Foi com algum pesar, mas nenhuma surpresa, que li o artigo “Nazistas, assassinos, abusadores, corruptos e milicianos estão no poder”, de Antônio Prata, publicado na Folha de São Paulo no sábado (29). A ideia geral que Prata tenta desenvolver é essa aí do título: o Brasil é um inferno controlado pela escumalha, estamos destinados ao esgoto da história, salve-se quem puder!
Esse tipo de argumento não é novidade. Tanto é assim que ninguém mais se escandaliza com a linguagem violenta e insultuosa com que Prata trata a grande massa formada por apoiadores de Jair Bolsonaro e também aqueles que estão só tentando viver a sua vida da melhor forma possível.
Com um pouquinho mais de elegância, mas mantendo o tom agressivo de superioridade moral, João Moreira Salles também se deu ao trabalho de dizer que, bom, se você não é contra Jair Bolsonaro 24 horas por dia, é porque você se regozija com “o corpo baleado no chão, o traficante executado, o homossexual espancado, a moça trans agredida, o esquerdista desacordado, o indígena ferido”.
Não vou, aqui, apontar todos os muitos problemas do texto de Prata – alguém que, aparentemente, “leu a Bíblia de cabo a rabo” para concluir que a divindade de Jesus está no fato de ele não ter confundido a lepra com uma “micosezinha”. Mais válido, acredito, é tentar entender por que parcela considerável dos “intelectuais”, e a despeito das muitíssimas provas em contrário, ainda acredita no poder dessa retórica suja para, supostamente, convencer o leitor (e eleitor) de que a “solução final” para o Brasil substituir o Presidente atual por vocês-sabem-quem.
Antes, porém, é preciso se perguntar se o que esses beletristas querem é mesmo o convencimento por meio da persuasão enfática, se eles estão em busca de um anacrônico “confronto restaurador” ou se nem uma coisa nem outra. Eu apostaria na terceira opção. Afinal, para que Prata, Moreira Salles, Schwartsman, Schwarcz e Márcia Tiburi se dariam ao trabalho de elaborar um raciocínio sólido e sensato, capaz de promover um embate virtuoso de ideias, se de antemão contam com o aplauso entusiasmado da bolha revolucionária e eternamente insatisfeita?
Suponho que Prata, como muitos escritores que conheci, tenha um quê de Émile Zola ou, no mínimo, Carlos Lacerda. Mesmo sabendo que é mais fácil ganhar na loteria, ele acredita que seu texto haverá de mudar o rumo do país, do mundo, do Universo. Que aquela conjunção bem colocada ao lado daquele adjetivo preciso fará com que os leitores desertem das fileiras inimigas, transponham corajosamente a Terra-de-ninguém e se ponham a lutar o combate nobre, elevado e correto do socialismo.
O que não faz sentido nenhum. Ou você já viu alguém que, insultado no atacado por um artigo de jornal, tenha dito diante do espelho: “Nossa, eu sou um nazista mesmo! Sou um assassino. Eu apoio miliciano. Que nojo de mim mesmo! Vou mudar radicalmente o que penso”?
(E, antes que perguntem, é claro que percebo a minha contradição aqui, escrevendo como se quisesse que Antônio Prata e seus correligionários pusessem a mão na consciência e revissem, se não a argumentação, ao menos seu vocabulário de xingamentos. Mas não sonho tão alto assim).
Prata e outros com mais ou menos talento que usam a palavra para promover uma agenda política são herdeiros da ideia cínica de que a arte existe apenas e tão-somente para incomodar. É o que chamo de Escola Víbora de Jornalismo ou Escola Soco na Boca do Estômago de literatura – embora o termo possa ser aplicado a qualquer forma de arte. Ela se resume a uma tentativa brutamontes de levar o ouvinte, leitor ou espectador a ter uma epifania quando estiver no chão, todo encolhido e tentando recuperar o fôlego depois do golpe.
Há quem goste. Eu cada vez mais admiro quem consegue me fazer mudar de ideia sobre alguma coisa por meio do convencimento criativo, sutil, sugestivo – até bolo de chocolate no dia da eleição é mais digno. Alguém que compartilhe um olhar desprovido de interesses mesquinhos do tipo “mudar o mundo” ou “implementar o Paraíso na Terra” ou “destruir tudo isso que está aí”.
Alguém que me respeite porque sou um ser humano cheio de defeitos, mas que todos os dias se esforça para ser uma pessoa um pouquinho melhor.
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Paulo Polzonoff Jr.
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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