Tudo que começa mal muito frequentemente continua mal e acaba mal. A observação se encaixa perfeitamente no inquérito das fake news, um abuso jurídico em todos os sentidos, aberto em março de 2019 por iniciativa do então presidente do STF Dias Toffoli sem alvo específico, sem fato específico, com seu relator – o ministro Alexandre de Moraes – designado a dedo em vez de sorteado, e no qual o Supremo é vítima, investigador, acusador e juiz. Algo assim só pode acabar degenerando em arbítrio, como já ocorreu no passado, quando a revista Crusoé e o site O Antagonista foram censurados, ou quando apoiadores do presidente Jair Bolsonaro foram alvos de operações e tiveram suspensos seus perfis em mídias sociais sem nem mesmo poder saber pelo que eram investigados. O mais novo caso de excessos cometidos dentro deste inquérito foi a prisão em flagrante, na noite de terça-feira, dia 16, do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) após a publicação de um vídeo bastante chocante, em que ele faz pesados e grotescos ataques a vários integrantes da corte suprema.
As controvérsias começam pelo fato de Moraes ter simplesmente omitido, em sua decisão de terça-feira, qualquer consideração a respeito da imunidade parlamentar garantida no caput do artigo 53 da Constituição: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, afirma a Carta Magna, e o caso em tela trata exatamente da manifestação de opinião por parte de um parlamentar. Isso, por si só, já faz da prisão uma aberração jurídica, independentemente do teor daquela opinião. Por mais que recentemente tenha surgido, dentro da comunidade jurídica, um debate acerca da extensão da imunidade quando existe a intenção explícita de se cometer, por exemplo, um ataque à honra, a natureza desta imunidade parlamentar, dita “material”, é justamente a intenção de garantir um debate o mais robusto e desimpedido possível, ainda que às vezes isso ocorra de uma forma extremamente dura e muito pouco civilizada.
A prisão é uma violação da imunidade parlamentar por “opiniões, palavras e votos” consagrada pelo artigo 53 da Constituição
A importância da imunidade material é tal que ela permaneceu intocada até mesmo quando, em 2001, o Congresso alterou a outra imunidade parlamentar, dita “processual”. Se antes os parlamentares não podiam nem mesmo ser processados sem autorização dos pares, a partir de então estabeleceu-se a regra atual, que impõe determinadas condições para que um parlamentar deixe temporariamente de responder diante do STF por crimes cometidos após a diplomação. A Emenda Constitucional 35/2001, portanto, enviou um duplo sinal à sociedade: os parlamentares não são intocáveis, como se pairassem acima da lei, mas a proteção da sua liberdade de expressão por meio das opiniões, palavras e votos proferidos durante o mandato é essencial para o exercício da democracia.
Dito isso, não há a menor dúvida de que as palavras do deputado estão protegidas pela imunidade parlamentar, e Alexandre de Moraes se equivoca inclusive quando afirmou nesta quarta-feira, durante o julgamento em que o plenário da corte manteve a prisão, que “atentar contra as instituições, contra o Supremo, contra o Poder Judiciário, contra a democracia, contra o Estado de Direito não configura exercício da função parlamentar a invocar a imunidade constitucional do artigo 53, caput. As imunidades surgiram para a preservação do Estado de Direito”. Tal observação faz sentido no caso de atos concretos, mesmo quando cometidos por um parlamentar, mas não no caso de “opiniões, palavras e votos”.
A importância da imunidade material é tal que ela permaneceu intocada até mesmo quando, em 2001, o Congresso alterou a outra imunidade parlamentar, dita “processual”. Se antes os parlamentares não podiam nem mesmo ser processados sem autorização dos pares, a partir de então estabeleceu-se a regra atual, que impõe determinadas condições para que um parlamentar deixe temporariamente de responder diante do STF por crimes cometidos após a diplomação. A Emenda Constitucional 35/2001, portanto, enviou um duplo sinal à sociedade: os parlamentares não são intocáveis, como se pairassem acima da lei, mas a proteção da sua liberdade de expressão por meio das opiniões, palavras e votos proferidos durante o mandato é essencial para o exercício da democracia.
Dito isso, não há a menor dúvida de que as palavras do deputado estão protegidas pela imunidade parlamentar, e Alexandre de Moraes se equivoca inclusive quando afirmou nesta quarta-feira, durante o julgamento em que o plenário da corte manteve a prisão, que “atentar contra as instituições, contra o Supremo, contra o Poder Judiciário, contra a democracia, contra o Estado de Direito não configura exercício da função parlamentar a invocar a imunidade constitucional do artigo 53, caput. As imunidades surgiram para a preservação do Estado de Direito”. Tal observação faz sentido no caso de atos concretos, mesmo quando cometidos por um parlamentar, mas não no caso de “opiniões, palavras e votos”.
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