A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu nesta segunda-feira (12) vários trechos dos decretos do governo que flexibilizavam o acesso a armas. Promessas de campanha de Bolsonaro, os decretos 10.627, 10.628, 10.629 e 10.630 entram em vigor nesta terça-feira (13), porém, agora com vários pontos suspensos pela ministra em caráter liminar. A decisão vale até que a questão seja discutida pelo plenário da Corte.
As mudanças promovidas por Bolsonaro em fevereiro elevaram o número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo (subiu de quatro para seis unidades), permitiram o porte nacional de armas e também abriram a possibilidade de substituição do laudo de capacidade técnica – exigido por lei – por um “atestado de habitualidade” emitido por clubes de tiro.
Em decisão, Rosa afirmou que deferiu a liminar “para conferir segurança jurídica às relações disciplinadas pelo Estatuto do Desarmamento e reguladas pelos decretos presidenciais questionados, em face da relevância da matéria e das repercussões sociais decorrentes da implementação executiva de tais atos normativos”.
Em relação à norma que ampliou o número máximo de armas permitido para agentes de segurança (que subiu de seis para oito), Rosa afirmou que o decreto de Bolsonaro leva a uma “inversão do ônus da prova” na medida em que a aquisição das armas é condicionada a “efetiva necessidade”.
“Efetiva é a circunstância realmente presente, concreta, atual. Não se pode, por meio de ato normativo subalterno, ressignificar o conteúdo jurídico dessa expressão normativa para torná-la sinônimo de algo suposto, hipotético, aparente, ficto”, afirmou a ministra. “Além disso, os militares e agentes de segurança pública já utilizam as armas fornecidas pela própria instituição não havendo motivo razoável para adquirirem, além das armas funcionais, também um arsenal de até oito armas pessoais, inclusive de repetição. Tudo isso sem qualquer comprovação sobre os motivos da aquisição ou as finalidades para as quais serão utilizadas”.
Rosa também frisou que a mudança tornaria a atuação de controle de armas pela Polícia Federal em ‘uma simples competência homologatória’.
“Os agentes policiais e militares, entre outros agentes de segurança, exercem atividades funcionais que, muitas vezes, exigem o porte simultâneo de várias armas. Essa necessidade resulta da própria dinâmica das operações e dos desafios inerentes às suas funções”, afirmou a ministra. “O cidadão comum no entanto, somente em caráter excepcional e no exercício do direito de legítima defesa pode se valer de arma de fogo para defender a própria vida ou o patrimônio. Parece-me irrazoável e desproporcional conferir a pessoas comuns, acaso sem treinamento adequado, a faculdade de portar armas em quantidade equiparável àquela utilizada por militares ou policiais em suas atividades funcionais”.
O Planalto argumentou que as mudanças foram pensadas para “desburocratizar procedimentos” e evitar “entraves desnecessários” à prática do tiro desportivo. “Para se conseguir comprar uma arma de fogo é necessário ‘investir tempo e dinheiro’, sendo que levam meses até se conseguir todos os registros e autorizações necessários”, escreveu a Secretaria-Geral da Presidência, em ofício enviado ao Supremo pela AGU.
No mês passado, o procurador-geral da República Augusto Aras propôs uma audiência pública no Supremo para discutir o tema. “Presta-se, pois, a dois propósitos: primeiro, subsidiar a Corte com informações técnicas sobre as questões em análise; e segundo propiciar que tais informações sejam exaustivamente debatidas e questionadas pelos atores participantes das audiências”, argumentou Aras.
O que determinam os decretos
Decreto nº 10.627
Exclusão de uma série de itens da lista de Produtos Controlados pelo Exército (PCE); permissão para a prática de tiro recreativo de natureza não esportiva, com arma do clube ou do instrutor.
Decreto nº 10.628
Aumento do número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo de quatro para seis unidades.
Decreto nº 10.629
Possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica – exigido pela legislação para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) – por um ‘atestado de habitualidade’ emitido por clubes ou entidades de tiro; autorização para CACs comprovarem aptidão psicológica com laudo fornecido por qualquer psicólogo com registro ativo em Conselho Regional de Psicologia, sem exigência de credenciamento pela Polícia Federal.
Decreto nº 10.630
Permissão para o porte de duas armas simultaneamente; porte passa a ter validade nacional.
Decisão de Rosa Weber
A partir da decisão da ministra, estão suspensos os trechos dos decretos que determinavam:
a) afastamento do controle exercido pelo Comando do Exército sobre “projéteis de munição para armas de porte ou portáteis, até o calibre máximo de 12,7 mm”, das “máquinas e prensas (…) para recarga de munições”, das “miras optrônicas, holográficas ou reflexivas” e das “miras telescópicas”;
b) autorização para a prática de tiro recreativo em entidades e clubes de tiro, independentemente de prévio registro dos praticantes;
c) possibilidade de aquisição de até 06 armas de fogo de uso permitido por civis e 08 armas por agentes estatais com simples declaração de necessidade, revestida de presunção de veracidade;
d) comprovação pelos CACs da capacidade técnica para o manuseio de armas de fogo por laudo de instrutor de tiro desportivo;
e) comprovação pelos CACs da aptidão psicológica para aquisição de arma de fogo, mediante laudo fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia, dispensado o credenciamento na Polícia Federal;
f) dispensa de prévia autorização do Comando do Exército para que os CACs possam adquirir armas de fogo;
g) aumento do limite máximo de munições que podem ser adquiridas, anualmente, pelos CACs;
h) possibilidade do Comando do Exército autorizar a aquisição pelos CACs de munições em número superior aos limites pré-estabelecidos;
i) aquisição de munições por entidades e escolas de tiro em quantidade ilimitada;
j) prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 (quatorze) anos de idade completos;
k) validade do porte de armas para todo território nacional;
l) porte de trânsito dos CACs para armas de fogo municiadas; e
m) porte simultâneo de até duas armas de fogo por cidadãos.
“(…) Defiro em parte os pedidos de medida cautelar, ad referendum do Plenário desta Corte, para suspender os efeitos dos seguintes preceitos normativos impugnados:
(a) dos incisos I, II, VI e VII do § 3º do art. 2º do Regulamento de Produtos Controlados (Decreto nº 10.030/2019), incluídos pelo Decreto nº 10.627/2021;
(b) do § 1º do art. 7º do Decreto nº 10.030/2019 (incluído pelo Decreto nº 10.627/2021);
(c) do §§ 8º e 8º-A do art. 3º Decreto nº 9.845/2019, incluído pelo Decreto nº 10.628/2021;
(d) da expressão normativa ‘quando as quantidades excederem os limites estabelecidos nos incisos I e II do caput’, inscrita no inciso II do § 5º do art. 3º do Decreto nº 9.846/2021, na redação dada pelo Decreto nº 10.629/2021;
(e) dos incisos I e II do § 1º e do § 4º, caput e incisos I e II todos do art. 4º do Decreto nº 9.846/2021, na redação dada pelo Decreto nº 10.629/2019;
(f) da expressão ‘por instrutor de tiro desportivo’ inscrita no inciso V do § 2º do art. 3º do Decreto nº 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto nº 10.629/2021) e ‘fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia’ do inciso VI do § 2º do art. 3º do Decreto nº 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto nº 10.629/2021);
(g) do art. 3º, § 2º, VI, do Decreto nº 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto nº 10.629/2021), restabelecendo-se, em consequência, a vigência do § 2º do art. 30 do Decreto nº 5.123/2004;
(h) do § 2º do art. 4º e do § 3º do art. 5º do Decreto nº 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto nº 10.629/2021);
(i) da expressão normativa ‘em todo o território nacional’ prevista no caput do art. 17 do Decreto nº 9.847/2019 (na redação dada pelo Decreto nº 10.630/2021), fixando a exegese no sentido de que o âmbito espacial de validade do porte de arma de uso permitido concedido pela Polícia Federal deverá corresponder à amplitude do território (municipal, estadual ou nacional) onde se mostre presente a efetiva necessidade exigida pelo Estatuto, devendo o órgão competente fazer constar essa indicação no respectivo documento.”
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