A paixão invertida

O Congresso Nacional visto a partir do Palácio do Planalto.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Não há nada que os demova da ideia do impeachment. Pensam nisso noite e dia. Falam disso o tempo todo. Propagam tanto amor à democracia, mas a tratam assim, com o desprezo típico dos injustos e desonestos. A paixão deles é o impeachment. Tudo o que o presidente faz ou deixa de fazer é crime e motivo para afastamento. Não quer mostrar o teste de Covid? Impeachment. Improbidade administrativa, abuso de poder, falta de decoro. Impeachment. Crimes contra a soberania, a existência da União, incitação a conflitos entre os três poderes. Impeachment. Crimes ambientais, contra a saúde pública… Na paixão cega, surge todo e qualquer motivo para afastar o presidente.

Seguem de mãos dadas, com sorrisos matreiros, a oposição, o STF e boa parte da imprensa. Já podem ver a CPI. O Supremo mandou instalar. O Supremo manda, ou, se quiser, não manda. Em 2016, o então presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, não quis nem saber da CPI da UNE para investigar suposto uso irregular de dinheiro público pela União Nacional dos Estudantes. Era assunto para a própria Câmara dos Deputados resolver… Ato de natureza interna corporis. É tão bom assim, as leis como nós quisermos, a Lei de Segurança Nacional, a Constituição todinha, sempre a favor dos nossos interesses, até da nossa paixonite.

CPI é permitida, não é missa, culto religioso. Pois que investigue decentemente, que investigue tudo

Há um desejo, há um fetiche, e nada mais importa. Vem aí uma Comissão Parlamentar de Inquérito movida pela paixão invertida por um criminoso apenas aguardando condenação oficial. Esse que, em telefonema gravado, não fala de como barrar a CPI ou de impedir investigações sobre ele. Esse que, na gravação, apela apenas para que as investigações sobre possíveis omissões no combate à Covid sejam amplas, sejam estendidas a governos estaduais e municipais. E ele não está certo? Por todo o Brasil, estão sendo apuradas compras e contratações de serviços feitas durante o combate à Covid. São centenas de procedimentos que podem gerar processos criminais.

Teve a farra dos hospitais de campanha, que abriram e fecharam quase no tempo de uma paixão. Com dispensa de licitação, foram comprados máscaras, aventais, luvas, equipamentos e materiais variados, tudo caríssimo. Respiradores que não serviam para pacientes de Covid, que não funcionavam. Respiradores comprados em loja de vinho, comprados de uma empresa de um estudante de apenas 19 anos… Já faz um ano que o então ministro da Justiça, Sergio Moro, divulgou que tinha determinado à Polícia Federal a abertura de investigações “para apurar de forma implacável qualquer desvio de verba federal destinada ao combate do novo coronavírus, em qualquer lugar que isso ocorra”.

Polícia Federal, Ministério Público, Controladoria-Geral da União, sempre é tempo deles. Sobre uma CPI, o que dizer? Algumas deram resultado, é verdade, mas há sempre politicagem, politicalha, politiquice. E gastaremos o tempo e o dinheiro que não temos nisso. CPI é permitida, não é missa, culto religioso. Pois que investigue decentemente, que investigue tudo. E estejamos preparados para o espetáculo de um sentimento terrível: a paixão desvairada pelo dinheiro e pelo poder.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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