Ives Gandra Martins: “O Supremo se transformou no maior partido de oposição”

Do auge de seus 86 anos e de uma carreira jurídica que o permitiu fazer sua primeira sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF) em 1962, o jurista Ives Gandra da Silva Martins não nega, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o desconforto e o constrangimento com boa parte das decisões tomadas pela Suprema Corte desde 2020. A ponto de considerar que, hoje, é o maior partido de oposição ao governo federal e se tornou favorável à corrupção.

Desde a decisão do STF que determinou competência concorrente dos estados e municípios em adotar medidas de combate à pandemia até a determinação da abertura da chamada CPI da Covid e a anulação dos processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gandra demonstra clara discordância dos magistrados.

“Esse [Supremo], infelizmente, perante o povo, está completamente desfigurado, apesar de ter grandes figuras dentro da Corte. É isso que me entristece e me constrange. É isso que me traz desconforto porque, para pessoas que admiro, sou obrigado a criticar aquilo que eles [ministros] estão agindo, da forma como estão agindo”, comenta.

Em pouco mais de uma hora de entrevista, Gandra, consultor jurídico dos deputados que escreveram a Constituição de 1988, deixa claro seus posicionamentos jurídicos e faz críticas ao que considera ser um ativismo judicial dos ministros do STF. Também critica o Legislativo e aconselha o presidente Jair Bolsonaro a “falar menos”. E fala sobre a próxima indicação que Bolsonaro fará à Suprema Corte. Confira esses e outros pontos na entrevista abaixo:

Dr. Ives, podemos começar falando do um dos mais recentes julgamento do Supremo. Vimos, que, por 8 a 3, o STF referendou a decisão anterior do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula na Vara Federal de Curitiba, entendendo que não é da competência da vara processar as acusações contra o ex-presidente. Recentemente, também, vimos que a 2ª Turma do STF julgou, por maioria, o ex-juiz Sérgio Moro parcial no caso do tríplex. Afinal, existe uma tendência anti-Lava Jato no STF? 

Eu tenho a impressão, nesse momento, apesar do elevado nível de conhecimento e de idoneidade moral de todos os 11 ministros do Supremo, que o Supremo se transformou no maior partido de oposição ao governo Bolsonaro. Por quê? Porque a todos os momentos em que a oposição perde qualquer votação no Congresso, corre para o Supremo. E o Supremo tem intervindo, entrado, feito intervenções no poder Legislativo e no Poder Executivo, ao meu ver, invadindo competências de atribuições de outros poderes, e faz com que, ultimamente, as decisões têm trazido enorme insegurança jurídica.

Essa decisão concreta, nós tivemos um juiz que examinou exclusivamente provas, que foi o juiz Sérgio Moro, para condenar o [ex-]presidente Lula. Não entro a discutir valores, juízo de valor, do [ex-]presidente Lula. Quero analisar exclusivamente o processo. Por estar em férias, eu li aquela sentença de 200 e poucas páginas. Uma sentença que examina exclusivamente fatos e condena a base de fatos. O argumento da incompetência do foro já fora alegado naquele momento e reiterado junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, também, decidiu não aceitar a incompetência de foro, eliminou a preliminar, afastou a preliminar, e aumentou a condenação exclusivamente à base dos fatos que lá estavam. Isso foi para o STJ. Os mesmos argumentos da incompetência de foro. E o STJ decidiu que não havia incompetência de foro e que ele foi condenado à base exclusivamente das provas que lá estavam. Isso foi para o Supremo Tribunal Federal, e o Supremo Tribunal Federal não aceitou a incompetência de foro e declarou que o presidente, evidentemente, teria que ser condenado em decorrência daquelas provas.

Eu, pessoalmente, ao ler aquilo que, legalmente, foi hackeado em relação às conversas, e num livro que escrevi com diversos constitucionalistas e penalistas, inclusive presidentes do Conselho Federal da Ordem, de Conselhos Estaduais, professores titulares de universidades de muito respeito no país, coordenado por mim e pelo presidente da Ordem de São Paulo à época, intitulado A importância do direito de Defesa [para a Democracia e a Cidadania, de 2017], fiz considerações mostrando que o [ex-]juiz Sérgio Moro tinha, efetivamente, tratado com tapete vermelho o Ministério Público. E tratado sem muita, não diria consideração, mas sem nenhum tratamento especial à advocacia. Mas, embora tenha tratado muito melhor o Ministério Público do que a advocacia, o [ex-]juiz Sérgio Moro não cerceou em nenhum momento a defesa dos advogados do [ex-]presidente Lula.

E, ao decidir sobre fatos, houve até aumento da pena de condenação por parte do TRF da 4ª Região. O que vale dizer, o Supremo, depois de ter tomado [decisão anterior], depois de 15 ministros, 15 magistrados, ministros alguns das duas Supremas Cortes de direito e a Suprema Corte constitucional, muda, agora, a jurisprudência, baseado no fato do presidente Lula ter alegado, mais uma vez, a incompetência do Foro.

E o Ministro [Edson] Fachin, que, em outros 10 casos, como mostrou o jornal Folha de São Paulo, ter considerado que o foro era normal, neste caso concreto, por ser o [ex-]presidente Lula, conhecido no Brasil e no mundo, não sei se fosse qualquer outro o condenado, se o Supremo mudaria a jurisprudência, houve mudança de jurisprudência.

Trazendo, portanto, para o povo, que não conhece o Direito, evidentemente que todos os ministros são competentes e idôneos apresentaram seus argumentos. Mas, para o povo, que não conhece, enfim, a possibilidade das interpretações mais elásticas do direito, é que o Supremo se tornou contrário à Lava Jato. Se tornou favorável à corrupção, porque o que se discutiu lá foi uma incompetência de foro que vai tornar quase todos aqueles crimes prescritos, na medida em que a condenação é feita para diversos crimes acumulados. Cada um deles com um tempo, uma pena determinada e, evidente, para cada uma dessas penas, haveria o dobro da pena.

O que vale dizer, a prescrição para recomeçar tudo de novo, com todos os depoimentos, com todas as possibilidades que a defesa tem, utilização eventual de quatro instâncias, nós corremos o risco de termos a prescrição de todos esses processos. E mais, todos aqueles que foram condenados por estarem indiretamente ligados aos escândalos da Petrobras, de terem direto ou indiretamente autorizado que aqueles que fizessem se beneficiado, como, aliás, no processo se mostra em relação ao presidente Lula, que, na campanha, o dinheiro foi utilizado para a campanha do seu partido e isto está provado dentro do processo que, efetivamente, poderão, a essa altura, alegando o mesmo, encerrar, praticamente, as suas condenações por prescrição, porque recomeçará tudo de novo através da decisão da Suprema Corte.

Em outras palavras, para o mundo, tem-se a impressão de que o poder Judiciário se tornou um poder contrário [ao combate] à corrupção no Brasil. Favorável àqueles que são contrários [ao combate] à corrupção no Brasil. Porque se fala em punição do [ex] juiz Sérgio Moro.

E que aqueles que, enfim, foram condenados por corrupção, e não estou entrando em juízo de valor, apenas dizendo o que está nos processos da condenação, podem sair livremente. Que toda a Operação da Lava Jato, que trouxe esperança ao povo brasileiro de que a corrupção no poder público seria duramente atacada, passou a ser uma espécie de “Sonhos de uma noite de verão”. O Brasil voltou a ser exatamente o que era. De tal maneira que a Suprema Corte, para o povo em geral, decidiu primeiro de uma forma e, agora, decidiu de outra forma. No mesmo caso, em função do réu, que fosse qualquer outro réu, duvido que tivesse esse tratamento. Isso trouxe uma insegurança jurídica muito grande.

E a mim, que sou um velho professor de Direito, e um grande admirador dos 11 ministros do Supremo, mesmo não conhecendo o ministro Kássio [Nunes Marques], os outros dez eu conheço perfeitamente e tenho livros publicados com sete deles, e respeito e sei que são ministros e grandes juristas, mas, para mim, é com muito desconforto que sinto que eles estão trazendo uma profunda insegurança jurídica no país. E que, a partir de agora, fora a impressão que dão ao povo, de que a corrupção não vai mais ser combatida no Brasil, porque nós temos todos esses que foram combatidos com a possibilidade de atrasarem o processo até gerar a prescrição, que, efetivamente, nós voltamos a ser o que éramos.

Vale dizer: inútil o povo ter esperança de que entraremos em um novo mundo, num mundo em que os políticos estão para servir o povo, e não a serviço do povo.

Quando o senhor fala sobre insegurança jurídica, mudança de jurisprudência, STF como poder contrário à corrupção, de oposição ao governo, me lembrou a recente entrevista que o senhor concedeu à Jovem Pan, que o senhor fala que o Supremo é mais temido do que respeitado. Também disse que existe uma corrente doutrinária no STF, o ‘consequencialismo’, que traz maior insegurança jurídica ao país. Sobre esse atual quadro que se encontra o Supremo, é reversível? Como o Supremo poderia voltar a ser mais respeitado do que temido?

Veja, o que eu tenho defendido e se perceber, em todas as minhas manifestações, é de que, de um lado, eu tenho admiração pelos ministros da Suprema Corte. São grandes juristas. Conheço muito pouco o novo ministro, o ministro Kássio, mas os outros 10 eu conheço muito bem. Tenho diversos livros com o ministro Gilmar Mendes. Ainda este ano, saiu um novo nosso, analisando um velho amigo nosso, que era o saudoso Roberto Campos, o avô do presidente do Banco Central. Sobre os escritos dele, com uma análise de alguns amigos dele, coordenados por mim e pelo Gilmar. Eu tenho livros com Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio de Mello. Não tenho com a Rosa Weber, mas, enfim, eu sempre a admirava desde o TST. O Luiz Fux é meu companheiro, confrade da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. O Fachin é meu confrade da Academia Brasileira de Letras Constitucional. Participei de bancas de doutoramento com o Alexandre de Moraes, fui advogado do Alexandre. Eu tenho uma grande admiração por todos os ministros que lá estão, mas, independente disso, eu entendo que a única forma de nós voltarmos a ter um Supremo respeitado, como na época de Moreira Alves, de Cordeiro Guerra, de Sydney Sanches, Ilmar Galvão, e eu venho sustentando no Supremo desde 1962, quando fiz minha primeira sustentação, época de Hahnemann Guimarães, Pedro Chaves, eles voltaram a ser o que eram de legisladores negativos.

E toda a minha luta, nas minhas entrevistas, é para que eles percebam que a função da harmonia e independência entre poderes está inteiramente ligado a que o Supremo tenha apenas as atribuições que estão lá na Constituição. Artigo 102 declara o que: que é o guardião da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal não é um legislador complementar, não deve atuar nos vácuos legislativos. Ele não é um presidente substituto a corrigir o que um presidente em exercício está fazendo. Ele não pode invadir atribuições, porque é apenas o guardião. O representante do povo é o poder Legislativo e o poder Executivo.

O poder Judiciário não representa o povo, representa a lei, e a lei que não faz, que é feita pelos outros dois poderes. O que vale dizer, como guardião da Constituição, que ele não fez, que foi o poder constituinte, o poder Legislativo, o poder dentro do povo, ele não pode invadir, tem que seguir as suas atribuições e respeitar as atribuições do artigo 44 a 69, do Legislativo, e 76 a 91, do presidente da República. Então, o consequencialismo jurídico pelo qual os fins justificam os meios.

Os fins justificam os meios, o consequencialismo jurídico é algo que não foi aprovado na Constituição. Na constituinte, participei de audiências públicas permanentemente em contato com o presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, e, principalmente, com o relator da Constituinte, senador Bernardo Cabral. Até hoje, temos contato quase direto. Domingo passado (11) ainda conversamos longamente sobre questões constitucionais, e que foi o relator da Constituição. Não se aceitou o consequencialismo jurídico. No que se pretendeu, é deixar os poderes harmônicos e independentes, todos eles com igual importância, mas cada um dentro de suas atribuições.

O Supremo tem invadido atribuições, por exemplo agora, em relação à CPI da Covid. “Não, é uma tradição nossa, já tínhamos feito isso”. Já, na nova linha desses novos ministros, dos sete ministros indicados pelo [ex-]presidente Lula e pela [ex-]presidente Dilma. Acontece o seguinte, artigo 21, inciso 18 da Constituição, declara o que? Declara que a promoção do combate às calamidade tem que ser do governo federal.

Recorreram estados e municípios no ano passado ao Supremo, argumentando que gostariam de ter liberdade e poder agir cada um como quisessem. E o Supremo concordou, disse: “não, é competência concorrente, etc”.

[O STF] Tirou, digamos, a possibilidade de ter um plano único capaz de auxiliar como manda a Constituição, de promover resultados. Foi a União que teve que embarcar no combate de cada estado, cada município, fez à sua maneira, e não os estados e municípios em relação a um possível plano da União.

Agora, quando o Supremo determinou que o Senado faça uma CPI da Covid, pode ocorrer que os senadores, por exemplo, que estão vinculados ao presidente da República, peçam depoimentos dos próprios ministros do Supremo no Senado para dizer por que decidiram daquela maneira, quando a Constituição dizia outra coisa.

E nós podemos ter aí um possível conflito se os ministros do Supremo e se algum senador pedir que aqueles que votaram venham explicar para os senadores por que votaram daquela forma que, efetivamente, eles venham a dizer: “não, nós não temos que dar explicação quando, na verdade, o Senado é a única Casa que pode examinar ação dos ministros da Suprema Corte”.

Quer dizer, esta invasão de competência de outros poderes por parte do poder Judiciário, da Suprema Corte, fora a insegurança e incredulidade que traz, passam a permanente tensão entre os poderes e a possibilidade de conflito entre poderes, que não foi o que o constituinte de 1988 quis. Ele, no artigo 2º, queria que houvesse harmonia e independência de poderes, cada poder agindo na sua competência, e não ser o Supremo Tribunal Federal a última instância de todos os partidos de oposição quando perdem as votações dentro do Congresso Nacional.

E o próprio debate dentro do Supremo Tribunal Federal, que antes de 2003, quando começou a nova corrente do consequencialismo jurídico, dentro do Supremo Tribunal Federal, o próprio debate deixou de ter características que eram do passado, dos debates entre Moreira Alves e Cordeiro Guerra, Oscar Correia, que eram debates muito duros, mas, ao mesmo tempo, muito respeitosos. Nós vemos, hoje, ministros se agredindo, um ministro chamando o outro de covarde.

Algo que, enfim, foge um pouco daquele perfil de dignidade que os ministros têm. Porque são grandes juristas e são pessoas idôneas. E isto, como um velho professor de 86 anos, muito mais velho que qualquer um deles. Quando fiz minha primeira sustentação no Supremo, três dos ministros atuais não tinham sequer nascido. Ministro Alexandre de Moraes, [Dias] Toffoli e o ministro Kássio. A minha tristeza neste meu fim de vida é ver que a Suprema Corte do meu país, de gente muito boa, a essa altura, é exatamente o principal fator de insegurança jurídica do país.

Dr. Ives, me permita, por gentileza, insistir. O senhor acredita na possibilidade de uma reversão? O senhor fala que fugiu ao perfil de dignidade que os ministros têm… 

O que quis dizer é o seguinte, conversando com muitos dos velhos constitucionalistas, que tenho a impressão que, de tanto bater como venho feito nessas últimas entrevistas, talvez eles voltem ao sentir que a crise política que nós estamos vivendo, que não é necessário e, de certa forma, foi aberta com esse processo do [ex-]presidente Lula, com a questão do deputado Daniel [Silveira]. E, agora, inclusive, com a continuação do [inquérito das] fake news, em que o próprio Supremo é o investigador, acusador e julgador.

E com umas decisões em que se percebem intervenção, não permitem nomeação de diretor de Polícia [Federal, quando, em 2020, Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem], dizendo o antigo presidente da República [Michel Temer] de que maneira ele poderia indultar, embora tivesse o poder absoluto de indultar quem quisesse, quem é que poderia indultar, quem é que não poderia. Tudo isso, a única forma, é continuar dizendo: que são muito bons, entende, mas tem que voltar a ser o que era o Supremo.

E é isto que tenho a impressão, com muito constrangimento, desconforto, eu tenho todas as vezes batido porque, por conhecê-los, e saber que são competentes, minha esperança é que, um dia, volte a ser como era o Supremo do passado, como era o velho Supremo, de homens como Moreira Alves, Cordeiro Guerra, Oscar Correia, Hahnemann Guimarães, [Luiz] Gallotti.

Hoje, o Supremo não tem a respeitabilidade que tinha no passado, embora tenham homens de muita respeitabilidade. Mas este ativismo judicial fez com que aquela imagem de alta respeitabilidade do Supremo do passado ficasse completamente desfigurada perante o povo.

E com essas últimas decisões, tenho visto hoje, quando converso com pessoas, elas falam sobre o Supremo ser favorável à corrupção no Brasil. E, ao tentar explicar que não é isso que eles decidiram, mas, na verdade, para o povo, com a anulação da Lava Jato, eles têm essa sensação. Se o Supremo não seguir a jurisprudência que deu para o [ex-]presidente Lula, vai dar a impressão de que o Supremo tem apenas um réu que pretende proteger e não protegeu o direito em relação a todos. Todos vão utilizar os mesmos recursos. Então, para o povo, isto ficará como a impressão de que o Supremo é favorável à corrupção e que mudou a jurisprudência por essa razão em função do réu. O que não é verdade.

Mas, quem não entende de Direito e vê o resultado, trabalha com o resultado, dizendo: “realmente, houve o crime”. Ninguém discute o crime, ninguém discute que a Petrobras foi assaltada, ninguém vai ser mais punido porque todos serão liberados, à medida em que todas aquelas condenações com a mudança de foro estarão praticamente prescritas pela lentidão que qualquer desses processos terá a partir de agora, porque tudo vai começar da estaca zero.

O senhor falou muito bem sobre o recente julgamento que determinou a instalação da CPI da Covid. Mas também tivemos a recente decisão do Supremo que decidiu que estados e municípios podem proibir cultos e missas na pandemia, reforçando decisões tomadas desde 2020 que dão mais prerrogativas a governadores e prefeitos para enfrentar a Covid-19. Meus questionamentos são: politizaram a Justiça e judicializaram a política desde a pandemia? Houve excessos cometidos pelo Supremo nessas decisões?

Veja, na minha posição de professor, acho que houve excessos. Por outro lado, o consequencialismo jurídico é uma doutrina que, hoje, se discute nas faculdades e universidades pelo qual se pode permitir o ativismo judicial. Que é o ativismo judicial, a judicialização da política ou politização do judiciário, mas o consequencialismo abrange essas duas correntes.

Toda questão que se coloca é a seguinte: A constituinte, quando aprovou a Constituição, hospedou o consequencialismo jurídico ou não? Ao admitir isso, que a constituinte tivesse admitido o consequencialismo e, portanto, toda essa atuação do Supremo seria uma atualização válida. Mas não foi o que ocorreu.

Para que não deixasse dúvida nenhuma, colocavam dispositivos para garantir as atribuições claramente definidas na Constituição. Poder Judiciário, do artigo 92 ao 126. O Poder Executivo, do artigo 76 ao 91. O Legislativo, do 44 ao 69.

Ora, todos têm atribuições definidas e para garantir, por exemplo, artigo 49 inciso 11, da Constituição, [o constituinte] declarou o seguinte: que cabe ao Poder Legislativo zelar, proteger, garantir, contra a atribuição legislativa dos outros poderes, Executivo e Judiciário. Se ele tem que zelar contra invasão de competência legislativa de outros poderes, ele tem que ter instrumentos. Ao meu ver, o instrumento seria o decreto legislativo, único colocado na Constituição para se proteger, senão, seria um dispositivo sem proteção.

Então, se ele tem o direito de se proteger, é evidente que o Poder Executivo e Judiciário não poderiam entrar, mas, mais do que isso, artigo 103, parágrafo 2º, que esse me parece o artigo definitivo, declara o seguinte: nas ações diretas a inconstitucionalidade por omissão, quando o Legislativo é obrigado a fazer e não faz, e quando a Constituição impõe a feitura da lei, cabe ao Supremo Tribunal Federal declarar a omissão inconstitucional do Congresso. Mas não fazer a lei no lugar. E o que ele tem que fazer? Ele tem que comunicar ao Congresso Nacional para o Congresso Nacional fazer a lei.

O dado mais interessante é que, quando nós estamos discutindo nos bastidores esse dispositivo com Bernardo Cabral, Sydney França e Odyr Porto, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiro, num jantar, eu tinha sugerido o seguinte: por que não pomos um prazo de seis meses para o Congresso decidir? E aí, o Judiciário poderia fazer a lei se o Congresso não fizesse. Mas eu não falei essa segunda parte porque não era o caso. Mas a minha ideia era, mas nem deu para continuar o argumento. O que eu dizia. Por que não se dá um prazo de seis meses? E o Sydney fez uma observação com o Bernardo e disse: Bernardo, a ideia do Ives não funciona. Porque, em seis meses, se não fizerem a lei, o que ocorrerá é que eu não tenho condições de mandar prender 513 deputados e 81 senadores por desacato à ordem judicial.

Então, nem deu para apresentar a segunda parte do meu pensamento porque só esse seria olha: “vamos continuar como estamos, vamos continuar dentro da linha de cada poder tem sua competência e de não invadir competência do poder Judiciário e paramos nesse argumento de que o artigo 73, parágrafo segundo, teria que ser exclusivamente como estava escrito, sem necessidade nenhuma”.

Tanto é verdade, que a própria declaração do mandado de injunção, o primeiro dos grandes julgamentos, foi do Moreira Alves [como] relator, que respeitava completamente as competências do poder legislativo. Ora, isso não foi discutido lá, então, eles não poderiam fazer agora. Se mudassem a Constituição, se dissessem que poderiam, nada mais legítimo que o Supremo fizesse o que está fazendo.

Só que o que estão fazendo não está na Constituição, embora digam que está na Constituição, adotando a corrente do consequencialismo jurídico, em que eles entendem que a norma pode ser interpretada com tal flexibilidade. Veja, por exemplo, os casos dos homossexuais. Não tenho nenhum preconceito contra os homossexuais, mas foi discutido na constituinte que casamento tem que ser entre homem e mulher. Foi discutido que não poderia ser de outra forma. Quando eles criaram a possibilidade de um casamento pelo Judiciário, e não pelo Legislativo, entre casos de pares do mesmo sexo, quando criaram essa hipótese, criaram judicialmente e não legislativamente.

Vou dar-lhe um exemplo. O tema foi abordado na mesma época pelo Conselho Constitucional da França, com uma diferença de dois meses da decisão do Supremo. O que disse o Conselho Constitucional da França, que é o Tribunal Constitucional da França: “essa não é matéria que podemos decidir. Os senhores têm que ir ao Congresso Nacional”. Eles foram e conseguiram, que é o normal. Vai se mudar a Constituição, que se mude através do poder Legislativo, e não através do poder Judiciário.

Essa invasão de competências é que me parece que fragiliza toda a segurança jurídica e faz com que, se analisarmos o Supremo de Moreira Alves e o Supremo atual, vamos verificar que aquele Supremo era respeitadíssimo, e esse, infelizmente, perante o povo, está completamente desfigurado, apesar de ter grandes figuras dentro da Corte.

É isso que me entristece e me constrange. É isso que me traz desconforto porque, para pessoas que admiro, sou obrigado a criticar aquilo que eles estão agindo, da forma como estão agindo.

Dr. Ives, só buscando aprofundar melhor a questão anterior. O consequencialismo jurídico é a politização da justiça? São a mesma coisa, é isso?

O consequencialismo jurídico, como disse no início, é uma corrente que se politiza a Justiça e se judicializa a política. No caso concreto, o que nós temos efetivamente, e isso é importante, é que o Supremo, ao dar guarida a todas as derrotas que a oposição têm no Legislativo, se transformou no principal partido de oposição. O principal, porque sabe a oposição que não precisa ganhar lá. Basta recorrer ao Supremo com um argumento que dê flexibilidade.

E no caso contrário, o que eu sinto no caso do Lula, no caso da Covid, no caso do deputado Daniel [Silveira], etc, que, num momento em que o Brasil deveria ter união total entre todos os governos municipais, estaduais e federal, para nós chegarmos a combater as duas grandes e imensas crises que temos — a crise da saúde e a crise econômica —, o Supremo, para dar proteção a todos os recursos à oposição, criou uma terceira crise, que é a crise política, que, hoje, é manchete de todos os jornais do Brasil.

E o Brasil, para poder sair das outras duas crises, teve uma crise criada pelo Supremo. Porque se o Supremo dissesse: “matéria do legislativo não tenho nada a ver, só depois de as coisas decididas, não vou interferir nunca na ação do Legislativo e Executivo”. Como fazia no passado, e como muitas vezes se recorreu na época do ministro Moreira Alves, Sydney, na época dos que eram presidentes antes de 2003, em que diziam o seguinte: “nós só decidimos o que for decidido da constitucionalidade ou inconstitucionalidade”.

“Nós [antigos ministros do STF] nunca interferimos, não fazemos regimento do Senado, como aconteceu no impeachment, não definimos se as comissões devem ou não, se é competência do presidente de colocar em pauta, não decidimos”. E não entravam no próprio processo quando se discutia o processo anterior, nunca admitiam entrada para interferir enquanto estivesse no âmbito exclusivo do poder Legislativo.

Hoje, o Brasil, que já vive duas crises enormes, está vivendo uma terceira. E na qual, quero dizer o seguinte, estamos analisando muito o papel do poder Judiciário, mas o poder Legislativo e Executivo também tem culpa, porque, basicamente, o entendimento entre os poderes, os dois poderes representativos do povo, até também não foi o ideal.

Corremos o risco, por exemplo, de termos um Orçamento aprovado que pode trazer a quebra daqueles, se não houver uma mudança constitucional, dos tetos de gastos e gerar pedalada.

Nós temos, por exemplo, o poder Legislativo concordando em manter a prisão de um deputado que deveria ser julgado exclusivamente no âmbito do legislativo, e não no âmbito do Judiciário, talvez, pelo receio de muitos deles estarem sendo, efetivamente, investigados.

Em última análise, a impressão que eu tenho é de uma crise que tem início com o poder Judiciário, essa crise que tem início com o poder Judiciário se transformou, digamos, a casa hospedeira da oposição para, nas suas derrotas, voltar a ser vitoriosa dentro da Casa legislativa.

E um diálogo difícil, ainda, entre o Legislativo, Executivo e o próprio Legislativo com o poder Judiciário, tem levado o Brasil a ser um país em que os poderes são desarmônicos e deixaram de ser independentes.

Eu, pessoalmente, declaro que o consequencialismo jurídico é uma corrente favorável ao ativismo judicial, e que pode definir como politização do Judiciário ou judicialização da política. E essa corrente doutrinária, que muitos defendem, evidentemente os ministros do Supremo, gera insegurança jurídica e não foi esta corrente hospedada na Constituinte de 1988.

Esse ativismo judicial é algo recente e se ampliou na pandemia, ou o senhor entende que é um quadro que vem de mais tempo?

Eu tenho a impressão, veja, que nós estamos vivendo o momento mais complicado, também, entre os poderes. Estamos falando muito do Poder Judiciário, mas tenho a impressão que o presidente [Jair Bolsonaro], o governo, em alguns aspectos, está indo muito bem. Acho que, por exemplo, na agropecuária, na exportação, na infraestrutura.

Agora, o presidente poderia falar menos, a primeira observação que eu faço. Porque, como houve, o presidente foi eleito pelas redes sociais e não pela imprensa, o presidente terminou fazendo muitas críticas à imprensa. E, ao fazer muitas críticas à imprensa, de certa forma, o presidente tem a Suprema Corte e a mídia contra ele. Se nós analisarmos, hoje, qualquer notícia positiva do governo não aparece. Quando aparece, de forma tão sem destaque, que pouca gente vê.

Vou te dar um exemplo. A Folha de São Paulo, quando o Brasil atingiu 300 mil mortes, apresentou na página B1, do dia 25 de março, o seguinte: “300 mil mortes, números absolutos, etc”. E lá embaixo, dois quadros. Página B1, primeiro quadro: “Países com mais mortes em relação a 100 mil habitantes”. Em primeiro lugar, República Tcheca, em segundo lugar, um país “sem importância” chamado Bélgica, em quinto lugar um país com menos importância ainda, chamado Reino Unido, e, e em oitavo lugar, um país que não tem “nenhuma tradição” histórica, chamado Itália. Em 19º lugar, o Brasil. 19º em número de mortes por 100 mil habitantes. Mas lá embaixo, com uma manchete monumental: “Atingimos mais de 300 mil mortes”. Depois, outro lado, vacinados, também uma notícia embaixo. Em primeiro lugar, Estados Unidos, 130 milhões. Em segundo lugar, China, 82 milhões. Em terceiro lugar, Reino Unido, 30 milhões. Em quarto lugar, Brasil, com 17 milhões.

Então, quer dizer, o Brasil conseguiu pôr a imprensa contra ele. Notícia boa da imprensa não aparece a favor. E todo dia, também porque ele, todo dia, faz críticas à imprensa, aliás, até foi eleito nesta base. O Supremo, a essa altura, ao colocar guarida a todo mundo à oposição, passou a ser uma espécie de partido de oposição ao presidente da República, que, enfim, continua às turras com a oposição, o Supremo e a mídia.

E o poder Legislativo, por exemplo, em relação à prisão do deputado Daniel: o Supremo não poderia ter feito aquilo. Ele fez uma mera manifestação, ele não pegou em armas, ele deu a opinião dele, que era favorável ao Ato AI-5, que tinha os 11 ministros.

Agora, jornalistas deram a opinião que o presidente Bolsonaro é um genocida, o ministro do Supremo [Celso de Mello] declarou que o Bolsonaro era semelhante ao Hitler. Quer dizer, uma manifestação que não afere ninguém. E o artigo 53, que foi redigido por José Roberto Batochio, quando era deputado federal, foi presidente do Conselho Federal da Ordem, ele pôs que senadores e deputados serão invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer manifestações. É manifestação de palavras e votos. [Daniel Silveira] não pegou em armas, não atacou ninguém, não saiu brigando, não teve uma tropa de choque. Deu a opinião dele. Ele feriu decoro parlamentar? Para mim, feriu brutalmente o decoro parlamentar. Teria que ser punido pelo Congresso, mas não pelo Supremo. Porque, na verdade, a manifestação é dele. Ele civil e penalmente na Justiça não pode ser, mas seus colegas podem ser.

Agora, por que essa expressão quaisquer [manifestações]? Porque quem tinha redigido a emenda 85 era o [ex] ministro [da Justiça] Ibrahim Abi-Ackel, e tinha colocado com a seguinte redação: os deputados e senadores serão civil e penalmente invioláveis por quaisquer opiniões a palavras de votos no exercício de suas funções. E o Zé Roberto [Batochio] chegou a ele, fui conselheiro com ele na seccional de São Paulo, ele foi presidente do Conselho Federal, era deputado federal, e disse: “ministro”.

O Abi-Ackel já não era mais ministro, mas ele me contou isso no meu programa, Anatomia do Poder. Ele disse: “ministro, no exercício das suas funções, se um deputado estiver falando com seu eleitor, de tal ou não no exercício das suas funções, vai permitir um mundo de interpretações. Um ponto aqui, é que o deputado pode dizer as maiores loucuras. Qualquer que seja a manifestação, ele representa o povo, ele não está sozinho, ele representa 10 mil, 20 mil, 50 mil, 100 mil eleitores, ele tem que ser, e nós vamos punir dentro da Câmara, se for necessário”. E ficou por quaisquer palavras, quaisquer manifestações, quaisquer que representa a eliminação de qualquer punição possível.

Daí, vem o ministro Alexandre de Moraes, um grande constitucionalista, autor [do livro] Comentários à Constituição, que está com mais de 30 edições, e já participei de banca de doutoramento com ele, já fui advogado dele, entende, o cito constantemente, já escrevi livros com ele. Eu tenho uma grande admiração pelo Alexandre, que é um jovem constitucionalista que marcou, inclusive, livre docente da Universidade de São Paulo (USP).

Mas o Alexandre coloca a Lei de Segurança Nacional (LSN) acima da Constituição, onde está “quaisquer”, diz a Lei de Segurança Nacional, não permite que se fale em Ato Institucional nº 5. Ora, se a manifestação não representa nenhum ato para a implementação do ato nº 5. Se não há nenhum atentado, enquanto for manifestação, como, por exemplo, chamar o presidente de Hitler e acharem que era normal que um ministro do Supremo o fizesse. Um jornalista disse que ele é genocida e o Supremo diz: “não, pode dizer que é genocida”.

Agora, posso xingar os presidentes da República, deputados e senadores, mas não ministro do Supremo? Sendo deputado? Jornalista pode. Criou fato perpétuo, o flagrante perpétuo. O cidadão grava um programa e daqui a dois anos, se o cidadão não tiver foro privilegiado e o juiz entender que aquilo feriu, por exemplo, a dignidade, a Segurança Nacional, pode ser preso por flagrante perpétuo. Criaram, originaram no lugar.

Isto é que me traz um profundo desconforto e, por isso, que eu bato, por ser muito mais perto, estou em fim de vida, com artrite e uma série de problemas físicos, entende, mas a esperança de que, enfim, em um determinado momento eles voltem a ser o que era o Supremo Tribunal Federal. Voltem a ter aquela imagem perante o povo que o Supremo Tribunal Federal tinha no passado, porque competência, dignidade e idoneidade eles têm, mas o ativismo jurisdicional desfigurou a Suprema Corte.

No Congresso, tanto senadores quanto deputados defendem votar projetos que possam restringir decisões monocráticas do STF. Também no Parlamento, há quem defenda a tipificação do crime de responsabilidade de ministros do Supremo Tribunal Federal que usurpam da competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, o que chamam de “ativismo judicial”. Há, também, quem defenda no Parlamento o impeachment de ministros do Supremo e até que eles sejam investigados, por meio da chamada CPI da Lava Toga. Esse é o caminho para tornar o Supremo mais respeitado do que temido?

Eu acho que, efetivamente, nós, por exemplo, a Lei do Impeachment de ministros do Supremo, é uma lei de 1950, que foi considerada recepcionada. Na prática, também vale a lei, depois foi um pouco alterada para presidente da República, mas foi utilizada em relação ao [ex-]presidente Collor. O que eu entendo é o seguinte.

Nós vamos ter nessa CPI da Covid possivelmente um problema de choque entre o Supremo Tribunal Federal e o Senado. Por quê? Os senadores da República da CPI podem entender que os ministros do Supremo devem ser chamados para esclarecer o voto em que eles alteraram o conceito do [artigo] 21 inciso 18 da Constituição.

Vou ler o dispositivo como está na Constituição. Artigo 21: Compete à União. Inciso 18: planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações. Ora, planejar e promover seria competência única da União. Quando estados e municípios recorreram ao Supremo Tribunal Federal, o governo defendeu que a competência era dele. E o Supremo decidiu que havia uma competência concorrente, e que estados e municípios poderiam fazer.

Então, cada estado e município começou a fazer seu lockdown, confinamento, não permitindo que houvesse trânsito, então, nós tivemos, evidentemente, uma inversão. O governo não teve condições de agir como mandaria a Constituição. Vão dizer: “não, mas o presidente não estava preparado para isso”. Eu não sei se estaria preparado ou não. Eu sei que o dispositivo declara que caberia à União planejar e promover, e o Supremo deu liberdade a estados e municípios para cada um fazer aquilo que achavam melhor para enfrentar a Covid naquele momento do ano passado.

Se os senadores pedirem para que ministros do Supremo compareçam ao Senado para explicar por que decidiram dessa maneira, nós já vamos ter um problema sério, porque os ministros podem dizer: “não temos que dar razões à nossa interpretação”. E isso pode agilizar a legislação para reduzir, digamos, a interferência da Suprema Corte, ou então, o que me parece mais lógico, o STF pode aceitar e dar explicação sobre o que os levou a decidir como decidiram.

A rigor, todos esses movimentos que crescem no Congresso Nacional, por exemplo, com endereço, nome, identidade, assinatura do povo, em torno de 3 milhões de assinaturas de eleitores brasileiros, pedindo impeachment de ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, é algo que nunca houve no passado. O que vale dizer: quanto mais houver ativismo judicial, mais haverá anticorpos no Legislativo e na sociedade, mais haverá legislações com tentativas de restringir [poderes do Supremo], e mais fica desfigurada a imagem da Suprema Corte perante o povo.

A minha batalha, de um velho professor e velho advogado, é tentar bater à exaustão para que o Supremo volte a ser o que eram os ministros do passado, o velho Supremo Tribunal Federal, porque a competência dos atuais ministros, eu não tenho dúvidas, não era diferente daqueles. Mas a forma de agir, sendo diferente, está desfigurando a Suprema Corte.

O presidente Bolsonaro pode apresentar em maio o nome escolhido para suceder o ministro Marco Aurélio, no STF. O ministro André Mendonça, da Advocacia-Geral da União (AGU), o ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), são bem cotados. Quer a escolha fique com um ou outro, o presidente terá feito uma boa opção? São nomes que têm o perfil e qualidades que o senhor espera?

Eu não vou personalizar a futura escolha do presidente. Em primeiro lugar, porque um dos nomes que concorre normalmente é o do meu filho. Vou dar um exemplo: o nome do meu filho também foi sugerido ao Michel Temer [em 2017] e eu sou amigo do Michel há mais de 40 anos. Na ocasião, me perguntaram se eu ia falar com o Michel e eu disse: “para não constranger um amigo, eu não vou dar uma palavra a favor do meu filho”. E eu não falei mesmo.

O Michel acabou indicando o Alexandre [de Moraes] e, depois, me mandou uma carta dizendo esperar que eu não ficasse chateado. Eu disse: “o contrário”. Uma amizade não pode ficar sujeita a uma indicação, isso não pode abalar uma amizade. O que acontece é o seguinte. Cada um decide de acordo com o que achar melhor. Ele achou que a melhor indicação era do Alexandre. E eu disse isso em uma carta para ele. Só para mostrar que eu não interferi jamais.

Em relação ao presidente Bolsonaro, eu não tenho nenhum contato. Estive uma única vez numa conversa com ele. Foi um telefonema que ele me deu para uma determinada questão. Votei no presidente Bolsonaro, mas não tive jamais nenhuma possibilidade de ter qualquer influência em qualquer decisão dele. O que eu desejo é que ele venha a escolher um bom nome para a Suprema Corte.

Agora, os três nomes que estão aí são grandes nomes. André Mendonça é um belo nome; Humberto Martins, eu tenho livros escritos com ele, talvez três ou quatro; e o meu filho, enfim, é o decano do Tribunal Superior do Trabalho, foi presidente de um tribunal com 3,5 mil juízes, 500 desembargadores, 24 tribunais regionais, 27 ministros. É ministro do TST há 21 anos, com um belíssimo conhecimento da função nos tribunais superiores.

Mas minha posição é muito clara no sentido de não dar nenhuma sugestão e, por outro lado, desejar que o presidente Bolsonaro faça uma boa escolha. Não sei quem é que ele vai escolher, mas o que eu desejo é que escolha bem.

Confira a matéria na Gazeta do Povo


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