos dar para o ajuste desses critérios, a fim de termos algo mais alinhado com os critérios de acreditação externa”, diz.

“Não queremos criar nada novo, queremos entender o que existe de melhor e propor para o que se faz no país. Queremos melhorar a qualidade do ensino e da formação das pessoas que passam pelas instituições do Brasil”, salienta o CEO da MicroPower.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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