A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou, por unanimidade, as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, mas diminuiu a pena total a ser cumprida para 8 anos, 10 meses e 20 dias de prisão. O tribunal também reduziu as multas aplicadas a Lula pela prática dos crimes.
Se não for condenado mais uma vez por um tribunal de segunda instância e se o Supremo Tribunal Federal (STF) não reverter seu entendimento sobre o cumprimento de pena após condenação em segunda instância, a decisão desta terça-feira (23) abre a possibilidade de que Lula progrida de regime em setembro e saia da cadeia. A defesa, porém, pode insistir em uma tese jurídica que antecipe essa data.
Lula está preso em Curitiba, na Superintendência da Polícia Federal, desde abril de 2018.
O Código Penal prevê que penas superiores a oito anos devem começar a ser cumpridas em regime fechado. Todos os especialistas consultados pela reportagem apontaram que o Código estabelece o requisito de cumprimento de um sexto da pena antes da progressão de regime.
No caso da nova pena de Lula, esse tempo seria de 1 ano 5 meses e 20 dias, o que abriria a possibilidade de o petista pedir a progressão ao semiaberto no final de setembro deste ano.
Para sair, Lula também precisa pagar a multa
A progressão de regime está condicionada ainda à reparação do dano causado pelos crimes do ex-presidente.
De acordo com o parágrafo 4º do artigo 33 do Código Penal, modificado por uma lei sancionada pelo próprio Lula, “o condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais”.
No julgamento desta terça-feira, o STJ reduziu também o montante devido da reparação de R$ 16 milhões para R$ 2,4 milhões, valor que ainda precisa ser corrigido.“As defesas costumam pedir a progressão de regime sem o ressarcimento do dano argumentando que a condenação ainda é provisória. Nos casos gerais da Lava Jato, não foi permitido que a progressão de regime acontecesse sem a reparação de dano – o que foi permitido, por enquanto, foi o parcelamento de valores ou bens de garantia”, explica Marcelo Lebre, advogado que atua em processos da Lava Jato e professor de Processo Penal do UniCuritiba.
“A Justiça Federal também tem exigido o pagamento da multa como condição para a progressão de regime, o que é altamente questionável, mas os casos da Lava Jato têm sido decididos dessa forma”, diz ainda.
Ainda há questões de natureza constitucional que podem ser objeto de recurso da defesa do ex-presidente no STF, como a competência da 13ª Vara de Curitiba, alegações de nulidade que tenham como base algum artigo da Constituição, e a questão da remessa do processo à Justiça Eleitoral.
A possibilidade de Lula continuar preso também depende da manutenção do atual entendimento de que a prisão pode começar a ser executada após decisão da segunda instância.
O Supremo tinha pautado ações que questionam esse entendimento para o último dia 10 de abril, mas, atendendo a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o presidente Dias Toffoli retirou o assunto de pauta.
Defesa pode tentar tese sobre “detração”
É possível que Lula deixe a prisão antes mesmo de setembro. Uma possibilidade aventada por alguns especialistas é a defesa do ex-presidente tentar invocar o artigo 387, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal para tentar pleitear o regime semiaberto imediatamente.
De acordo com esse dispositivo, “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.
Se a tese for aceita, a pena calculada pelo STJ deveria ser diminuída pelo tempo que o ex-presidente já passou na cadeia, o que resultaria em um montante de cerca de 7 anos e 9 meses, abrindo a possibilidade de progressão ao semiaberto.
“No juízo de execução a defesa vai poder pleitear a progressão de regime. Há duas linhas cabíveis: quando cumprir um sexto da pena e pedir em setembro ou considerar o período já cumprido, que daria a pena de menos de oito anos”, diz Francisco Monteiro, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador dos cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). “Acredito que a defesa vá fazer os dois pedidos”, avalia.
Risco de nova condenação em 2ª instância
Monteiro lembra, no entanto, que a progressão ao semiaberto depende de o ex-presidente Lula não começar a cumprir pena por nenhum outro processo, uma vez que, nesse caso, as penas são somadas para efeitos de cálculo da progressão.
O ex-presidente Lula já foi condenado em primeira instância, em fevereiro deste ano, por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia, no interior de São Paulo. Ele recebeu uma pena de 12 anos e 11 meses de prisão em regime fechado. A condenação ainda precisa ser confirmada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, para que a pena comece a ser executada.
Já o procurador federal Rodrigo Chemim, doutor em Direito do Estado pela UFPR, discorda da tese da detração. “O Lula já está cumprindo pena, ele não está em prisão provisória”, afirma. “A prisão provisória é uma prisão cautelar, seria uma prisão preventiva ou temporária. Pela interpretação do Supremo, o Lula está em execução provisória, e não em prisão provisória. São coisas diferentes, a motivação da prisão do Lula é outra, não é uma prisão pena, é uma prisão-pena, cuja execução é provisória”, explica.
“Eu não me lembro de ter visto esse pedido da detração na petição da defesa, mas mesmo não estando lá, o tribunal poderia ter reconhecido isso de ofício, mas não o fez”, diz Marcelo Lebre. “Primeiro, precisa ver se esse ponto vai constar do acórdão escrito de alguma forma, mas a defesa pode peticionar o próprio STJ sobre essa omissão, por meio de embargos de declaração e suscitar a discussão”, afirma.
Mesmo fora da prisão, Lula pode continuar morando em Curitiba
O advogado Marcelo Lebre explica ainda que, pelo histórico de decisões da Lava Jato, mesmo se passar para o regime semiaberto, o ex-presidente Lula pode ter de continuar morando em Curitiba. “A maioria dos presos da Lava Jato está presa no Complexo Médico Penal. Como o Lula está preso na carceragem da Polícia Federal, a Vara de Execuções Penais de Curitiba não é competente para definir nenhuma questão, tudo é definido na 12ª Vara Federal de Curitiba”, diz.
Lebre explica que, em Curitiba, o regime semiaberto é cumprido na Colônia Penal Agrícola, que pertence ao complexo de Piraquara (cidade da região de Curitiba), mas a aceitação de um apenado depende de vaga no estabelecimento, de acordo com manifestação do diretor da colônia.
“Não havendo vagas, a defesa pode pleitear o que a gente chama de regime semiaberto harmonizado. Nos casos da Lava Jato, como do Delúbio Soares, foi concedido a ele o direito de permanecer fora da colônia penal, mas com monitoramento eletrônico”, afirma.A questão é que para nenhum dos presos da Lava Jato de que Lebre tem conhecimento foi concedido o direito de voltar para casa nesses casos, salvo se conseguem algum outro benefício, como o livramento condicional. “Todos eles ainda estão em Curitiba, mas tiveram de encontrar um local na cidade para poder cumprir esse regime semiaberto harmonizado”, diz.
“É claro que a defesa vai tentar que o cumprimento se dê em São Paulo, e uma hora outra é possível que a juíza conceda, mas por enquanto a decisão da Justiça Federal tem sido essa”, completa.
Julgamento rejeitou todas as teses substantivas da defesa
Foi a primeira vez em que um tribunal superior analisou o mérito da condenação do ex-presidente Lula. Antes, tanto o STJ quanto o STF já haviam negado recursos para que Lula só fosse preso após o esgotamento de todos os recursos, com base na atual jurisprudência do Supremo sobre o tema.
O STJ também negou um recurso para que Lula pudesse participar da campanha eleitoral no ano passado. No mérito, porém, a derrota no STJ foi dura: os ministros rejeitaram todos os argumentos da defesa.
A 5.ª Turma do STJ é formada, além do relator Félix Fischer, pelos ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik, que não participou do julgamento por ter se declarado suspeito, uma vez que seu advogado pessoal, René Ariel Dotti é advogado da Petrobras, que figura como assistente da acusação no processo.
O ministro relator do recurso especial apresentado pela defesa do ex-presidente Lula, seguido por todos os colegas, negou o pedido de transferir o processo para Justiça Eleitoral, rejeitou os argumentos pela nulidade do processo – por exemplo, que o TRF-4 teria negado um segundo interrogatório do ex-presidente – e entendeu que a competência do caso era mesmo da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Os ministros também discordaram da defesa de que Lula estaria sendo condenado por dois crimes diferentes em relação a um mesmo fato e negaram reavaliar provas, o que é vedado pela Súmula 7 do tribunal: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
No entanto, embora tenha confirmado as condenações, os ministros reduziram as penas de ambos os crimes. A pena pelo crime de corrupção passou de 8 anos e 4 meses para 5 anos, 6 meses e 20 dias. Já a pena por lavagem de dinheiro diminuiu de 3 anos e 9 meses para 3 anos e 4 meses. No total, a pena caiu dos 12 anos e 1 mês estabelecidos pelo TRF-4 para 8 anos, 10 meses e 20 dias.
“Não se pode agravar a pena do acusado porque a pena de outros acusados foi esta ou aquela”, disse o ministro Jorge Mussi em referência à razão pela qual o TRF-4 aumentou as penas fixadas inicialmente pelo então juiz Sergio Moro. “Essa fixação não pode ser feita com base em elementos externos”, completou.
Embora os ministros tenham considerado a culpabilidade, os motivos, as circunstâncias e as consequências dos crimes bastante graves, eles consideraram que o TRF-4 não fundamentou bem a fixação da pena.
O relator também fixou a pena de multa em 175 dias-multa, no valor de 5 salários mínimos, no que foi seguido pelo ministro Jorge Mussi. Os ministros Reynaldo Soares e Ribeiro Dantas votaram por estipular multas menores, mas todos concordaram em reduzir a reparação do dano ao montante das vantagens ilícitas recebidas apenas por Lula, na ordem de R$ 2,4 milhões, e não em R$ 16 milhões, como estipulado anteriormente, tendo como base a quantia de crédito de propina que o PT tinha com a empreiteira OAS.
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