É complicado persistir na crença de que o Brasil é um exemplo mundial de incompetência na pandemia

Num mundo que tem 200 países, certamente não anima ninguém ficar entre os vinte ou trinta com o pior desempenho em alguma coisa. A questão muda de cara, porém, quando se vê quem está na lista. Se estão ali os países mais bem sucedidos do planeta, como potência econômica, competência administrativa dos governos e bem estar social, e se a maioria deles apresenta números piores que os do seu próprio país, então é preciso pensar na situação toda com um pouco mais calma.

O Brasil, segundo os dados mais recentes, está em 26º. lugar entre os países com o maior número de mortes por 1 milhão de habitantes por causa da Covid – uma posição que oscila com frequência segundo as estatísticas diárias. Seria muito melhor, é óbvio, que estivesse entre os 26 que têm menos mortos “per capita”. Mas fica complicado persistir na crença de que o Brasil é um exemplo mundial de incompetência e de descaso oficial diante da epidemia quando sociedades muito mais bem resolvidas que a nossa estão em situação pior.

Estão à frente do Brasil, na relação de países com mais mortos por milhão, a Itália, Inglaterra, Espanha, França, Suécia, Suíça e Portugal, por exemplo – todos com números acima das mil e poucas mortes diárias que estão sendo registradas por aqui.

Há menos mortos no Brasil, relativamente, que no país mais poderoso do mundo, os Estados Unidos – eles ocupam o quarto lugar da lista – e na Rússia. Na América Latina, os dois principais países, México e Argentina, estão com números piores que os brasileiros.

Nada disso é consolo algum para as famílias brasileiras que já perderam mais de 200.000 pessoas queridas em consequência Covid. É preciso notar, igualmente, outros números: a Índia, por exemplo, tem 1 bilhão e 400 milhões de habitantes, ou sete vezes mais que o Brasil, e um pouco acima de 150.000 mortos. Além disso, a taxa brasileira já foi melhor do que é.

Mas também é fato que os Estados Unidos, e sobretudo os países da Europa que estão acima do Brasil na relação de mortos por 1 milhão de habitantes, têm a reputação de oferecerem os melhores serviços de saúde pública do mundo; são citados todos os dias como exemplos de sucesso social. Se eles têm números piores que os nossos, é preciso explicar, então, porque seus governos não estão sendo acusados de genocídio.

No ambiente de histeria que foi criado em torno da Covid, observações como essa são classificadas automaticamente como “negacionistas” – ou, dependendo do grau de irritação de quem está ouvindo, como “bolsonarismo” explícito ou sugerido. Não é negacionismo, nem bolsonarismo – é apenas aritmética.

J.R. Guzzo

J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.


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