Alternativas baratas e eficazes podem funcionar melhor que o lockdown

People wearing a face mask walk in downtown Santiago on April 16, 2021, as restrictions in the capital have been tighten to fight the spread of the novel coronavirus COVID-19. (Photo by MARTIN BERNETTI / AFP)

Desde o início da pandemia de Covid-19, a maioria dos países implementou diferentes medidas para conter os contágios, incluindo ações restritivas e com alto custo como os lockdowns. Pesquisas aprofundadas publicadas em periódicos reconhecidos indicam que a medida drástica funciona para reduzir a propagação do vírus, mas os danos causados pelo confinamento rígido são grandes.

O lado positivo é que existem alternativas menos danosas que podem ser quase tão eficazes quanto as medidas mais rígidas. Isso significa que as autoridades podem pesar as opções e analisar a relação entre benefícios e danos de cada alternativa antes de tomar uma decisão.

O termo “lockdown” tem sido usado para descrever uma ampla variedade de medidas. Mas, do ponto de vista epidemiológico, ele se refere especificamente ao fechamento quase total das atividades, com exceção do que é estritamente necessário. “Essa é uma medida extrema que, salvo raríssimas exceções, o Brasil nunca implementou. Nós tivemos medidas fortes de restrições de atividades, mas lockdown propriamente dito, vimos em raríssimos locais e em raríssimos momentos”, explica Marcelo Gomes, pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz.

O lockdown “obviamente tem impactos em outros setores do nosso cotidiano”, além da transmissão da Covid-19, diz Gomes. “É indiscutível que isso tem que ser levado em conta. Ignorar isso é ingênuo e até incorreto. Mas também é inegável o ganho que ele traz para minimizar a transmissão do vírus”, completa.

Governos têm adotado o lockdown quando a taxa de infecção pelo coronavírus está muito alta e em situações em que os riscos de colapso do sistema de saúde são grandes. “É uma medida que tem que ser usada de forma pontual”, diz Marcelo Gonçalves, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS. “Se conseguíssemos adotar as medidas de prevenção com adesão de um percentual alto da população, dificilmente precisaríamos chegar a essas situações”, avalia o especialista, citando os exemplos de locais onde a população já tem em sua cultura práticas de distanciamento e uso de máscara em casos de infecções respiratórias, como Coreia do Sul e Taiwan, que não precisaram de medidas tão restritas.

O que mostram as pesquisas

Uma pesquisa sobre a efetividade das intervenções de governos durante a primeira onda da pandemia concluiu que medidas menos prejudiciais e mais baratas podem funcionar tanto quanto as mais drásticas e intrusivas como um lockdown nacional, por exemplo. Para o estudo, publicado em novembro na Nature Human Behaviour, pesquisadores da Áustria e da França analisaram mais de 6 mil medidas implementadas por governos em 79 territórios do mundo todo e montaram um ranking das ações mais eficazes que podem ser tomadas na ausência de vacinas ou medicamentos para frear o avanço do coronavírus.

Os pesquisadores dizem que não há uma “bala de prata” para parar a disseminação da Covid-19, mas sim várias medidas decisivas que contribuem com a redução da taxa de transmissão do vírus. “As medidas mais eficazes incluem toques de recolher, lockdowns e fechamento e restrições a lugares onde as pessoas se aglomeram em pequenos ou grandes números por períodos longos”. Isso inclui o fechamento de escolas, lojas e restaurantes e ordens para trabalhar de casa.

Se tomadas juntas, essas medidas de distanciamento social e de restrição de movimento seriam “altamente eficazes”, mas causariam enormes danos colaterais à sociedade.

Como os próprios autores do estudo notam, as medidas mais radicais têm consequências ruins. Entre elas, o aumento da violência doméstica e a limitação do acesso a tratamentos de saúde. As crianças podem sofrer ainda com a interrupção do aprendizado, isolamento social, stress e até mesmo falta de nutrição adequada.

A solução para os governos seria avaliar as medidas de prevenção menos rigorosas e permitir um equilíbrio entre os benefícios e desvantagens. Segundo os autores, um pacote menor de medidas, como fechamento de fronteiras, proibição de visitas a asilos e fechamento de escolas e comércio não-essencial, pode ser tão eficiente quanto um lockdown total e ter menos impactos negativos para a sociedade.

O estudo encontrou também várias medidas de baixo custo que os governos podem implementar que funcionam muito bem, incluindo campanhas de comunicação e orientação ao público. Mensagens que encorajam pessoas a ficar em casa, manter o distanciamento social, diminuir riscos no trabalho, isolar sintomáticos e a viajar de maneira segura tiveram muito sucesso.

“Surpreendentemente, a comunicação sobre a importância do distanciamento social foi apenas marginalmente menos eficaz do que a imposição de medidas de distanciamento pela lei”. Ou seja, governos que optarem por não ordenar as restrições mais rígidas (que geralmente envolvem fiscalização por agentes da lei, multas e penalidades), mas apostarem na orientação à população, também podem ter sucesso no controle da pandemia.

Além disso, programas de auxílio financeiro e de alimentos também são altamente eficazes, não só pelo impacto sócio-econômico, como também de saúde. Por exemplo, facilitar o acesso a testes diagnósticos e permitir que as pessoas se isolem sem medo de perder renda pode ajudar a reduzir as transmissões, citam os autores.

Medidas eficazes

Uma outra pesquisa, publicada em fevereiro na Science, chegou a conclusões similares, de que medidas mais brandas, quando adotadas de forma estratégica, podem evitar a necessidade de lockdown total.

Uma equipe internacional de pesquisadores avaliou a efetividade de intervenções contra Covid-19 dos governos de 41 países (34 europeus e 7 de outros continentes) durante a primeira onda da pandemia. O estudo identificou três medidas que reduziram significativamente as infecções pelo coronavírus: limitar reuniões a um máximo de dez pessoas; fechar escolas e universidades; e fechar negócios. Ordens para a população ficar em casa quando essas medidas já estavam em vigor tiveram apenas um efeito mínimo.

Os resultados indicam que, quando medidas eficazes para controlar a pandemia são usadas, alguns países conseguem conter as transmissões mesmo sem proibir as pessoas de saírem de casa.

Os pesquisadores dividiram as medidas em três categorias, de acordo com o efeito que elas tiveram em reduzir a taxa de transmissão do vírus, o chamado “número R”: pequeno, moderado ou grande.

  • Fechar tanto escolas quanto universidades foi altamente eficaz para reduzir as transmissões do coronavírus;
  • Proibir aglomerações de mais de dez pessoas teve um grande efeito — enquanto banir as reuniões de 100 pessoas ou mais teve efeito moderado, e de 1.000 pessoas ou mais teve efeito pequeno a moderado;
  • O fechamento de negócios foi eficaz, mas fechar a maioria dos negócios não-essenciais teve um benefício só um pouco maior do que fechar apenas os negócios que apresentam alto risco, como restaurantes, bares e clubes noturnos;

“Quando essas intervenções já estavam em vigor, implementar a obrigação de ficar em casa teve apenas um efeito adicional pequeno”, dizem os autores.

Os autores listam no artigo as limitações do estudo. Entre elas, eles citam que os resultados não podem ser usados sem qualificação para prever o efeito da retirada das medidas. “Por exemplo, fechar escolas e universidades parece ter reduzido grandemente as transmissões, mas isso não significa que reabri-las necessariamente causará uma explosão de infecções”, já que as instituições podem adotar medidas de prevenção ao reabrir.

Decisão na hora certa

Os especialistas ressaltam que as medidas de restrição precisam ser mantidas por tempo suficiente para quebrar a cadeia de transmissão do vírus e reduzir ocupação nos hospitais. “Se o lockdown for menor do que o período típico de transmissibilidade, não adianta”, diz Gomes.

Uma medida de restrição que é mantida por um tempo menor do que o necessário não vai ter o impacto total que poderia ter, e ainda pode gerar a falsa impressão de que ela não funciona. “Isso tem gerado confusão e interpretações equivocadas”, explica o especialista.

Além disso, o momento de se iniciar um lockdown ou ordens de restrição menos rígidas também influencia o sucesso da ação. Quando o volume de casos já está mais alto, as restrições precisam ser mantidas por mais tempo.

Vacinação com lockdown

Esses dois estudos foram feitos quando ainda não havia vacinas contra a Covid-19, que são consideradas a melhor ferramenta para conter a pandemia. No entanto, países que já têm uma campanha de vacinação avançada, como Israel e Reino Unido, mantiveram restrições enquanto a população era imunizada.

Nesta semana, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson afirmou que a rápida queda nas mortes por Covid-19 foi resultado principalmente do lockdown que durou três meses no país e começou a ser suspenso na segunda-feira passada (12). “A maior parte do trabalho na redução da doença foi feita pelo lockdown. À medida que começamos a reabrir, o resultado será inevitavelmente mais infecções e, infelizmente, mais hospitalizações e mortes”, disse o líder do Reino Unido, onde 12,5% da população já está totalmente imunizada, enquanto mais de 47% já receberam a primeira dose da vacina.

É preciso manter medidas de proteção enquanto a população é vacinada, em primeiro lugar, porque nenhuma vacina tem eficácia de 100%. Então, enquanto o vírus está em alta circulação, mesmo pessoas vacinadas podem adoecer. Além disso, os cálculos de eficácia das vacinas foram feitos em uma realidade em que as pessoas estavam adotando medidas de proteção.

“Se tomamos a vacina e passamos a nos proteger menos do que as pessoas que não foram vacinadas, vamos diminuir o efeito protetor da vacina”, explica Marcelo Gomes.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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