A presidência da Câmara e uma disputa decepcionante

A disputa pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados está definida. Os dois principais candidatos, aqueles que realmente têm chances de conquistar o posto, são Arthur Lira (PP-AL), expoente do Centrão e o nome favorito do presidente Jair Bolsonaro; e Baleia Rossi (MDB-SP), que conta com o apoio de Maia e de vários partidos que não estão alinhados com o governo. Já surgem candidatos avulsos, e ainda devem surgir outras chapas lançadas como forma de marcar posição, mas a disputa real deve mesmo se restringir a Lira e Rossi – e isso não é nada bom para o país.

Sobre Arthur Lira já comentamos neste espaço. Ele é réu no Supremo Tribunal Federal, onde responde pelo crime de corrupção passiva, e é suspeito de “rachadinhas” quando era deputado estadual em Alagoas – o caso gerou condenação na esfera cível, e a absolvição na esfera criminal deveu-se puramente a questões processuais sobre conflitos de competência na obtenção de provas. Lira não tem o estofo moral necessário para comandar a Câmara dos Deputados, e é de se perguntar se o Centrão não teria ninguém mais qualificado para disputar a cadeira pertencente hoje a Maia, seja do ponto de vista da lisura no trato da coisa pública, seja nas credenciais reformistas, que Lira também não ostenta em plenitude. Além disso, Lira inicialmente se mostrou disposto a conquistar o apoio de partidos de esquerda acenando com pautas como o enfraquecimento da Lava Jato e da Lei da Ficha Limpa, movimentos que negou posteriormente.

A Câmara será comandada, nos próximos dois anos, por um parlamentar enrolado em escândalos de corrupção ou por um deputado que terá de cumprir promessas feitas ao PT e outros partidos cuja pauta é radicalmente oposta às necessidades do país

Este apoio, no fim, acabou migrando para Baleia Rossi, e a forma como o Partido dos Trabalhadores tornou pública sua adesão à candidatura do emedebista é muito preocupante. Segundo nota do partido, “os compromissos apresentados ao candidato Baleia Rossi pelas bancadas do PT e dos demais partidos de oposição têm o sentido de enfrentar a agenda de retrocessos pautada pelo governo de extrema-direita no campo dos direitos humanos e dos direitos constitucionais, e em defesa do Estado Democrático de Direito e da soberania nacional”. Se Rossi aceitou as condições do PT e seus aliados para ter esses 119 votos, as chances de a Câmara dos Deputados ter uma ação positiva na promoção das reformas liberalizantes de que o país precisa para sair do atoleiro econômico-fiscal e de uma pauta de costumes alinhada com o sentimento geral da população brasileira ficam severamente prejudicadas.

Afinal, o que o PT chama de “agenda de retrocessos” inclui qualquer tipo de ajuste fiscal e diminuição do tamanho do Estado. As privatizações e reformas como a administrativa poderiam se ver bloqueadas, dado o poder do presidente da Câmara de definir a pauta de votações e designar relatores. A marcha lenta das privatizações, por exemplo, já rendeu várias trocas de farpas entre Maia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, que acusa o atual presidente da Câmara justamente de ter um acordo com as esquerdas para barrar os esforços de desestatização, o que Maia sempre negou, afirmando que poucas vezes o governo efetivamente enviou ao Congresso os projetos de lei para realizar as privatizações prometidas.

Também nas questões de comportamento este compromisso de Rossi com a esquerda pode manter na gaveta projetos de promoção da vida e da família, prática que foi o padrão no biênio que se encerra agora sob o comando de Rodrigo Maia. Curiosamente, o único grande projeto sobre temas morais que caminhou nestes últimos dois anos contemplava uma pauta histórica das esquerdas: o PL 399/2015 abriria margem para a legalização do plantio de maconha no Brasil e só não foi votado porque, apesar da pressa de Maia, a sociedade civil e muitos parlamentares perceberam o perigo e se opuseram de forma valorosa.

Assim, a não ser que surja uma “terceira via” capaz de conquistar centenas de votos e que combine compromisso reformista e autoridade moral, a Câmara será comandada, nos próximos dois anos, por um parlamentar enrolado em escândalos de corrupção ou por um deputado que terá de cumprir promessas feitas ao PT e outros partidos cuja pauta é radicalmente oposta às necessidades do país. Não há bom desfecho possível neste caso.
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