Em pesquisa recente realizada por professores de universidade argentina, 93% dos entrevistados se disseram contrários ao projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo e que permite o aborto até a 14ª semana de gestação.
A pesquisa foi realizada pela Cátedra de Sociologia da Universidade do Norte Santo Tomás de Aquino. Foram ouvidas 8.101 pessoas, de 23 províncias, entre os dias 20 e 24 de dezembro. Dentre elas, 70% eram mulheres, sendo 60% em idade apta para gravidez.
Apenas 6% dos entrevistados se manifestaram favoravelmente à proposta legislativa, enquanto 1% não soube opinar.
A pesquisa também perguntou se o tema era urgente: 92% responderam negativamente, sendo que 93% afirmaram que, diante da pandemia do coronavírus, este não era o momento para enfrentar o tema.
Ressalte-se que o governo socialista da Argentina teve péssimos resultados no enfrentamento à pandemia. Com efeito, em virtude das medidas draconianas de bloqueio impostas pelo presidente, o país foi um dos mais afetados economicamente na região. A pobreza entre os argentinos alcançou índices alarmantes durante o ano. Isso tudo sem que o país tenha conseguido bons resultados no tocante à saúde pública. A Argentina viu o quadro sanitário se deteriorar rapidamente no segundo semestre e hoje está entre as 20 maiores taxas de óbito por milhão de habitantes no mundo.
Esses dados realmente parecem demonstrar que a discussão sobre a liberação do aborto surge muito mais como cortina de fumaça diante de uma gestão caótica e sem resultados, a fim de manter a adesão do eleitorado mais cego e ideológico, do que como resposta a um problema prioritário do povo argentino de modo geral.
Voltando aos dados da pesquisa, ela ainda mostra que 95% dos entrevistados declararam acreditar que a vida inicia na concepção. Essa convicção está em linha com os direitos humanos na região, uma vez que o Pacto de São José da Costa Rica reconhece em seu art. 4º, 1, que: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção”.
Por fim, 67% das pessoas ouvidas na pesquisa considera que o aborto deve ser proibido sempre, enquanto 25% que deve ser liberado em alguns casos (estupro, perigo de vida para a mãe, malformação fetal).
A discrepância entre a opinião pública generalizada revelada na pesquisa e a maioria parlamentar contra a proteção penal da vida intrauterina é um forte indício de fragilidade da democracia e impotência do povo na Argentina. Aliás, esses são traços marcantes em várias nações da América Latina, fenômeno potencializado em governos socialistas de esquerda ou fisiológicos de direita.
É verdade que os órgãos de representação política não são meros delegados das opiniões majoritárias. Os órgãos legislativos possuem um aspecto deliberativo e não apenas agregativo. Não apenas contam votos e repassam posições majoritárias. Os parlamentares têm condições de trocar argumentos e aprofundar sobre os temas em nível que é inviável para as massas. Isso faz com que, algumas vezes, a posição do Parlamento contrarie a opinião majoritária da população sem prejudicar a substância de uma democracia liberal. Apenas para dar um exemplo: um número razoável de pessoas é favorável à tortura de presos, o que é inaceitável do ponto de vista moral e jurídico. Ainda que essa opinião se tornasse francamente majoritária, as instituições políticas deveriam resistir a ela, e não ceder a pressões que nesse caso poderiam ser descritas como populistas.
Contudo, não é o que ocorre no caso da proteção jurídico-penal da vida humana durante a gestação. O aborto é uma violação grave a direitos humanos, em geral atingindo um número alarmante de vítimas. A prática é francamente cruel, envolvendo enorme violência contra o feto em situação totalmente indefesa. Ademais, é praticado com o assentimento daqueles que teriam moralmente o maior dever de proteção, que são os próprios pais. Não por outro motivo, em regra, o aborto deixa marcas psicológicas profundas e brutalmente negativas no casal. Além disso, a tutela penal da vida humana encontra respaldo no direito constitucional e em dispositivos de direitos humanos, sendo mecanismo absolutamente legítimo para proteção da vida intrauterina.
Por isso, não se justifica que o Parlamento, contrariando opinião popular e de modo intempestivo, fragilize a proteção jurídica da vida humana em seus primeiros momentos, apenas para beneficiar e satisfizer elites e grupos de pressão com forte poder econômico e influência midiática.
Uma vez consumado o erro do parlamento argentino, o que resta para os defensores da vida? Creio que há várias medidas práticas. Cito aqui apenas duas. Em primeiro lugar, buscar reverter o equívoco praticado pelo Governo socialista da Argentina, que configura um lamentável retrocesso aos direitos humanos na região. Isso deve ser feito por campanhas de conscientização e sensibilização da opinião pública, especialmente, quanto a três pontos: a existência de vida humana durante a gestação; os impactos negativos sobre os casais que abortam; a crueldade que envolve os procedimentos de aborto. Em segundo lugar, é necessário formar uma rede de suporte a casais em situação de vulnerabilidade e que podem recorrer ao aborto.
André Uliano
Procurador da República. Mestre em Economia e pós-graduado em Direito. Professor de Direito Constitucional. Apaixonado por humanidades. Dedico meus estudos, particularmente, à teoria constitucional e à ciência política.
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