Você está preparado para a pandemia permanente? Nem eu

Eu não aguento mais falar de pandemia. De Covid-19. De coronavírus. De peste – termo que, sabe você que me acompanha há tempos, só uso se for obrigado. Não aguento mais apontar as várias incongruências de lockdowns ou medidas restritivas ou aquela coceirinha na alma das autoridades para decidir o que abre ou fecha – chame como quiser. Não aguento mais falar em máscara. Nem usar máscara.

E, no entanto, eis-me aqui levantando essa hipótese que me parece cada vez mais próxima da realidade: a de que a pandemia será permanente. A sugestão não foi feita por mim, que não sou espírito-de-porco, e sim por Andreas Kluth, colunista da Bloomberg. Kluth reúne elementos que vão da sanha autoritária dos políticos ao descrédito na ciência, passando pelas temidas e desconhecidas “novas cepas” e a discutível eficiência das vacinas, para chegar à deprimente conclusão de que máscaras e lockdowns farão parte do nosso cotidiano. Para sempre.

“Não estou querendo ser derrotista aqui. De uma perspectiva histórica, a Covid-19 é ainda uma pandemia moderada. A varíola matou 9 em cada 10 nativos norte-americanos quando da chegada dos espanhóis, no século XVI. A Peste Negra matou quase metade da população mediterrânea ao chegar à Europa, no século VI”, tenta contemporizar ele no final do texto. Mas é tarde. Agora já estou apavorado com a possibilidade.

Há um bocado de especulação imaginativa no texto de Kluth. O que é até bom. Em se tratando de pandemia, e por mais que os hunos da vida queiram nos convencer do contrário, a imaginação se sobrepõe à experiência palpável e mensurável em que deveria se basear a ciência. E imaginação, neste caso, se traduz em medo. Em vislumbres de morte ou de uma vida necessariamente pior do que a que vivemos hoje.

Faca de dois legumes

Tenho batido muito na tecla de que as decisões até aqui tomadas pelas autoridades de todos os quilates (até mesmo pelo vereador Zé das Couves, aquele que contribuiu para aprovar uma lei que torna o uso de máscaras obrigatório) são produto muito mais da imaginação do que da análise fria de dados. E por mais que nesses anúncios funestos haja sempre uma figura de jaleco branco arrotando estatísticas.

Só a imaginação explica, por exemplo, as restrições ao horário de funcionamento do comércio ou (a minha preferida) a proibição da compra de itens não-essenciais no supermercado. E aqui me refiro tanto à imaginação dos que tomam essas decisões estapafúrdias para depois se autodenominarem “salvadores de vidas” quanto dos que obedecem, temerosos de morrerem na solidão de um hospital e, pior ainda, com falta de ar.

Mas a imaginação é uma faca de dois legumes, como diria o péssimo trocadilhista/tiozão do churrasco. E é a ela que Kluth sutilmente apela a fim de que rejeitemos esse prognóstico de uma pandemia permanente, com máscaras se tornando parte essencial da nossa indumentária e lockdowns atrapalhando nosso cotidiano ao bel, vão e vil prazer das autoridades.

Não vejo a hora

Afinal, imagine (imagine mesmo!) um mundo sem abraços nos pais ou avós, sem a happy hour com os colegas de trabalho, sem cinema lotado rindo de piada do Will Ferrell, sem megashows de bandas decadentes para velhos nostálgicos, sem perdigotos entusiasmados na mesa do bar, sem churrasco na Graciosa, sem festa de casamento, formatura, aniversário, sem carnaval, sem aquele pacote da CVC para Paris e sem aquela ida ao estádio para ver o Coxa perder com um gol contra nos acréscimos. Imaginou? Que lhe parece?

Kluth sabe que foi a manipulação do medo, por meio da imaginação, que nos trouxe até aqui. E, ao sugerir a possibilidade de uma pandemia permanente, ele está levando essa imaginação às últimas consequências, criando um cenário no qual a catástrofe é o “novo normal”. Do contrário, teremos que encontrar soluções até para dilemas éticos sobre os quais ninguém está falando. Como, por exemplo, qual o número aceitável de mortos diários para que voltemos à vida pré-vírus?

Acredito, mas é puro chute, que a manipulação da esperança, também por meio da imaginação, é que há de nos tirar dessa enrascada. O ser humano se adapta a tudo, é bem verdade, e até aqui vem mostrando que está disposto a se sacrificar em nome do coletivo. Mas desde que em algum momento, e logo, ele seja capaz de antever uma saída.

Aí é que está algo que nem Kluth nem as autoridades perceberam – ainda. Uma vez que se veja permanentemente preso à armadilha do medo, só restará ao homem comum dar um basta a isso tudo. Não vejo a hora.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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