Como briga política na Câmara ameaça inviabilizar a execução dos gastos públicos em 2021

Líder do Centrão deputado Arthur Lira (com o dedo em riste) tenta emplacar aliado na presidência da CMO: reunião para instalação da Comissão do Orçamento em setembro terminou sem acordo.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A pouco mais de dois meses do fim do ano, o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ainda não instalou a Comissão Mista de Orçamento (CMO), grupo que reúne deputados federais e senadores, e que têm como tarefa aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), normas que regulam os gastos públicos para o próximo ano. A demora para a instalação na CMO tende a afetar a execução do gasto público em 2021.

Alcolumbre já adiou por duas vezes a instalação da comissão — a promessa é que isso ocorra, sem falta, neste mês. Em condições normais, o colegiado sempre era constituído no primeiro semestre do ano. Neste ano, foram dois os principais motivos para o atraso: a pandemia, já que o primeiro semestre foi dedicado a votar temas relacionados à Covid-19, e agora uma disputa política pelo comando do colegiado.

O senador disse esperar um acordo entre os lados da disputa, mas indicou que, caso o consenso não chegue, a situação será resolvida pelo voto. A situação é inusitada, já que habitualmente o presidente da comissão é escolhido por acordo.

Disputa pela presidência da Câmara é pano de fundo de impasse no Orçamento

A briga pelo comando da CMO tem em um dos lados o DEM, partido de Alcolumbre, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), e do deputado Elmar Nascimento (BA), que busca ser o presidente da comissão. E do outro lado o principal expoente é Arthur Lira (AL), líder do PP na Câmara e um dos principais nomes do Centrão, bloco que faz parte da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo Nascimento e outros membros do DEM, um acordo havia sido firmado no início do ano para que a presidência da CMO ficasse com o partido.

O grupo de Lira, por sua vez, alega que tal acordo foi fechado quando o DEM integrava o chamado “blocão”, grupo de partidos abandonado pela legenda em julho. Como o DEM não integra mais o bloco, a presidência da CMO deveria ir para outro integrante do grupo – e Lira apresentou o nome da deputada Flávia Arruda (PL-DF), sob a alegação de que o partido da parlamentar é o que mais terá integrantes na CMO.

Como pano de fundo da história está a briga pela presidência da Câmara, que tem eleições marcadas para fevereiro. Lira é pré-candidato, e Nascimento também é um dos nomes mencionados para comandar a Casa. Influenciar no comando da CMO representaria uma importante prova de força para Lira.

A indicação de Flávia Arruda para o posto se tornou um ponto de celebração para parte das deputadas da Câmara. Parlamentares de diferentes partidos, como Tabata Amaral (PDT-SP), Tereza Nelma (PSDB-AL), Luíza Canziani (PTB-PR) e Soraya Santos (PL-RJ) elogiaram a possível ida da representante do Distrito Federal ao comando da CMO, e enfatizaram que nunca uma mulher presidiu a comissão.

A coordenadora da bancada feminina na Câmara, Dorinha Seabra (DEM-TO), no entanto, disse ao site O Antagonista que a candidatura de Flávia “não é uma candidatura construída pela bancada feminina”. A Gazeta do Povo procurou Flávia Arruda para falar sobre a candidatura, mas não obteve retorno.

Começo turbulento pode dificultar trabalho, diz ex-presidente da CMO

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) foi o presidente da CMO em 2019. Na ocasião, ele chegou ao posto por aclamação, após acordo entre os partidos. Segundo ele, a falta de um consenso na instalação do colegiado em 2020 pode causar problemas em toda a continuidade dos trabalhos do grupo.

“A comissão tem por tradição votar as matérias de maneira consensual. Imaginem a quantidade de assuntos que se tem para discutir e votar. Se não houver consenso para cada coisa que se for votar, se houver todo tipo de obstrução, o trabalho fica inviável”, diz.

Castro lembra o acordo que o levou à presidência em 2019: na ocasião, houve o entendimento de que o comando da comissão ficaria com o MDB do Senado e a relatoria com um deputado do chamado blocão da Câmara. O relator escolhido foi Domingos Neto (PSD-CE).

O consenso no Congresso é de que a presidência é alternada entre deputados e senadores. Portanto, o comando em 2020 ficaria mesmo com um deputado federal, com a relatoria cabendo a um senador – o posto já foi definido para Márcio Bittar (MDB-AC). O relator da LDO, outra norma votada pela CMO, será o senador Irajá Abreu (PSD-TO).

O senador cita que a fragmentação do blocão da Câmara explica o problema de 2020, e pontua: “as forças conciliadoras do Congresso estão dedicadas a articulações para aparar as arestas”. “E o remédio para todos os males se chama voto”, disse.

Do lado da oposição, a postura é de expectativa para que os parlamentares mais alinhados com o centro e com o governo do presidente Jair Bolsonaro se resolvam. “Nós do PCdoB torcemos para que eles se entendam e que a comissão seja instalada”, diz a líder do partido, deputada Perpétua Almeida (AC). A parlamentar enfatiza que considera “esquelético” o orçamento da União para 2021, e declara: “não vejo uma grande mobilização para se cuidar do Orçamento, e sim uma disputa por interesses”.

Análise semelhante foi feita pelo próprio presidente da Câmara. Em entrevista ao site O Antagonista, Rodrigo Maia chamou a contenda pelo comando da CMO de “desnecessária”. “Do meu ponto de vista, é uma briga menor, desnecessária, que não vai levar a lugar nenhum”, disse. “A gente não deve perder energia com besteira. O principal é a PEC emergencial, vamos cuidar dela”, acrescentou.

Impasse prejudica o controle das contas, diz senador

À Gazeta do Povo, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) disse que o atraso na instalação da CMO é muito prejudicial para o país.

“Prejudica e prejudica muito o controle das contas públicas. Quando eu fui relator do plano plurianual, o que eu fiz de reuniões com técnicos do governo e do Congresso, representantes da sociedade civil, representantes dos ministérios… Foi quase um ano trabalhando para apresentar o relatório”, lembra o senador, que foi relator do projeto de lei do Plano Plurianual (PPA) de 2020 a 2023, que precisa ser aprovado no início de cada mandato presidencial.

“O Orçamento de 2021 vai acabar dependendo muito do relator”, completa. Ele acrescenta que, por causa das sessões a distância, em virtude da pandemia, muitas vezes o relator entrega o texto muito em cima da hora, não dando tempo de os demais congressistas se aprofundarem no projeto e sugerirem modificações, o que também prejudica as discussões.

Oriovisto alerta, ainda, que a sociedade precisa ficar atenta caso o Congresso queira criar no Orçamento de 2021 as chamadas emendas de relator, em que o relator define onde será aplicada parte das verbas públicas do ano que vem. O medo do senador é que haja um acordo para liberar emendas em troca de votos nas eleições para presidência da Câmara e do Senado.

“É inegável que existe muito interesse político [na CMO], sobretudo se houver aquelas famosas emendas do relator, que houve tentativa de fazer ano passado e parece que vão tentar de novo”, afirma Oriovisto.

“É claro que vai haver uma luta, o Rodrigo Maia vai tentar fazer o presidente [da CMO], o Davi Alcolumbre vai tentar fazer o relator. E se tiver essas emendas do relator, isso para uma reeleição da presidência da Câmara e do Senado é um negócio perigosíssimo. Porque assim pode haver uma comercialização de posição: se você votar em mim pra reeleição, eu prestigio a sua região na emenda de relator”, explica.

Atraso no Orçamento não chega a ser inédito…

A demora na análise do Orçamento não chega a ser inédito. O Congresso Nacional já atrasou diversas vezes a votação nas últimas décadas e, em 2015, chegou a começar o ano sem que a peça orçamentária tivesse sido aprovada. Mas é pela primeira vez desde a Constituição de 1988 que o país chega a outubro sem ter sido instalada a CMO.

A CMO é a comissão responsável por votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). Depois, os projetos precisam ainda passar pelo plenário do Congresso e ir para sanção presidencial.

A LDO é uma prévia do Orçamento enviada pelo governo impreterivelmente até abril e que, em tese, deveria ser aprovada pelos parlamentares até julho, antes do recesso do meio do ano. Já o PLOA é o Orçamento em si para o próximo ano. O projeto é enviado pelo governo ao Legislativo até 31 de agosto e deveria ser aprovado pelos congressistas até o fim do ano.

Os prazos do Legislativo, contudo, só valem de fato no papel. Em sete vezes nos últimos 20 anos, o Congresso Nacional só aprovou a LDO no último trimestre do ano. A situação mais caótica foi verificada nos anos de 2006, 2014, 2015 e 2016, quando a aprovação só aconteceu em dezembro.

…mas execução das contas públicas fica em risco

Em 2014, o Parlamento encerrou o ano sem aprovar o PLOA, que é o Orçamento em si. Com isso, o país iniciou 2015 sem um Orçamento aprovado. A sorte foi que a LDO já tinha sido aprovada em dezembro, prevendo como seriam feitos os gastos governamentais essenciais.

Com isso, em 2015, o Executivo pôde gastar no começo do ano apenas 8,33% do valor previsto para o custeio da máquina pública. Investimentos e outras despesas não obrigatórias não puderam ser executadas até a aprovação da PLOA. O Orçamento de 2015 só foi aprovado e sancionado em março.

Técnicos de Orçamento do Congresso informaram à Gazeta do Povo que o país nunca iniciou um ano sem a aprovação da LDO. Caso isso aconteça em 2021, o país cairia num limbo jurídico, pois não haveria uma lei aprovada e sancionada guiando como devem ser feitos os gastos públicos essenciais. Em tese, nenhuma despesa poderia ser executada, incluindo as obrigatórias – até que, pelo menos, a LDO seja aprovada.

Be the first to comment on "Como briga política na Câmara ameaça inviabilizar a execução dos gastos públicos em 2021"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*