De acordo com a última pesquisa do Datafolha, 37% dos brasileiros consideram o governo ótimo ou bom; a reprovação caiu dez pontos. Hoje, apenas 34% o rejeitam totalmente. Além disso, 47% dos inquiridos não atribuem qualquer responsabilidade de Jair Bolsonaro na gestão da crise sanitária.
O perfil do eleitorado também mudou. Bolsonaro venceu chacoalhando a mal compreendida agenda privatista; com a erosão da equipe e Paulo Guedes rebaixado à função de gandula do Centrão, a reeleição dependerá da conivência dos caciques e do auxílio que socorre os mais pobres e afetados. Eleito ao Sul, reeleito ao Norte.
Ao contrário do presidente, que desconfia dos institutos e da Folha de S. Paulo, eu costumo levar a sério as pesquisas de opinião. Portanto, acredito que os números correspondem aos fatos. Mas o que números e fatos querem dizer?
Vai saber. Mas rechaço essa gororoba culturalista, um pseudofilosofia da história, que pretende ver significados profundos nas curvas de aprovação e reprovação. Dizem que o povo se cansou da patacoada esquerdista, e por isso resolveu assumir o ideário “liberal-conservador”. Bobagem. Nem a patacoada esquerdista, nem o ideário liberal-conservador roçaram a atenção do povo.
Ora, como é que o povo que elegeu Bolsonaro com maciça votação tinha antes eleito Dilma, duas vezes, e Lula, outras duas, com votações tão expressivas quanto? O povo era socialista e se converteu ao fascismo? O povo, há poucos anos, se preocupava com os pobres e agora não se preocupa mais?
Não, o brasileiro não era ideologicamente socialista quando elegeu Lula e Dilma, nem é ideologicamente fascista por eleger – e se vier a reeleger – Bolsonaro. Existem uns e outros, nas redações e nas universidades, nos condomínios e nos sindicatos, nos botecos e nos cineclubes, mas o grosso da população tem outras prioridades – e comete outros erros.
O eleitor é um “ignorante racional”: desloca sua preferência àqueles que acenam com soluções concretas e imediatas, ainda que perigosas ou prejudiciais a longo prazo. “O que se vê e o que não se vê”. Por isso os escândalos de corrupção não incomodaram Lula e deram uma segunda chance a Dilma; por isso o escândalo sanitário tem feito cócegas na popularidade de Bolsonaro. It is what it is.
Bolsonaro tem óbvia responsabilidade nas mais de 100 mil mortes, mas agora enfrenta concorrência acirrada. Governadores e prefeitos, depois de alguns primeiros ensaios de bom-senso, deixaram a retórica cientificista desmanchar sob o granizo do populismo eleitoral. O futebol voltou e já comemoramos os campões regionais e contabilizamos os pontos corridos do Brasileirão. O transeunte que não teve parente morto, internado ou aleijado, tratou logo de baixar a guarda e, com ela, a arriar a máscara. O álcool-gel sobra nas prateleiras.
Nesta selva selvaggia tropical e antropofágica, o brasileiro é um bicho que se adapta muito rapidamente, por descaso ético ou instinto de sobrevivência, a qualquer versão de normalidade. A tragédia não é de hoje nem terminará amanhã. Se “nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos”, o governo, seja qual for, à esquerda e à direita, é feito da mesma matéria de seu povo. Não será pior ou melhor do que ele.
Gustavo Nogy
**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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