Doutrinação política em universidade pública pode, mas em igreja, não. Esta é a posição do ministro Edson Fachin em relação a propaganda política em espaços públicos em período de eleições. Ele quer mordaça para pastores e liberdade para professores universitários.
Enquanto ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fachin sugeriu recentemente a criação de um novo tipo penal eleitoral: o abuso do poder religioso. A intenção é punir pastores, por exemplo, que sejam candidatos e façam campanha nos encontros com seus fieis. A decisão depende dos votos dos demais ministros num julgamento que será retomado nesta quinta-feira (13).
O curioso é que em outra corte da qual faz parte, o Supremo Tribunal Federal (STF), o mesmo ministro tenha se posicionado a favor da liberdade de expressão, só que para outra categoria profissional: os professores universitários. São dois pesos e duas medidas aplicados sobre a liberdade de expressar posicionamentos políticos.
Campanha eleitoral em universidades
Edson Fachin não foi o único ministro favorável à liberdade de expressão de professores universitários. Em maio, no julgamento de uma ação no Supremo Tribunal Federal (ADPF 548), votou junto com todos os colegas a favor da liberação de campanhas políticas por docentes em universidades públicas, ignorando o que diz a lei eleitoral. Eles optaram pela prevalência de direitos constitucionais.
Pela constituição brasileira a liberdade de pensamento e de expressão é garantida a qualquer um, em todos os lugares, desde que a pessoa não se esconda no anonimato, já que precisa responder por danos morais caso cometa os crimes de calúnia, injúria ou difamação contra outras pessoas.
Foi em nome dessa garantia constitucional que os ministros do STF decidiram por unanimidade a favor dos professores universitários que fazem campanha de candidatos na sala de aula. Eles anularam sentenças de juízes eleitorais que, em 2018, mandaram apreender material de propaganda política em ambiente universitário a favor do então candidato Fernando Haddad, do PT.
Leia mais em: STF libera propaganda eleitoral em universidades públicas
Vale relembrar o caso. No 2° turno da última eleição presidencial, houve denúncias de que coordenadores de cursos e professores universitários estavam classificando o então candidato Bolsonaro de fascista, durante as aulas, em diversas universidades. E não apenas caluniando e difamando, mas também espalhando notícias falsas que favoreciam o adversário Fernando Haddad, além de divulgar abertamente a candidatura do petista.
Dois exemplos: em Campina Grande (PB), professores percorreram as salas de aula pedindo explicitamente o voto no número 13 (do PT) e difundiram a informação de que as universidades federais passariam a cobrar mensalidade caso Bolsonaro vencesse. Na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul, chegaram a realizar uma aula “pública” com o título “Esmagar o fascismo – o perigo do candidato Bolsonaro”.
Universidades públicas são investigadas por suposta propaganda eleitoral
Após as denúncias chegarem à justiça eleitora, juízes emitiram mandados de busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha em 21 universidades e também em salas de professores. Os juízes se basearam na lei eleitoral (Lei 9.504/1997, artigos 24 e 37), que proíbe a propaganda de candidatos em espaços públicos, como é o caso das universidades federais e estaduais.
Só que a procuradora-geral de Justiça da época, Raquel Dodge, decidiu encaminhar para o STF uma ação pedindo que os ministros analisassem a questão. Foi então que, por unanimidade, os onze disseram que os professores podiam sim falar o que quisessem e até fazer campanha em nome da liberdade de pensamento e de expressão.
Embora a decisão tenha vindo com bastante atraso, em maio de 2020, a anulação das sentenças judiciais daquela época vai estimular professores a repetir o que faziam em 2018 nas eleições municipais desse ano.
É importante lembrar que professores de Direita vivem denunciando perseguição dentro das universidades públicas, se dizem impedidos de manifestar opiniões, quiçá de fazer campanha no ambiente universitário, dominado pela esquerda. São vítimas de intimidação, assassinato de reputação e até de ameaças de agressões.
Vale a reflexão: será que se em 2018 professores de Direita tivessem espalhado para os alunos que Haddad era fascista e distribuído panfletos pedindo votos para Bolsonaro – e os juízes eleitorais tivessem proibido essa propaganda -, os ministros do STF teriam derrubado o entendimento dos juízes em nome da liberdade de pensamento dos professores de Direita?
Liberdade de expressão de líderes religiosos
A discussão sobre abuso religioso veio à tona no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o julgamento de outra ação, a que pede a cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares (Republicanos), da cidade de Luziânia (em Goiás). Pastora da Assembleia de Deus, ela foi acusada de ter usado a posição na igreja para promover a candidatura, influenciando o voto de fiéis.
O problema é que não existe o crime eleitoral de abuso de poder religioso, apenas os de abuso de poder político e econômico. Cassar o mandato de alguém por ter cometido uma infração que não existia no código eleitoral será uma injustiça, até porque, se os fiéis foram os responsáveis por sua eleição é porque, provavelmente, sentem-se representados por ela.
Quanto a aprovar o novo tipo penal de abuso religioso, com validade já para as eleições de 2020, como sugere Fachin, nos remete à provocação do título deste artigo: doutrinação política em universidade pública pode, mas em igreja, não?
Você pode até argumentar, que os professores flagrados fazendo campanha em 2018 nas universidades federais não eram candidatos, ao contrário da pastora de Luziânia. Mas se criarem o crime eleitoral de abuso do poder religioso, quem garante que um padre ou pastor que não seja candidato estará livre para comentar sobre questões morais associadas a determinada ideologia política?
E quem vai definir o que é abuso ou não? O que é liberdade de pensamento e de expressão e o que é mera indução a voto?
Seria democrático que as universidades promovessem debates sobre as ideias dos candidatos de Esquerda, de Centro, de Direita, envolvendo professores e alunos, para que todos tivessem acesso à diversidade de pensamento e liberdade para formar sua opinião.
Quanto às igrejas, deveria, da mesma forma, haver liberdade para pastores e fieis discutirem com seus fieis pontos que achem relevantes dentro daquilo em que eles acreditam. Afinal, quem está lá, quer ouvi-los.
Cristina Graeml
Cristina Graeml é jornalista formada pela UFPR (1992). Trabalhou como repórter de TV por 26 anos, fazendo coberturas nacionais e internacionais. Em 2010 fez parte da equipe que ganhou o Prêmio Esso e o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, entre outros, pela série Diários Secretos da Assembleia Legislativa do Paraná. Está na Gazeta do Povo desde 2018. **Os textos da colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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