Há no vocabulário do esquerdista brasileiro uma série de expressões que não constam em Marx, muito embora o esquerdista jure de pés juntos ser um marxista. Uma delas é a do campeão nacional, que anda de mãos dadas com a imagem do PT moderado. Lula se elegeu com o empresário José de Alencar como vice, e agora as Carolinas já enxergam Luiza Trajano, do Magazine Luiza, a nova vice. Ela seria o José de Alencar 2.0 que nos levaria de volta para o começo do milênio, um Eldorado que poderia melhorar apenas se introduzíssemos racismo negro e sexismo feminista.
Fica a pergunta: isso é Marx? Resposta simples e rotunda: Não, não e não. Nem a aliança com empresários, nem o corte racial ou sexual das relações econômicas.
Marx acreditava na luta irreconciliável de classes
Marx viveu na Inglaterra sofrida da Revolução Industrial. Ele viu o surgimento de um tipo urbano chamado “proletariado”, que é o homem sem terras que tem apenas a sua força de trabalho para vender. Imaginem aquelas famílias retirantes de antigamente, cheia de filhos, migrando para a cidade: era mais ou menos o que Marx tinha diante dos olhos, ao mesmo tempo que encarava a novidade nunca vista da Revolução Industrial, que fez com que as cidades, não as zonas rurais, fossem os polos produtores de riqueza na Europa.
Com um raciocínio bastante intuitivo, Marx olhou para aquelas famílias numerosas, com expectativa de vida baixíssima, e achou que haveria cada sempre montanhas de proletários à disposição dos empresários, de modo que estes poderiam aumentar cada vez mais sua margem de lucro, e oprimir cada vez mais o proletariado.
Isso levaria inexoravelmente a uma Revolução Proletária, em que a classe proletária, não aguentando mais a opressão, iria finalmente aniquilar a burguesia (a classe empresarial, os banqueiros, os comerciantes), tomar os meios de produção (as fábricas) e acabar com a propriedade privada. Os proletários criariam a Ditadura do Proletariado, que distribuiria a produção de maneira sábia e equitativa, até que o Estado feneceria, por ser desnecessário, e a humanidade viveria numa espécie de Éden industrial, onde os homens podem trabalhar na fábrica de dia e escrever crítica de arte à noite, porque toda a produção seria partilhada de maneira fraternal pela humanidade liberta do dinheiro e da ganância.
Antes de Karl Popper escrever A sociedade aberta e os seus inimigos, esse desvario messiânico passava por ciência, e era aceito como tal pelas universidades. O jeitão religioso do marxismo é evidente; e, olhando em retrospecto para os séculos XIX e XX, não é de admirar que o crescimento do ateísmo tenha sido acompanhado pelo crescimento de uma religião disfarçada de ciência.
Religiões têm seus tabus e pecados. O marxismo cresceu bem nas áreas de cultura católica, em que lucro e enriquecimento nunca foram lá muito bem vistos. O pecado marxista chama-se mais-valia, que, no frigir dos ovos, é o lucro do empresário. Marx não entendia de economia; ele achava que as coisas tinham valor monetário em si mesmas, em vez de serem determinadas apenas pela oferta e procura. Assim, se os proletários, somados, não tinham a mesma riqueza que o patrão, isso queria dizer que o patrão se apropriara indevidamente do trabalho do proletariado, o que constituía um roubo e uma injustiça. Essa quantia apropriada é a mais-valia.
Agora pensem: Luiza Trajano viveu sem mais-valia? O Magazine Luiza é uma ONG sem fins lucrativos? Ela vai se eleger e socializar o Magazine Luiza?
Trabalhismo racista
Olhando em retrospecto, é evidente que o marxismo não poderia dar certo nunca. Por isso, o que não faltou no século XX foi gambiarra: já começa com Lênin, que resolveu trocar o proletariado, essa entidade amorfa, pelo Partido Comunista, que passaria a desempenhar o papel de líder da Revolução. E aí ficamos com essa coisa de ditadura do partido, uma gambiarra muito bem sucedida, adotada em países mundo afora. Inclusive na Alemanha Nazista.
Neste ponto, haverá sempre quem lembre ser o nazismo uma abreviatura do nacional-socialismo, e que o nome completo era Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP). Vamos com calma, porque se a coisa fosse tão simples, a República Popular Democrática da Coreia, mais conhecida como Coreia do Norte, seria uma república democrática. O NSDAP existia antes de Hitler, era sediado em Berlim, e fora como que tomado dos irmãos Strasser.
Quem gostar de entrar na esparrela de definir esquerda e direita — eu acho bobagem — encontrará quem diga que o fim do nazismo de esquerda se deu com a expulsão dos irmãos Strasser, um evento que se confunde com a Noite das Longas Facas. Nela foi assassinado Ernst Röhm, o número 2 do nazismo, chefe das SA, um militar gay assumido e líder dos seus múltiplos amantes viris. Nesse mesmo evento, mataram um dos irmãos Strasser. Se minha memória não falha, Joachim Fest e Aurel Kolnai falam de nazismo de esquerda, extinto com a hegemonia hitlerista.
O nazismo “de esquerda”, o strasserismo, admirava a União Soviética, e tinha como livro de cabeceira Das Dritte Reich (O Terceiro Império), de Möller-Bruck. Segundo esta corrente, cada povo (leia-se com conotação racial, à maneira dos racistas negros que dizem “o povo negro”) poderia desenvolver um socialismo peculiar. A União Soviética realizara o socialismo do povo eslavo; cabia ao povo germânico criar o seu socialismo nacional, daí nacional-socialismo.
Hitler vinha do Império Austro-Húngaro e pegou esse bonde alemão andando. Na Áustria, o prefeito de Viena se elegera cheio de promessas antissemitas e germanistas que eram moeda corrente no mundo de língua alemã. Por que o racismo tinha peso entre trabalhadores austríacos? Porque o vasto Império Austro-Húngaro deixava os eslavos pobretões migrarem dos confins do leste para capital Viena, povoada por germânicos. Isso aumentava a oferta de trabalho e diminuía o salário ao qual o trabalhador germânico estava acostumado.
Na classe média, judeus se sobressaíam em empregos que demandavam intelecto ou diploma, já que estavam acostumados à vida urbana desde a Idade Média. Na Áustria, o racismo antissemita e antieslavo era uma pauta da ordem do dia. Hitler transplantou a pauta antissemita para a Alemanha com imenso sucesso. Ele manteve o seu desprezo por eslavos (Stálin que o diga), mas essa causa não tinha apelo para os alemães.
E para o operário alemão, que havia? Para eles, Hitler bebeu de outra fonte: era um grande admirador do italiano Mussolini, Duce da Itália, jornalista e autor de “A Doutrina do Fascismo”.
A conciliação de classes
Mussolini era um jornalista socialista até brigar com o partido e fundar o próprio movimento, o Fascismo. O nome vem de fascio, feixe, e a ideia é que um feixe de pauzinhos amarrados é muito mais forte do que um pauzinho solto. Essa imagem sintetiza o ideal coletivista de Mussolini.
Para Mussolini, tudo é Estado, de modo que não há indivíduos fora do Estado. Diz ele: “Os indivíduos são classes segundo a categoria de interesse; são sindicatos segundo as diferenciadas atividades econômicas cointeressadas; mas são primeiro, e antes de tudo, Estado.” E este deve ser um princípio ordenador, que irá ajustar as relações entre sindicalistas e empresários.
Surge aí o embasamento teórico do sindicalismo pelego, que não quer brigar com ninguém, exceto os trabalhadores pés-rapados que aceitam trabalhar por menos. O sindicalista pelego age do mesmo jeito que o trabalhador austríaco eleitor do prefeito de Viena: joga as exigências lá para cima, garante mil prerrogativas e impede o novato de concorrer consigo. Suas exigências também tornam a mão de obra impagável para o pequeno empresário.
E o grande empresário, que ganha? A amizade do governo. Tem acesso a mil benesses, que vão desde o crédito financiado pelo erário até leis de reserva de mercado — que podem vir disfarçadas de leis trabalhistas.
A lei mais óbvia era a da pureza racial: nunca uma empresa com capital judaico teria esperanças de fechar contratos com o Estado alemão, por exemplo. E contratos com o Estado costumam ser dos mais rendosos. Com o nazismo tornaram-se gigantes a Bayer (que inventou o Zyklon-B das câmaras de gás), a Volkswagen, a Bertelsmann (hoje dona da Penguin e da Companhia das Letras), a Krupp da Thyssen-Krupp.
O ideal do Estado fascista é essa concertação de monopólios: uma elite sindical monopoliza o emprego, um clube de empresários amigos do rei monopoliza os contratos com o governo, além de ganhar crédito fácil e conseguir leis para afastar a concorrência.
Fascismo identitário
Aquilo que começou com os concurseiros entrou no mundo empresarial. Antes, usar pedigree racial valia para conseguir um emprego público, depois passou a empresas (a própria Magazine Luiza fez seleção racista).
Qual seria o próximo passo? Aqui eu tenho uma especulação: assim como a ecologia pode ser usada para criar monopólio (basta fazer crer que todos os seus concorrentes cometeram crimes ambientais), também pode o identitarismo. Criar a obrigatoriedade de treinamentos “antirracistas” baseados nos livros de Djamila Ribeiro servirá para dar emprego a uns inúteis e para tirar da concorrência pequenas empresas que não podem financiar inúteis. Criem-se cotas para negros em empresas, e nenhum pequeno empresário de Joinville terá paz. Criem-se cotas para transexuais, e nenhum pequeno empresário no Brasil terá paz. Depois, criem-se tribunais de raça e de gênero para julgar se as tais cotas foram cumpridas, e está preparado o terreno para qualquer rico poder comprar qualquer burocrata para tirar qualquer concorrente.
É isto o que eu acho que eles têm em mente. É racismo, é fascismo, é sexismo e é uma coisa para a qual não temos nome — como essa mania de castrar e amputar jovens mulheres para aplacar seus problemas mentais.
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