O mundo vive tempos estranhos de tribalismo, em que política virou torcida de futebol. Cada um precisa escolher um lado e ponto. Aí tem que demonstrar lealdade ao seu “time”, em vez de manter a independência, torcer pelo país e tecer críticas construtivas ao governo do momento.
Não sou leal a Bolsonaro, mas ao país. Quem me acusa de “gado bolsonarista” tenta me difamar para não ter de rebater minhas críticas a uma oposição oportunista, demagoga, que explora a pandemia de olho num projeto de poder, que passa pano para um STF arbitrário que abusa de seu poder.
Mas quem acha que qualquer crítica ao governo ou ao presidente é sinônimo de ser “traidor” ou “vendido” é igualmente nefasto para nossa democracia. Tal postura fanática só serve para impedir qualquer conserto de rumo, e um governante cercado de bajuladores rapidamente vai se perder.
Eis o que penso: Bolsonaro tem boas intenções, montou uma boa equipe e quer acertar. Seus detratores se mostram sensacionalistas e muitas vezes canalhas, torcendo pelo pior. Mas Bolsonaro está longe de ser um estadista. E cada vez parece mais refém do “centrão” e do populismo para preservar apoio.
Em sua lista de grandes erros está a escolha para o Supremo, por exemplo, e talvez para a PGR. Quem fez alertas nestas ocasiões não era “traidor”, mas provavelmente um aliado sincero. Quem adota a postura de que nenhuma crítica é aceitável, pois isso ajudaria na volta do PT, talvez seja o melhor amigo do petismo.
Governar é difícil, e é preciso ter senso de prioridades e de proporção. O que fez com que tanta gente caísse em descrédito foi justamente a falta desse equilíbrio, de bom senso. Vimos “liberais” e até “conservadores” transformando-se em antibolsonaristas histéricos da noite para o dia, alinhando-se até a tucanos ou petistas para demonizar o presidente.
Não esperem isso de mim. Mas esperem, sempre, uma análise independente, com senso de proporção, para fazer as críticas necessárias. E as mudanças na Petrobras indicam um risco nada desprezível. Bolsonaro apresentou suas justificativas, diz que Roberto Castello Branco não ia à empresa trabalhar presencialmente há quase um ano, e quer maior transparência na formação de preços da estatal.
Até aí, tudo bem. Mas seu discurso flerta sim com o populismo, e o “mercado” acusa o golpe, resumindo a situação com uma pergunta pertinente: será que o presidente “dilmou”? A Petrobras não pertence a um grupo, disse o presidente, e não pode ser gerida apenas com o objetivo de maximizar valor para seus acionistas. É um caminho perigoso esse.
Entende-se a pressão política, o risco de greve de caminhoneiros, a tentação nacionalista de gritar “o petróleo é nosso”. Mas esse trajeto é conhecido e sempre acaba mal. Bolsonaro insiste que não pretende mexer na política de preços, mas não convence muito. Chegou a mencionar o setor elétrico também, e vários de seus apoiadores acreditam que é seu dever marretar esses preços para ajudar o “povo”.
Não se vira as costas para o “mercado” e se flerta com o populismo impunemente, porém. Bolsonaro pode falar que não vai intervir, mas são os atos que importam, e a sinalização é sim preocupante. As ações da Petrobras vão despencar como sinal de preocupação legítima dos investidores. Em Nova York as ADRs já caem quase 20%.
Há muita ignorância em certa ala bolsonarista acerca do funcionamento do mercado. Agem como se fosse alguém, uma pessoa manipulando preços, em vez de compreender a dinâmica e o processo antecipatório de riscos. O alerta que vem do mercado deve ser levado em conta sim. Bolsonaro precisa saber que o custo de abandonar o viés liberal na economia será bastante elevado, e poderá inclusive lhe custar a reeleição.
É verdade que o fato de a Petrobras ainda ser uma estatal está na raiz dos problemas. Não vemos o mesmo tipo de pressão com a alta do minério de ferro, por exemplo. Privatizar seria o único caminho para blindar o governo dessa tentação populista de vez. Mas Bolsonaro precisa resistir mesmo assim. Não vamos nos iludir e aceitar uma narrativa falsa de que tucanos são os verdadeiros liberais, pois sabemos melhor:
Mas dois erros não fazem um acerto. A expectativa é que Bolsonaro, com seu Posto Ipiranga Paulo Guedes no comando da economia, fosse adotar política mais liberal. Se ele escorregar na direção do populismo, quem vai perder é o Brasil, é o povo, é o mais pobre. E é por isso que todos os patriotas verdadeiros têm a obrigação moral de condenar essa mudança e apontar para os grandes riscos à frente.
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