Tema foi pautado para terça-feira, 9, na Segunda Turma do tribunal; advogados do ex-presidente pretendem usar conversas para reforçar acusações de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro
Às vésperas do julgamento, na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), para decidir sobre a manutenção ou derrubada da determinação do ministro Ricardo Lewandowski, que compartilhou com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parte das mensagens obtidas na Operação Spoofing, os advogados do petista rebateram os argumentos apresentados ao tribunal por procuradores que pedem a anulação da ordem de acesso e do próprio acervo de conversas.
Rayssa Motta
08 de fevereiro de 2021 | 10h03
Às vésperas do julgamento, na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), para decidir sobre a manutenção ou derrubada da determinação do ministro Ricardo Lewandowski, que compartilhou com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parte das mensagens obtidas na Operação Spoofing, os advogados do petista rebateram os argumentos apresentados ao tribunal por procuradores que pedem a anulação da ordem de acesso e do próprio acervo de conversas.
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No centro da discussão está a validade jurídica do material. Isso porque as mensagens foram roubadas por hackers e posteriormente apreendidas na investigação que mirou o grupo suspeito pela invasão dos celulares de autoridades, incluindo o ex-ministro Sérgio Moro e membros da força-tarefa da Operação Lava Jato.
De um lado, reclamações contra a decisão de Lewandowski foram formalizadas pelo núcleo duro da Lava Jato em Curitiba, pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e pela própria Procuradoria-Geral da República. As argumentações são semelhantes: giram em torno, principalmente, dos meios ilícitos usados para obter as conversas.
Na outra ponta, os advogados Cristiano Zanin, Valesca Martins, Maria de Lourdes Lopes e Eliakin Santos, que defendem Lula no caso, argumentam que elementos de prova para comprovar ou reforçar teses defensivas independem da origem.
“De fundo, lícito ou ilícito, o que de fato importa ao Reclamante [Lula] é que o Estado detém sob sua custódia relevantes elementos de prova que infirmam as canhestras acusações forjadas perante o juízo universal de Curitiba. Este, sim, é ponto fulcral da discussão que se travou – e se superou – quanto ao compartilhamento”, diz um trecho da manifestação de 15 páginas enviada nesta segunda-feira, 8, ao STF.
O tema foi pautado pelo presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, para a próxima terça-feira, 9, a pedido do próprio Lewandowski, relator dos pedidos. Além dos dois ministros, participam do julgamento os colegas Edson Fachin, Cármen Lúcia e Nunes Marques.
Material compartilhado
Lula não teve acesso a todo o material apreendido na Operação Spoofing, apenas aos trechos que pudessem ter relação com os processos aos quais responde na Lava Jato (leia aqui). Nos termos da decisão, foram compartilhadas conversas que ‘lhe digam respeito, direta ou indiretamente, bem assim as que tenham relação com investigações e ações penais contra ele movidas na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba ou em qualquer outra jurisdição, ainda que estrangeira’. Os fundamentos usados por Lewandowski para atender o pedido foram atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
O que diz a defesa de Lula
Na origem, o pedido do ex-presidente foi para acessar a documentação relacionada ao acordo de leniência da Odebrecht – usada no processo em que é acusado pela Lava Jato de receber R$ 12 milhões em propinas da construtora na compra do terreno em São Paulo para sediar o Instituto Lula. Depois é que os advogados solicitaram o compartilhamento do acervo da Operação Spoofing, processada em Brasília. A defesa sustenta que tem sido impedida de obter pleno acesso aos elementos de prova que embasam ações penais contra o petista.
Na manifestação mais recente enviada ao Supremo, para reforçar o argumento de que a jurisprudência valida o uso de provas pela defesa, independente de sua origem, os advogados lembram que o próprio procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a defender a tese em entrevista à Folha de S. Paulo logo após assumir o cargo. “A verdade dos fatos não pode ser suprimida pela eventual ilicitude da prova ou dos meio”, disse o chefe do Ministério Público Federal na ocasião.
Os advogados de Lula lembram ainda que o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, pediu apuração criminal e administrativa contra os procuradores Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato no Paraná, e Diego Castor de Mattos, que integrou a força-tarefa, na esteira da divulgação das mensagens. As conversas mostram a intenção dos procuradores de investigar, sem autorização, a movimentação patrimonial de ministros do STJ.
O ex-presidente Lula durante encontro com integrantes do PT, em Brasília, em fevereiro. Foto: Adriano Machado / Reuters
Outro ponto levantado pela defesa foi o de que Sérgio Moro, enquanto ainda chefiava o Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo do presidente Jair Bolsonaro, chegou a avisar a autoridades que tiveram celulares hackeados que o material seria destruído.
Para os advogados, por trás das iniciativas para impedir o acesso às mensagens, está uma tentativa de ‘ocultar ilegalidades’ e evitar a exposição de ‘métodos pouco ortodoxos de persecução’ supostamente empregados pela Lava Jato.
A defesa observa ainda que a veracidade do material foi atestada por ‘veículos de imprensa, perícias, terceiros referidos e até mesmo por alguns dos procuradores da República envolvidos’. Parte do material foi revelada, ainda em 2019, na série de reportagens conhecida como ‘Vaza Jato’, liderada pelo portal The Intercept Brasil em parceria com outros veículos jornalísticos.
“O Estado enquanto detentor do monopólio do jus puniendi, jamais pode impor sigilo a elementos que estão à sua disposição e que podem comprovar a inocência do jurisdicionado ou a nulidade do processo ao qual este último foi submetido — exatamente como se verifica no caso em tela -, motivo pelo qual se mostra irretorquível a r. decisão atacada”, afirmam os advogados de Lula.
O que dizem os procuradores
Além de apostarem na origem ilegal das mensagens, os procuradores insistem na ausência de perícia que tenha atestado a autenticidade do material. Na época em que a Polícia Federal abriu investigação para apurar o ataque hacker, a equipe que atuava na Operação Lava Jato não entregou os celulares para inspeção.
Em outra frente, demonstram preocupação com a exposição de terceiros, não relacionados às investigações contra Lula – o que, na avaliação dos procuradores, poderia configurar violação da intimidade e do sigilo das comunicações de dezenas de pessoas que não faziam parte da força-tarefa.
Um ponto técnico levado ao tribunal questiona o alcance da decisão de Lewandowski. De acordo com a Associação Nacional dos Procuradores da República e com a Procuradoria-Geral da República, houve uma ampliação indevida do objeto da reclamação inicial apresentada pela defesa de Lula, que tratava do acordo de leniência com a Odebrecht.
O procurador da República Deltan Dallagnol e o ex-juiz federal Sérgio Moro. Foto: Helvio Romero / Estadão
Suspeição
Nas conversas, o então juiz federal Sergio Moro, que posteriormente abandou a carreira na magistratura para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, chega a cobrar manifestações em processos e a sugerir uma fonte para os procuradores da Lava Jato conversarem sobre investigações envolvendo o filho do ex-presidente Lula. Também comunica sobre despachos que serão lançados por ele e dá conselhos ao então coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, sobre as investigações.
O objetivo da defesa de Lula é justamente usar as conversas para reforçar as acusações de que Moro agiu com parcialidade e encarou o ex-presidente como ‘inimigo’ ao condená-lo a nove anos e meio de prisão no caso do triplex do Guarujá.
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