Entre todos os itens da agenda BC+, de medidas de desburocratização, barateamento e regulamentação de inovações no setor financeiro, o open banking é a grande missão do Banco Central em 2019. Espera-se que um desenho do modelo a ser adotado no Brasil seja apresentado ainda neste primeiro semestre e que ele seja colocado em prática em duas ou mais fases nos anos seguintes.
Pelo conceito do open banking, os dados financeiros pertencem ao cliente, que pode escolher compartilhá-los com qualquer instituição financeira, para que ela ofereça a ele serviços mais baratos e melhores. Bancos tradicionais, digitais e fintechs poderão oferecer toda uma gama de produtos e serviços não só aos seus próprios clientes, mas aos clientes das outras instituições, de pagamentos instantâneos a crédito pessoal mais barato devido a uma avaliação de perfil mais profunda e ágil. O termo técnico para isso, segundo o Rafael Pereira, CEO da Rebel, plataforma online de empréstimos pessoais, é a interoperabilidade do sistema.
Isso já acontece hoje, em alguma medida, com quem usa o aplicativo de organização financeira GuiaBolso e o autoriza a acessar dados do banco para monitorar suas finanças ou mesmo com as pequenas empresas clientes do Banco do Brasil que abrem seus dados na instituição para o sistema da startup de gestão financeira ContaAzul.
Na prática, o open banking é feito por meio de Interfaces de Programação de Aplicação (APIs, na sigla em inglês), portanto os dados não são, efetivamente, visíveis a qualquer um dos atores do sistema e nem podem ser compartilhados livremente. É algo mais sofisticado, mas semelhante ao que foi pensado para o cadastro positivo, o rol de bons pagadores que está à espera da sanção do presidente Jair Bolsonaro, em que um sistema de score ou notas foi criado pelos bureaus de crédito como forma de usar esses dados.
Olhando para o que já está andamento no mundo hoje, o BC tem três caminhos para o open banking: o da regulação abrangente, com padronização das APIs, controle dos diferentes prestadores do serviço e sistema de governança responsável, por exemplo, por resolver disputas entre empresas e revisar periodicamente os padrões estabelecidos (caso do Reino Unido); o da regulação dos padrões de APIs, apenas, e adoção, mais tarde, de um papel de observador de uma etapa seguinte de autorregulação (caso de Singapura); e o da abertura dos dados seguida de uma autorregulação por si só, tendo a autoridade monetária mais como uma observadora de todo o processo (caso dos Estados Unidos).
Segundo fontes do mercado que acompanham de perto as discussões sobre a regulamentação do open banking, o Brasil deve ter um modelo híbrido, importando boas práticas já em andamento em outros países, mas também olhando para soluções que façam sentido no próprio quintal.
Seja como for, a tendência é de que open banking aumente gradativamente a competição no setor financeiro do país e, o mais importante, reduza custos.
“O princípio do open banking já foi endereçado na Lei Geral de Proteção de Dados e está aí: ‘o dado é do cliente e tem que ser guardado de maneira segura’”, ressalta Pietro Bonfiglioli , cofundador da Fisher Venture Builder, que lançou no último mês de fevereiro o estudo “Regulação na era das fintechs”, em parceria com KPMG, Huck Otranto Camargo, Mutual, goLiza e Mercado Bitcoin.
Para Bonfiglioli, foi a postura pró-inovação do BC nos últimos anos que possibilitou a regulação em áreas como meios de pagamento, crédito e crowdfunding e incentivou o crescimento do ecossistema de fintechs no país: de 53, em 2014, para 419, em 2018. Embora a agenda BC+ tenha sido criada em 2017 na gestão de Ilan Goldfajn, sob o governo de Michel Temer, ela foi abraçada pela nova gestão de Roberto Campos Neto, do governo Bolsonaro.
A postura pró-ativa das próprias startups da área também tem sido fundamental. Há cinco ou seis anos, o comportamento geral dessas empresas era focar na solução das dores do usuários de maneira micro, passando bem longe de discussões com autoridades monetárias.
De uns tempos para cá, viram-se, no entanto, obrigadas a adotar uma atuação macro para realmente mudar o jogo do setor financeiro brasileiro. A recente criação de entidades como a Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD) é parte desse esforço de encabeçar esse tipo de discussão de forma conjunta entre as fintechs.
“O próprio BC tem feitos convites e procurado conversar com os protagonistas desse sistema, sentando não só com os bancos, mas com fintechs e outros players do mercado “, conta Benjamin Gleason, cofundador do GuiaBolso, que compõe também a ABCD.
Open banking trará oportunidades para todos
Ele acredita que mesmo que o BC consiga implantar alguma fase do open banking neste ano, os impactos da medida só devem vir em 2020, 2021. Gleason fala isso até mesmo por experiências como a do Reino Unido. Neste semana, a autoridade monetária deu uma bronca nos cinco maiores bancos do país por estarem demorando a adotar as funcionalidades do open banking em seus aplicativos para smartphone e determinou que essas instituições contratem agentes externos para acompanhá-los nessa adequação. Ou seja, mesmo em um processo mais controlado e fomentado pelo órgão público, a implementação do open banking enfrenta resistências e dificuldades.
Embora a princípio, os bancos se mostrem mais resistentes à ideia, o open banking trará oportunidades para os grandes e pequenos players do setor.
Para Bradesco, Banco do Brasil e Itaú, a grande vantagem para os bancos será enxergar operações que antes não passavam pela sua instituição, e isso ampliaria o leque de dados que o banco poderia tratar.
“Se não tiver modelo de negócio com cesta de open banking, dados e inteligência artificial, dificilmente a empresa consegue sair vitoriosa”, afirmou Gustavo Fosse, diretor de TI do Banco do Brasil.
Maurício Minas, do Bradesco, destacou que, com o open banking, a receita com tarifas e também os spreads (a diferença entre o custo de captação e os juros cobrados dos clientes) tendem a cair, e que os bancos precisam estar preparados para conseguir receitas com outros benefícios do open banking. Isso viria da venda de informações processadas por big data, defendeu Minas.
Atualmente, os bancos já fecham acordos voluntários com outras instituições e precisam submeter contratos a uma longa avaliação jurídica, para garantir que não haverá quebra de sigilo bancário. Com o open banking, isso acontecerá de mais segura e rápida.
De quem é a responsável final pelos dados?
Embora vejam todas essas vantagens competitivas com o open banking, os bancos temem o espaço que essa regulamentação pode abrir para gigantes da tecnologia, como a Amazon e Google.
“O GuiaBolso tem hoje 500 mil clientes. Imagina se a Amazon, com os clientes dela, decidisse a cada dois minutos bater no banco para consolidar o extrato do cliente? Esse é o grande risco que a gente corre”, disse o presidente do Bradesco, Octávio de Lazari, no fim de março.
Ele disse isso se referindo à responsabilidade solidária dos dados dos clientes prevista na regulamentação do cadastro positivo e que, provavelmente, também figurará numa regulamentação do open banking.
No geral, o grande objetivo dos bancos no país hoje é o ganho de escala nas operações de crédito, como forma de ganhar rentabilidade frente à inevitável queda do spread bancário. Lazari admite que a cobrança de tarifas perde cada vez mais espaço frente às ofertas de produtos e serviços gratuitos ou com custo muito abaixo da média do mercado por parte de fintechs e bancos digitais.
Não há, porém, qualquer ilusão de que os bancos, sozinhos, conseguirão barrar a inovação no setor financeiro. Lazari deposita suas esperanças no banco digital Next, hoje com cerca de 700 mil clientes. Seu concorrente, o Nubank, já tem mais de 4 milhões de NuContas no país. “A nossa expectativa é que a partir do segundo semestre o Next não dependa em nada do Bradesco, nem para resultado”, afirmou o presidente do Bradesco.
Para ele, a maior preocupação do Bradesco é garantir que esses novos clientes, que não estariam no Bradesco, se tornem clientes a partir do Next.
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