A Gazeta do Povo lançou o e-book Dossiê 2022, para que os nossos leitores tenham à mão todas as informações necessárias para acompanhar o xadrez político das próximas eleições presidenciais. A partir de perguntas formuladas por jornalistas, especialistas das mais diversas áreas dizem quais são fatores que vão influenciar o voto do brasileiro e como eles acreditam que serão as eleições. Este conteúdo é uma parte do e-book, que você pode baixar gratuitamente, na íntegra, ao fim do texto.
Quais reformas você considera que são prioridade para o Brasil e qual a viabilidade de elas ocorrerem nos próximos dois anos?
PEDRO MENEZES, editor e fundador do instituto Mercado Popular, se dedica ao estudo de políticas públicas e é colunista na Gazeta do Povo.
Sem dúvidas, hoje a reforma mais importante é a tributária. A pior nota do Brasil no Doing Business, relatório do Banco Mundial sobre facilidade de fazer negócios, é a do sistema tributário. Porém, o governo ainda não tem um texto consolidado e bem aceito no Congresso. O que já foi apresentado é pouco ambicioso e sofreu diversas críticas justas. Outras ideias cogitadas por Guedes, como recriação da CPMF e tributação do Pix, são altamente impopulares. Já existe na sociedade um sentimento de urgência em torno do tema, mas a aprovação até 2022 depende de um debate avançado ainda em 2021, ano pré-eleitoral. A melhor alternativa para o governo no momento seria aderir à PEC 45, que já tramita desde 2019 e é debatida na sociedade civil há décadas.
Outra reforma muito importante é a abertura comercial. Não necessariamente pelos efeitos diretos e imediatos, mas principalmente pelas consequências dinâmicas, relativas à economia política: quando o empresariado enfrenta uma concorrência mais acirrada, ele é incentivado a buscar ganhos de produtividade ao invés de fazer lobby em Brasília. Para que a abertura ocorra, é importante que Bolsonaro se recuse a recriar o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O finado MDIC foi a mais importante trincheira dos protecionistas em Brasília por muitas décadas. Não por acaso, o Centrão deseja assumir a pasta caso seja ela recriada. A negociação com empresários tende a ser dura, com disputas políticas de peso. Antes de avançar em acordos comerciais, também é preciso melhorar a imagem do Brasil no exterior, para evitar conflitos como os que já ocorrem em torno do acordo com a União Europeia.
GIL CASTELLO BRANCO, economista, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, que reúne pessoas físicas e jurídicas interessadas em contribuir no debate sobre orçamento público
A economia brasileira está na UTI. Há 8 anos, o Brasil já começa o ano no vermelho. A relação dívida/PIB, que era de 51,8% em 2010, chegou a 89,3% no fim de 2020. Em 2024, atingirá 100,90% conforme previsões da Instituição Fiscal Independente (IFI). O resultado primário deverá ser negativo até, pelo menos, 2030. Em cenário otimista, o Brasil voltaria a equilibrar as suas contas a partir de 2026.
Na minha opinião, dentre as propostas cogitadas (propostas de emenda constitucional e reformas via projetos de lei), a mais urgente é a PEC Emergencial. Esta PEC cria “gatilhos” para a redução das despesas obrigatórias quando a economia estiver em crise, o que está acontecendo. 2021 será o terceiro ano consecutivo em que a União precisa endividar-se para pagar despesas de custeio (o que fere a chamada Regra de Ouro). Essa situação de emitir dívida para pagar inclusive salários e previdência vem sendo autorizada excepcionalmente pelo Congresso Nacional, conforme prevê a Constituição. A PEC Emergencial (186/2019) determina que, quando a Despesa Corrente atingir a 95% da Receita Líquida Corrente (o que já ocorre), o governo poderá suspender a concessão de benefícios tributários, a criação de novas despesas correntes e, até, reduzir os salários de servidores com a diminuição simultânea da jornada de trabalho. A PEC tem efeitos colaterais, mas é necessária para tirar a economia da UTI. Os recursos que seriam economizados em 10 anos após a reforma da previdência foram consumidos em apenas um ano para o enfrentamento ao Covid-19. A demora do encaminhamento das reformas ao Congresso, a pandemia e o ano eleitoral, impediram até agora a aprovação das reformas e das PECs, o que causa instabilidade entre os agentes econômicos que tem dúvidas se o governo irá trilhar o caminho da austeridade e da responsabilidade fiscal ou se adotará medidas populistas com vistas à reeleição. Ao mesmo tempo, não há unicidade de pensamentos. A equipe econômica é liberal, mas o presidente da República, não. Paradoxalmente, os liberais da escola de Chicago foram responsáveis pela maior injeção de recursos públicos feita na economia brasileira em curto espaço de tempo.
THIAGO DE ARAGÃO, diretor de estratégia da Arko Advice. Assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Para mim, a reforma mais importante que precisa ocorrer no Brasil não vai ocorrer nos próximos dois anos e nem nos próximos muitos anos, que é a reforma política. Agora, dentro das possibilidades, a gente tem a reforma tributária e a reforma administrativa, e eu vejo a possibilidade razoável de que elas sejam aprovadas até o final do ano. Quando entrar no ano que vem, começa a ter um grau de dificuldade, por conta das eleições, e aí diminui um pouco as chances de aprovação. Para ser aprovado este ano, no entanto, eu vejo que depende mais do Executivo do que do Legislativo. O Legislativo está pronto para buscar a aprovação das reformas, desde que o Executivo o trate como um sócio na construção das reformas e não simplesmente um validador ou um carimbador do que vier do Executivo.
JOSUÉ PELLEGRINI, mestre e doutor em economia pela Universidade de São Paulo. É diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal.
Entendo que há três reformas importantes que precisam ser feitas. A fiscal [contemplada no texto original da PEC Emergencial], a tributária e a administrativa. A reforma da Previdência foi feita, mas podemos precisar voltar ao assunto em um prazo mais curto do que se poderia esperar. Ela foi insuficiente e o gasto previdenciário continua muito alto, tanto com os servidores da União quanto com os dos estados e municípios.
O que eu creio como reforma fiscal? A mais urgente de todas: nosso problema principal é o grave desequilíbrio fiscal, que tem elevado a dívida pública continuamente e pode causar um sério problema de financiamento do Estado. A reforma fiscal seria a introdução de instrumentos para possibilitar o controle das despesas obrigatórias, que estão próximas de 95% do total das despesas.
Não dá mais para controlar, fazer ajuste, apenas em cima de despesa discricionária. O ajuste tem de se voltar para a despesa obrigatória. Inevitavelmente, essa reforma fiscal recai muito sobre controle de despesas de pessoal. Outra solução é dividir um pouco mais o ônus dos gastos, que recai muito mais sobre o Executivo, com os outros poderes.
A reforma administrativa e a tributária são extremamente importantes também. Principalmente a tributária, para tornar o país mais eficiente, melhorar a produtividade e elevar o crescimento econômico. A reforma administrativa pode até contribuir com a questão fiscal, se recair sobre os atuais servidores. Se ficar apenas nos novos servidores, que ainda serão contratados, não terá muito efeito nesse sentido. Independentemente disso, ela é muito importante para melhorar a qualidade do serviço público prestado.
É preciso tomar providências importantes nessa área, como tornar possível a demissão por mau desempenho, reduzir o atual número de carreiras para algumas básicas e alongar as carreiras – os servidores atuais chegam ao topo muito rápido. A reforma administrativa também pode ter uma contribuição fiscal em termos de controle de todos os benefícios que existem além dos salários. E mais nos estados. Aliás, é indispensável que os estados sejam incluídos nessas reformas, que eles não sejam excluídos como foram da reforma da Previdência no âmbito federal.
Com relação à reforma tributária, ela é absolutamente indispensável. É preciso tirar a complexidade da atual tributação indireta, substituindo-a por um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) clássico, que seja simples, aplicável em todo território nacional. O que reduziria todo o conjunto de atuais distorções, que tornam a economia muito mais ineficiente. Um IVA clássico tornaria possível isentar exportações e investimentos e concentrar a tributação sobre consumo. Também pode avançar sobre a renda, para torná-la mais progressiva. Só elevar a alíquota de imposto de renda seria cobrar mais dos mesmos. É preciso incluir novas faixas, para mirar nas faixas mais altas de renda, que atualmente pagam muito pouco, por conta da isenção dos dividendos, dos regimes especiais que existem sobre tributação do lucro sobre pessoa jurídica, que muitas vezes são pessoas jurídicas que disfarçam uma situação de trabalho mesmo. Além também da redução do benefício tributário. Seriam medidas importantes para reduzir a regressividade do nosso sistema tributário.
A questão central, novamente, é a reforma fiscal. Não pode ocorrer de a reforma tributária atrapalhar a reforma fiscal. Porque existe um risco, por exemplo, de haver uma briga federativa pelo IVA. Isso teria uma importante consequência fiscal. Hoje o principal desequilíbrio recai sobre a União, que assumiu muitos custos de outras esferas de governo. Assumiu todo custo, por exemplo, de mitigação da crise (de enfrentamento da Covid-19). Seria muito ruim se a reforma reduzisse o papel de arrecadação do governo federal.
Se há mesmo esse risco, talvez fosse o caso de concentrarmos a energia para fazer primeiro a reforma fiscal. Com ela mais encaminhada, com adoção de medidas, aí sim avançamos para a questão tributária. A administrativa até poderia ocorrer simultaneamente. Mas aí é preciso avaliar se é possível atuar em tantas frentes ao mesmo tempo.
Tem uma questão de planejamento, de timing. Se é que isso é possível de planejar, dado que há toda uma dinâmica política que acaba se impondo.
FERNANDO JASPER, editor de Economia da Gazeta do Povo. Cobriu áreas como indústria automotiva, setor elétrico, macroeconomia e Previdência Social. Conquistou o prêmio Longevidade de Jornalismo Bradesco Seguros (2014) e foi finalista dos prêmios Imprensa Embratel (2007), CNH Industrial (2014) e Sistema Fiep (2014 e 2016).
No campo econômico, as reformas tributária (para simplificar o sistema de impostos) e administrativa (para mudar as regras do serviço público) são prioritárias. A primeira está em debate há três décadas e enfrenta os obstáculos de sempre: a oposição de setores que hoje pagam pouco imposto e de estados e municípios que possam perder arrecadação. Difícil acreditar em reforma digna desse nome nos próximos dois anos, o que significa que declarar e pagar tributos continuará sendo um pesadelo.
Com os novos presidentes da Câmara e do Senado, o que parece mais provável é a aprovação de uma obsessão de Guedes: a desoneração da folha de pagamento, a ser compensada por um imposto sobre transações à la CPMF.
A reforma administrativa é mais viável que a tributária, mas só porque é branda. Os servidores federais ativos e inativos representam 1% da população, mas recebem pouco mais de 20% do orçamento da União, e isso não mudará tão cedo mesmo com a reforma. A proposta de emenda à Constituição (PEC) enviada pelo governo praticamente não atinge os atuais servidores – apenas a avaliação de desempenho, se aprovada, deve afetá-los para valer – e dependerá da aprovação posterior de leis ordinárias e complementares para regulamentar os novos dispositivos, o que retardará ainda mais os seus efeitos. A própria avaliação de desempenho, incluída na Constituição por emenda em 1998, aguarda regulamentação há mais de 20 anos.
JULIA TAVARES, associada do IEE desde 2015, é advogada e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela PUCRS. Participou do curso em Leadership for Young Leaders da Foundation Friederich – Naumann na Alemanha e do curso Atlas Think Tank Leadership Training- Atlas Network em NYC. Foi diretora de eventos e vice-presidente do IEE na gestão 2019-2020.
Teremos dois anos muito desafiadores no Brasil. Temos uma situação fiscal extremamente complicada, além de desafios na saúde, e na parte social, com o desemprego e a falta de renda para a população. Dessa forma, elencaria como essenciais as reformas administrativa e tributária, além das privatizações.
Acredito que a reforma administrativa é a com maior viabilidade de acontecer a curto prazo, visto a necessidade urgente de redução da máquina pública e a liberação de espaço no orçamento federal. Já a reforma tributária, entendo como um pouco mais complexa devido aos milhares grupos de interesses e da disputa por recursos entre estados e a união. Por fim, as privatizações, essas eu acredito que estão cada vez mais distantes, já que não me parecem ser prioridades do Governo Federal, nem as reais intenções do Presidente da República.
RODRIGO SARAIVA MARINHO, advogado, Professor de Direito, Mestre em Direito Constitucional pela UNIFOR, membro do Conselho Editorial da Revista Mises, presidente do Instituto Liberal do Nordeste, membro do Conselho de Administração do Instituto Mises Brasil e diretor de operações da Rede Liberdade.
As reformas que estão hoje no Senado Federal como a PEC da Desindexação, do Pacto Federativo e o Marco Legal de Startups são absolutamente necessárias ao país. Além dessas reformas, é necessário que a Câmara dos Deputados aprove a prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado, a reforma administrativa, a reforma tributária e comece a se fazer efetivamente as privatizações no Brasil.
FLAVIO QUINTELA, bacharel em Engenharia Elétrica e atua como empresário no ramo de suprimentos médico-odontológicos. É também escritor, autor de dois best-sellers – Mentiram e Muito para Mim, e Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento – e colunista da Gazeta do Povo. Mora nos Estados Unidos desde 2014.
As reformas essenciais para destravar o Brasil, para tirar o país da crise política eterna e da estagnação econômica são a reforma política e a tributária. A política, para dar algum nível de frescor ao sistema brasileiro, precisaria incluir a adoção do voto distrital. A tributária, para ter um efeito prático na economia do país, precisaria simplificar tributos e baixar a carga total, em vez de apenas trocar nomes de impostos e realocar alíquotas de um lado para o outro. Em ambos os casos, considero que a viabilidade de ocorrerem nos próximos dois anos seja próxima de zero.
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