Na Escola de Comunicação de uma das maiores e mais tradicionais instituições de ensino superior do Brasil – a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – funciona o Netlab: um laboratório de pesquisa formado por doutores, pós-graduandos e graduandos que declara ter como objetivo “pesquisar os usos sociais das tecnologias de informação e comunicação, bem como seus impactos sociais e culturais”.
Vinculada ao Netlab há uma atividade de extensão chamada Laboratório de Ativismo e Comunicação (LabAtivo). Em sua página oficial no Facebook, o LabAtivo é descrito como um “laboratório de formação, inovação, ativismo, cibercultura, ética hacker, política, sociedade e comunicação”, que “articula as ferramentas e teorias da comunicação com os contextos políticos, culturais e tecnológicos através de produtos de comunicação (Campanhas, Intervenções, Festival ‘Educação Sem Temer’)”. Na página do Lattes da coordenadora da atividade, que teve início em 2013, os objetivos do grupo são descritos como “pensar, discutir e desenvolver ações políticas”.
Já no site oficial do LabAtivo, a descrição é mais direta: “Vamos desenvolver ações diretas de marketing de guerrilha, debater sobre o papel da imprensa e trazer vários profissionais de comunicação ativistas para agir juntos. Pra que a memória das lutas do nosso povo continue viva, como Marielle Franco e Edson Luis!”.
O ativismo é direcionado a uma única linha política. Nas redes sociais do LabAtivo é possível encontrar uma série de publicações que deixam claro que será tolerada apenas uma vertente dentro do que se considera “ativismo”. Desde as publicações mais antigas, que sustentam que o impeachment de Dilma foi um golpe e que pedem “Fora Temer”, até as mais recentes, há manifestações favoráveis ao aborto e à legalização das drogas, contrárias ao Escola Sem Partido e críticas ao governo de Jair Bolsonaro. Também é possível encontrar publicações sobre o filósofo comunista Antonio Gramsci e até mesmo a divulgação de um vídeo do programa GregNews, apresentado pelo ator e ativista de esquerda Gregório Duvivier.
Entre as atividades promovidas pelo laboratório estão a organização do Festival Educação Sem Temer – evento de “resistência política e cultural” realizado em 2016 na UFRJ para questionar políticas do governo de Michel Temer (PMDB); a produção do vídeo “Públicas Resistem”, com o objetivo de criticar o governo federal pelo contingenciamento de verbas de universidades e institutos federais realizado em 2019; e minidocumentários sobre uso medicinal, espiritual e recreativo de drogas.
Coordenação do Netlab e do LabAtivo
Em comum entre o Netlab, que atualmente conta com 16 estudantes inscritos de acordo com o Diretório de Grupos de Pesquisa (DGP), e o LabAtivo, está a coordenação, sob a responsabilidade da professora da Escola de Comunicação da UFRJ Rose Marie Santini. O Netlab, aliás, foi fundado por ela há oito anos e, desde então, está sob sua liderança. A docente, que é pós-doutora em Ciências Sociais, tem conduzido o grupo de pesquisa e a atividade de extensão a estudos sobre a desinformação nas redes sociais e o uso de robôs para manipular a opinião pública.
O direcionamento de parte dessas pesquisas, no entanto, frequentemente tem alvos em comum, que são figuras alinhadas à direita. Em abril de 2020, por exemplo, a professora divulgou um estudo feito a partir de um mecanismo identificador de bots (robôs) desenvolvido pelo NetLab em parceria com a Twist System (startup incubada pela UFRJ que funciona atualmente no parque tecnológico da instituição) que cita que 55% dos mais de um milhão de postagens nas redes sociais com a hashtag #BolsonaroDay, em março de 2020, teriam sido feitos por meio de perfis falsos.
Na live com o tema “Dados e o combate à desinformação”, que fez parte do evento “Festival do Conhecimento” promovido pela UFRJ em julho do ano passado, a fundadora do laboratório discorre sobre as consequências sociais da desinformação na opinião pública e na democracia e cita que o uso de perfis falsos se tornou uma pauta global em 2016 a partir da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos e da vitória dos favoráveis ao Brexit em referendo realizado no Reino Unido.
Quando aborda o combate às fake news no Brasil, ela cita como um exemplo de sucesso o movimento Sleeping Giants Brasil – iniciativa de esquerda que persegue sites com alinhamento político oposto – e passa a explicar que, após sucesso da iniciativa nos Estados Unidos, um grupo de ativistas criou o perfil no Brasil para usar a mesma estratégia.
O Sleeping Giants Brasil, aliás, foi tema de pesquisas do Netlab junto com a startup Twist Systems – citada pela coordenadora como “o braço tecnológico de pesquisa” do grupo. Em agosto de 2020, o laboratório divulgou um estudo afirmando que mais de 50% das postagens que criticavam a censura promovida pelo movimento vinha de robôs, e que no campo da direita havia um número de perfis falsos muito maior do que no campo oposto. Além disso, destacou que as mensagens que defendiam o Sleeping Giants tinham automatização consideravelmente menor.
Da mesma forma, o laboratório de pesquisa divulgou outro estudo, em janeiro de 2021, que concluiu que mais de 66% das contas que usaram uma hashtag apoiando um movimento de direita que surgiu em novembro de 2020 para se opor ao Sleeping Giants Brasil apresentaram “elevado grau de automação”.
Pesquisas com motivação ideológica?
Na live “Dados e o combate à desinformação”, Rose Marie Santini citou que no segundo semestre de 2020 o grupo trabalhou com “ativismo digital de análise de conteúdo de desinformação digital em todas as redes”. O mesmo alvo para boa parte das pesquisas, no entanto, chama a atenção.
Ao analisar a estrutura de membros do Netlab (disponível no Lattes de Rose Marie Santini, com última atualização em fevereiro de 2021) que integram o projeto de pesquisa “Máquinas de opinião: propaganda computacional, contágio e desinformação nas redes sociais online”, é possível verificar que boa parte dos 13 integrantes têm histórico de militância política de esquerda e foi orientado por Santini em trabalhos acadêmicos com temáticas progressistas.
C.T. (os nomes dos integrantes do serão mantidos em sigilo), por exemplo, que em suas redes sociais se mostra apoiadora de Fernando Haddad, filiado ao PT, e de Marcelo Freixo, do PSOL, foi orientada pela coordenadora do Netlab em seu trabalho de conclusão de curso com o tema “Feminismo 2.0: a nova dinâmica dos movimentos sociais na Internet” em 2016. Três anos depois, ela contou com a mesma orientadora na dissertação de mestrado com o tema “Um estudo de caso de #Elenão, a mobilização on-line das mulheres contra Bolsonaro”.
Nesse segundo trabalho acadêmico também fez parte da banca Alda Rosana Duarte de Almeida, professora da Escola da Comunicação da UFRJ que também integra o Netlab. Em 2018, a docente apoiou enfaticamente a campanha “Ele não” em suas redes sociais.
G.T., outra integrante do grupo de pesquisa, é membro do diretório estadual do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Rio de Janeiro. Já D.S. teve como tema de seus trabalhos acadêmicos “Computational manipulation of public opinion: The propaganda strategies of disinformation in social media during the presidential elections of 2018 in Brazil” (Manipulação computacional da opinião pública: As estratégias de propaganda da desinformação nas redes sociais durante as eleições presidenciais de 2018 no Brasil).
O grupo conta também com a presença de D. O., irmã de Alessandra Orofino – fundadora e diretora da rede de ativismo de esquerda chamada Nossas. A ONG, que recebe doações milionárias para financiar suas causas, é proprietária da plataforma que hospedou um site do Sleeping Giants Brasil. Alessandra é responsável pela direção do programa de TV GregNews, apresentado por Gregorio Duvivier. Ela também foi idealizadora e diretora de um vídeo apresentado pelo youtuber Felipe Neto – opositor ferrenho de pautas que se choquem com o progressismo – publicado no jornal norte-americano The New York Times em agosto de 2020.
D.O., que foi orientada por Santini em sua dissertação de mestrado, trabalhou como assessora parlamentar do atual deputado federal Marcelo Freixo/PSOL-RJ de 2013 a 2018 e coordenou a estratégia de comunicação digital de sua campanha a prefeito em 2016. Ela atualmente é gestora de criação na ONG Nossas.
Por fim, também fazem parte do projeto de pesquisa dois sócios da Twist Systems – a startup tem em sua carteira de clientes grandes empresas de setores como automóveis, comunicação, seguros, engenharia e construção civil; uma agência de checagem de notícias também figura na lista de clientes. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, a startup realizou o monitoramento em tempo real de “boatos, denúncias e fake news” para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo informações que constam no site do Parque Tecnológico da UFRJ, o monitoramento também contou com a colaboração do Netlab e de profissionais da Escola de Comunicação da UFRJ.
“Pesquisa sobre a militância conservadora nas redes”
Conforme consta no Lattes da professora Rose Marie, ela e um dos sócios da Twist Systems também integram outro laboratório que funciona na universidade – o Laboratório de Inovação Cidadã (Labic), que foi implementado em 2017 e funciona como uma “rede de ações, pesquisa e formação com o objetivo de mapear e sistematizar experiências de referência em tecnologias sociais e inovação”. À frente do Labic está Ivana Bentes Oliveira, que foi coordenadora da Escola de Comunicação da UFRJ em duas oportunidades: entre 2006 e 2013 e, depois, de 2018 a junho de 2019.
Ivana exerceu o cargo de secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura no governo de Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016. Em suas redes sociais ela possui fotos com Lula, Manuela D’Ávila, Guilherme Boulos e diversos outros ativistas e políticos de esquerda. Ela ironiza a prevalência de uma mesma visão política entre professores de federais em uma publicação feita em setembro de 2019: “’Universidade federal só tem professor esquerdista’. Entenda: ninguém tem culpa se os de direita não passaram nos concursos!”
Nas redes sociais, ela já comemorou bloqueio feito aos canais de pagamento do filósofo Olavo de Carvalho e elogiou a atuação do Sleeping Giants Brasil, de perseguição a veículos que não sejam de esquerda, descrevendo-a como um “extraordinário trabalho”. Em maio de 2019, Ivana entrevistou Manuela D’Ávila no evento intitulado “Resistência em tempos de fake news”, promovido pela Escola de Comunicação da UFRJ. O evento ocorreu no auditório do Centro de Filosofia e Ciência Humanas (CFCH) da universidade.
A ex-coordenadora da Escola de Comunicação da UFRJ também entrevistou a coordenadora do Netlab em uma live com o tema “O uso dos robôs na política” (veiculado no canal de vídeos de um grande portal de conteúdo político de esquerda, do qual Ivana também é colunista) na qual Santini comentou a respeito de um estudo feito pelo laboratório. No vídeo, Ivana define o estudo como “pesquisa sobre a militância conservadora nas redes”. Não há, entretanto, aprofundamento a respeito do uso de robôs por demais grupos políticos.
Outro lado
A Gazeta do Povo tentou contato com a coordenadora do Netlab e do LabAtivo para esclarecer como funciona a atuação do grupo de pesquisa, porém não houve retorno até o fechamento desta matéria.
A reportagem enviou perguntas à Twist Systems a respeito das atividades desenvolvidas junto à UFRJ e aos laboratórios de pesquisa da instituição. A startup retornou informando que para assuntos relacionados à imprensa o contato deveria ser feito com uma colaboradora que atua no setor de comunicação do Parque Tecnológico da UFRJ. A responsável indicada – que também é militante política e colunista de um dos maiores portais de esquerda do Brasil – não respondeu a maioria dos questionamentos. Ela enviou, no entanto, a seguinte nota:
“A Twist é uma empresa residente do Parque Tecnológico da UFRJ. As empresas residentes escolhem o Parque por ser um ambiente de conexão com a UFRJ, permitindo que as mesmas possam fazer parcerias para o desenvolvimento de pesquisas na área de inovação e tecnologia. A UFRJ é uma das principais universidades que produzem pesquisa no país e foi eleita a mais inovadora, segundo ranking universitário da Folha de S. Paulo. Por isso muitas empresas pequenas, médias e até multinacionais que desenvolvem pesquisas para inovação buscam fazer parte do nosso ambiente. Atualmente temos startups, empresas de médio porte e grandes nacionais e internacionais. Todas têm cooperação com a universidade”.
A respeito do uso da estrutura da universidade (custeada com recursos públicos por contribuintes que muitas vezes não se sentem representados pelas visões políticas e ideológicas em questão) para atividades com possível finalidade ideológica, a Gazeta do Povo questionou a Reitoria da UFRJ sobre a existência de políticas internas para garantir a diversidade de pensamento no ambiente acadêmico. Até o momento, entretanto, não houve retorno por parte da coordenação.
Da mesma forma a reportagem pediu esclarecimentos à diretoria da Escola de Comunicação (ECO) da universidade, porém também não houve retorno até o momento. Em resposta a um questionamento feito pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação, no entanto, a direção da Escola de Comunicação da UFRJ afirmou que “não tem qualquer inferência ou gestão sobre os recursos financeiros de pesquisa ou extensão obtidos por projetos vinculados a docentes desta unidade” e ressaltou que não destina recursos financeiros a projetos de pesquisa da unidade. A direção declarou, ainda, que não tem qualquer gestão sobre a participação de seus docentes em grupos de pesquisa.
Be the first to comment on "Conheça os laboratórios de ativismo de esquerda que funcionam dentro da UFRJ"