O Papa Francisco se manifesta sobre muitas coisas. Só este ano, já falou sobre racismo, pandemia e queimadas na Amazônia. Mas, ao menos até a conclusão deste texto, o Pontífice ainda não se pronunciou especificamente sobre as igrejas incendiadas pela extrema-esquerda no Chile. O silêncio papal tem levado muitas pessoas, não sei se cristãs ou não, a desconfiarem do líder da Igreja Católica. Há quem sugira que o Papa está empenhado na luta progressista e falam em “silêncio cúmplice”.
O que muitos não sabem e poucos lembram, até por conta da insuportável velocidade das redes sociais, é que o Papa Francisco já falou sobre o que aconteceu no Chile. No dia 22 de agosto, ele escreveu: “Peço a todos que parem de instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego”. E acrescentou: “Deus não precisa ser defendido por ninguém e não quer que o seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas”.
Em outra época, isso encerraria a questão e o assunto dos incêndios criminosos seria tema para as páginas policiais dos jornais chilenos e talvez para um ou outro filósofo interessado na “ética da violência”. O problema é que os ânimos estão exaltados e a caridade cristã às vezes parece inadequada para estes tempos conflagrados. Diante da imagem de uma igreja em chamas, pode ser difícil entender, quanto mais aceitar, que o cristianismo prega a misericórdia, não o confronto.
Medo de eliminação
É compreensível que muitos cristãos desejem do Papa Francisco uma reprimenda aos manifestantes chilenos que dessacralizaram duas igrejas. Afinal, eles temem que na ação da extrema-esquerda esteja um prenúncio de seu fim, do seu aniquilamento. Houve até quem comparasse as igrejas incendiadas à famigerada Noite dos Cristais promovida pelos nazistas, sugerindo que o confronto e a reprimenda papal são necessários para a própria sobrevivência do cristianismo e dos cristãos.
Mas aí é que está o xis da questão. Por algum motivo, de uns tempos para cá fomos levados a acreditar que a Verdade deve se impor pela força, sempre pela força, e nos esquecemos de que a verdadeira força, para os cristãos, está na misericórdia. Na busca por entender o que levou aquelas pessoas a destruírem as igrejas. Seria uma visão distorcida da história? Seria ganância pura e simples? Ou seria até uma orfandade espiritual?
No afã de buscar uma ordem em meio ao caos, de ver vingada a fé e de restituir alguma paz ao mundo, buscamos subjugar de alguma forma aqueles que consideramos seres de caráter duvidoso, diabólicos, a encarnação do Mal e coisas do gênero. Os gestos de triunfo dos adversários, transformados em inimigos, são uma humilhação insuportável. E é muito natural que queiramos ver extirpada da sociedade uma visão de mundo que promove o ódio em nome do amor.
Mas será a força, tanto a física quanto a da palavra, o melhor instrumento para isso? Não é. Se fosse, Jesus não teria se submetido a Pilatos e ao povo que escolheu libertar Barrabás, pedindo ao Pai que fosse misericordioso com aqueles que o mandavam para a cruz.
Deus vult
O problema é que muitos cedem à tentação de ver o pontificado de Francisco sob o prisma da política ocidental e de vários conceitos que não se aplicam à Igreja. Como se Francisco fosse um candidato perpétuo à reeleição, sujeito ao voto de confiança ou desconfiança dos fiéis. Como se as palavras dele sobre racismo, sobre pandemia e até sobre a Amazônia pretendessem ecoar apenas no ambiente mundano do poder secular.
O segredo para entender essa aparente contradição talvez esteja na declaração de Cristo, do qual o Papa é o representante, de que Seu Reino não é deste mundo. Deste mundo são as feministas chilenas com seus coquetéis molotov. Deste mundo são as consequências político-eleitorais dos atos contra a fé. Deste mundo é a briga entre esquerda e direita. Deste mundo é o desejo de eliminar aquele que pensa diferente.
Deste mundo é o discurso incisivo, o chamado às armas, o desejo de punição, de vingança, de reunir meia-dúzia de amigos, atravessar a cordilheira dos Andes montado a cavalo e invadir Santiago aos gritos de Deus vult.
As virtudes do silêncio
Por isso acredito que o Papa Francisco, para a decepção de uns e alívio de outros, não dirá nada sobre as igrejas queimadas no Chile. Como me advertiu um amigo, é algo perigoso de se dizer e deixar registrado aqui. Os tempos são estranhos e posso queimar a língua, ou melhor, a ponta dos dedos. Mas acho que o Papa optará pelo silêncio. Não o silêncio cúmplice, como querem alguns, e sim o silêncio sábio e humilde, inspirado por Deus.
Até porque o silêncio tem sobre a palavra, qualquer palavra (incluindo as escritas aqui), mas principalmente as mais enfáticas, várias vantagens. É no silêncio, por exemplo, que refletimos a fim de, no momento oportuno, expressarmos a misericórdia e o perdão. É no silêncio que nos percebemos também incendiários (metaforicamente falando, claro), que nos vemos como pecadores e falhos, incapazes, portanto, de criar na Terra uma versão do Paraíso – ideia arrogante que está na essência macabra de todos esses movimentos que atuam sob o guarda-chuva do marxismo.
Paulo Polzonoff Jr.
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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