O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro é um homem multifásico – vale coisas diferentes para pessoas diferentes em épocas diferentes. Quando comandava a Operação Lava Jato era um herói nacional. Sozinho, sem outras forças que não fossem a própria integridade pessoal e o seu cargo de juiz numa vara da Justiça Federal em Curitiba, enfrentou e pôs na cadeia um ex-presidente da República, diretores das empreiteiras de obras públicas que costumavam governar o país e grandes estrelas do sistema de corrupção por atacado que deitava e rolava no Brasil de então.
Ao mesmo tempo, era o inimigo número um do PT, da esquerda em geral e da nebulosa de juristas amadores e profissionais que se apresentam com a marca de “garantistas” e atribuem à lei e à justiça, acima de qualquer outra coisa, o dever de absolver réus acusados de corrupção e outros crimes – sempre por “erros processuais”, ou alguma outra desculpa do mesmo tipo. Deixava horrorizados, em especial, os ministros do Supremo Tribunal Federal que operam como despachantes de escritórios de advocacia milionários, como os que defendiam o ex-presidente Lula e as megaempreiteiras corruptas. Um deles acusou Moro de criar uma “república” ilegal em Curitiba, onde estaria em vigor a “ditadura” pessoal do juiz.
Quando já estava no Ministério da Justiça foi promovido à categoria de monstro, absolutamente top de linha, pelos mesmos petistas, esquerdistas e garantistas de sempre, inclusive os internacionais, depois da divulgação de gravações ilegais de conversas que tinha tido com um dos promotores da Lava Jato. Gritou-se, pelo Brasil e pelo mundo, que estava ali a prova de que Lula era inocente dos crimes pelos quais tinha sido condenado – o criminoso, ao contrário, seria Moro. As fitas gravadas não demonstraram nada de errado. A “denúncia” derreteu — e nunca mais se ouviu falar do site de “jornalismo investigativo” que publicou as conversas, gravadas, aliás, por um “hacker” que acabaria na cadeia.
Tempos depois, Moro pediu demissão do cargo de ministro da Justiça em razão de desentendimentos crônicos com o presidente Jair Bolsonaro sobre nomeações na polícia e outros temas conexos. Transformou-se de imediato, nesse momento, num herói da esquerda que o odiava até a véspera – e, ao mesmíssimo tempo, num traíra da pior qualidade para a porção da direita bolsonarista que até aquele instante o tratava como a Santíssima Trindade concentrada num homem só.
Parte da oposição passou a delirar abertamente com a “candidatura” de Moro à Presidência da República; por uns momentos fugazes, imaginou-se que ele seria a grande “alternativa” a Bolsonaro, a quem acusava de delitos variados num processo que acabou resultando em três vezes zero.
Em sua última fase, aberta agora, Moro não é mais a esperança da esquerda, nem dos liberais e nem dos garantistas; por outro lado, tornou-se um satanás ainda mais feio para o bolsonarismo. É o resultado direto do anúncio que ele fez no dia do segundo turno das eleições municiais.
Moro, o ex-herói da Lava Jato, ex-herói da “resistência” e vilão dos dois lados em circunstâncias diversas, anunciou que vai trabalhar na consultoria americana Alvarez & Marsal – que é, imaginem só, a administradora judicial de ninguém menos que a Odebrecht, a mais notável de todas as empreiteiras condenadas pelo próprio Moro.
Entre os clientes da consultoria americana estão outras inesquecíveis vedetes da Lava Jato, como a Sete Brasil e a Queiroz Galvão. Sergio Moro, segundo ele próprio, aceitou o cargo para ajudar empresas como essas a não pecarem mais; vai mostrar a elas como “fazer a coisa certa” e ensinar como praticar “políticas de integridade e anti-corrupção”.
Não há dúvida de que Moro, segundo todos os especialistas em questões desta espécie, tem o direito de ganhar a própria vida e de ficar rico na iniciativa privada, agora que não é mais membro do governo; é muito melhor do que fazer o contrário, como é o caso de tantas estrelas da vida pública brasileira, que decidem enriquecer justo quando entram no time que está mandando.
Mas sempre é bom ficar claro que o antigo santo da luta anti-corrupção, bandido para o consórcio PT-Lula-esquerda, traidor para os bolsonaristas e esperança da “oposição”, é um homem como qualquer outro. Não é um demônio – e nem um mártir. Não é a flor do mal – e nem a flor do bem.
J.R. Guzzo
J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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