Depois da prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), personalidades da direita resgataram nas redes sociais vídeos com casos de ofensas a autoridades proferidas por figuras da esquerda. Houve um clamor pela isonomia na aplicação da lei: se Silveira foi preso com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), por que isso não deve acontecer também com outras figuras que proferiram ameaças a ministros do STF, ao presidente da República ou aos presidentes da Câmara e do Senado?
Na esteira dessa polêmica, o vereador de Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PRTB) elaborou uma notícia-crime contra o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Ciro Gomes, por publicações disponibilizadas na internet em que eles teriam proferido palavras de ameaça contra o presidente da República, Jair Bolsonaro. Ferreira pediu a prisão em flagrante de Gomes e Freixo com base na interpretação que Alexandre de Moraes fez da noção de flagrante delito permanente da LSN. Na visão de Moraes, enquanto um vídeo continuar disponível na internet, é possível prender em flagrante aquele que proferiu declarações consideradas criminosas.
Na opinião de Andrew Fernandes, advogado criminalista e sócio do Bayma e Fernandes Advogados Associados, a decisão de Moraes abriu precedente para que, a partir de agora, declarações do passado sejam resgatadas para incriminar políticos. Sobre os casos específicos das declarações pinçadas pelo vereador de BH, ele considera que não seria fácil enquadrá-las na LSN.
A única dessas falas que poderia ter alguma consequência do ponto de vista penal, a depender da interpretação, seria um tuíte em que Freixo diz: “Impeachment ou morte”. “Pode ser interpretada como se ele quisesse incitar a subversão à ordem política, à ordem social, e colocar em xeque o regime democrático e a figura do chefe do Poder Executivo”, avalia Fernandes, ressalvando que não está claro se essa foi a intenção de Freixo com o tuíte. O próprio deputado, em tuíte posterior, explicou sua declaração: “Para quem não sabe ler ou sofre de mau caratismo, repito: ou fazemos agora o impeachment de Bolsonaro ou mais brasileiros morrerão.”
Fernandes considera que a decisão do STF sobre Silveira foi tão frágil do ponto de vista jurídico que acabou abrindo precedente para reivindicações que beiram o absurdo. “Se a gente se afasta do Direito, sobra a barbárie. Tudo perde o sentido, perde a lógica. Porque não é crime permanente. A grande verdade é essa. Você faz um vídeo, e aí cinco, dez, quinze anos depois alguém vai querer responsabilizá-lo por aquilo? Não me parece a melhor interpretação.”
Caso a notícia-crime de Ferreira resulte em algum processo, a competência para julgar esse tipo de caso seria da Justiça Federal, e não do STF, como sugeriram alguns sites ao divulgarem o fato. O documento precisaria, portanto, ser encaminhado para o Ministério Público Federal. “Como se trata de um crime que seria julgado pela Justiça Federal, quem faz a persecução penal na Justiça Federal é o Ministério Público Federal”, explica Fernandes.
O jurista Benedito Villela, professor de Direito do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) São Paulo, também considera que algumas declarações de parlamentares feitas no passado poderiam ser trazidas à tona com um objetivo revanchista. Para ele, mesmo que declarações do passado não tenham sido tão incisivas como a de Silveira, a lógica inaugurada pelo STF poderia abarcá-las.
“O que o Daniel Silveira fez é sem precedentes em termos de abordagem, de seriedade e até de falta de decoro parlamentar, mas não é sem precedentes no sentido de um parlamentar estar abusando de suas prerrogativas, inclusive de impunidade parlamentar ou mesmo do direito da fala. Sob essa ótica, não é novidade”, afirma Villela.
O ex-deputado-federal Wadih Damous (PT-RJ), por exemplo, afirmou em um vídeo de 2018 publicado em uma rede social: “Tem que fechar o Supremo Tribunal Federal”. Villela considera que, pela interpretação de Moraes, isso seria suficiente para colocar o ex-deputado em risco.
“Sob a ótica atual que vem sendo adotada para esse tipo de coisa, sem dúvida alguma ele poderia ser enquadrado. Esse enquadramento é dado por uma analogia, por uma interpretação extensiva de uma série de critérios usados pelo Alexandre de Moraes. Como penalista que é, ele se baseou na conjugação de uma série de artigos para construir essa verdade”, avalia o jurista.
Veja os casos de ofensas ao STF e outros Poderes que foram comparados com o de Daniel Silveira
“Tem que fechar o Supremo Tribunal Federal”, disse Damous em 2018
Entre os casos que foram resgatados pela direita, o mais semelhante ao de Daniel Silveira foi um vídeo de 2018 publicado no Facebook pelo então deputado federal do PT Wadih Damous. “Nós temos que redesenhar o Poder Judiciário e o papel do Supremo Tribunal Federal. Tem que fechar o Supremo Tribunal Federal. Nós temos que criar uma Corte Constitucional, de guarda exclusiva da Constituição, com seus membros detentores de mandato”, disse Damous.
Freixo ataca o presidente Bolsonaro
Em abril e outubro de 2020, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) chamou o presidente Bolsonaro de “genocida” via Twitter. A LSN prevê prisão de 1 a 4 anos para quem “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”. Em janeiro deste ano, Freixo ainda tuitou: “Impeachment ou morte”. Depois, apagou o tuíte e se explicou: “Para quem não sabe ler ou sofre de mau caratismo, repito: ou fazemos agora o impeachment de Bolsonaro ou mais brasileiros morrerão.”
Ciro Gomes sobre Bolsonaro: “Daremos a ele o destino que teve Mussolini”
Em janeiro de 2021, Ciro Gomes (PDT) fez uma declaração que também foi interpretada por muitos como uma incitação à violência contra o presidente. “Se ele tentar um golpe no futuro ou a qualquer momento, nós daremos a ele o destino que teve Mussolini. Eu, Ciro Gomes, assumo como palavra de honra: estarei na luta de um, de dez, ou de mil para dar a ele o destino de Mussolini se ele tentar algum golpe no Brasil”, afirmou o ex-candidato à Presidência. Benito Mussolini (1883-1945), ditador italiano, morreu assassinado por opositores políticos em 1945.
Lula disse em 2016 que STF e STJ estavam “acovardados”
Em conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal em 2016, o ex-presidente Lula fez críticas ao Poder Judiciário e insinuou que o STF e o STJ agiam com conivência ao não barrarem algumas ações da Operação Lava Jato. Em uma delas, com a ex-presidente Dilma Rousseff, Lula disse que o STF estava “acovardado”. “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos uma Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”, afirmou.
Dirceu em 2018: “Deveria tirar todos os poderes do Supremo”
O ex-deputado federal e ex-presidente do PT, José Dirceu, também já fez críticas pesadas ao STF. Em uma entrevista de 2018 ao site 180 Graus, ele afirmou: “O problema é que o Supremo Tribunal Federal… Eu não sei por quê esse nome de Supremo… Corte Constitucional deveria chamar. Primeiro, deveria tirar todos os poderes do Supremo e ser só Corte Constitucional”.
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