Mesmo com Lava Jato sob ataque, CPI para investigar operação é desejo improvável do PT

Apesar do ambiente de cerco vivido pela Lava Jato, que sofre ataques do procurador-geral da República, Augusto Aras, e de outros figurões de Brasília, a proposta de criação de uma CPI da Lava Jato para apurar possíveis abusos da operação tende a continuar engavetada na Câmara. Deputados de centro e da direita não-bolsonarista rejeitam abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito com essa finalidade.

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no Congresso também descartam apoio à investigação — ainda que a principal estrela histórica da Lava Jato, o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, tenha se transformado em persona non grata entre bolsonaristas. E mesmo na esquerda existe divisão em relação ao tema. Hoje, a ideia da CPI é mais um movimento do PT do que da oposição como um todo.

A ideia da CPI da Lava Jato voltou à pauta nos últimos dias resgatada por petistas motivados pelas falas de Aras, que mencionou supostos “segredos” da Lava Jato e afirmou que o “lavajatismo” não pode perdurar. O líder Enio Verri (PT-PR) e outros membros da bancada, como José Guimarães (PT-CE), Carlos Zarattini (PT-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS), cobraram de Maia a instalação da comissão.

O pedido que está sob a mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não é novo — data do ano passado, e teve como motivação a divulgação de supostas conversas via aplicativo de mensagem entre Moro, o coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, e outros integrantes da força-tarefa. À época, a oposição conseguiu reunir 176 assinaturas em apoio à CPI, número suficiente para a criação do colegiado. Maia, entretanto, não confirmou a efetivação da comissão, e o assunto se esfriou.

Com 2020 e as atenções voltadas para o combate à Covid-19, a CPI da Lava Jato parecia um assunto encerrado, até as falas recentes de Aras. “Precisamos abrir de forma urgente a CPI para tratarmos da Operação Lava Jato. É preciso que todos os setores da sociedade fiquem sabendo exatamente que papel essa operação vem cumprindo para corromper a democracia brasileira”, defendeu Guimarães em seu perfil no Twitter, no último sábado (1º).

CPI da Lava Jato não é unanimidade nem entre a oposição

O pedido de CPI apresentado na Câmara no ano passado teve como autor inicial o deputado André Figueiredo (PDT-CE) e foi endossado também por Alessandro Molon (PSB-RJ), Daniel Almeida (PCdoB-BA), Ivan Valente (Psol-SP), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Orlando Silva (PCdoB-SP), Paulo Pimenta (PT-RS) e Tadeu Alencar (PSB-PE). Mas, nos dias atuais, a união dos diversos partidos para a requisição da comissão não se mostra mais tão fortalecida.

Não que o julgamento de PDT, Psol, PSB e PCdoB sobre Moro e a Lava Jato tenha se modificado. A questão é de prioridade, segundo explicou à Gazeta do Povo o deputado de um destes partidos, que optou por não se identificar. O parlamentar colocou que prefere destinar seu foco hoje a outros temas, como os erros do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus e na área ambiental.

Levantamento nos sites das bancadas de PDT, Psol, PSB e PCdoB na Câmara e nos perfis das redes sociais de deputados destes partidos indica que a ideia de CPI realmente não figura como prioridade. As referências à comissão, diferentemente do que ocorre com o PT, resumem-se à movimentação do ano passado.

Direita não-bolsonarista desaprova a comissão

Se nem entre os notórios críticos da operação a CPI da Lava Jato é um consenso, entre políticos de outros espectros ideológicos a possibilidade permanece tão rejeitada quanto foi em 2019.

“Não vejo apoio [para a criação da CPI]”, declarou Kim Kataguiri (DEM-SP). “De nossa parte não há [apoio], zero”, reforçou Marcel van Hattem (Novo-RS). Os dois deputados representam a direita não-bolsonarista, que habitualmente vota com o governo em pautas econômicas, mas tem contestado Bolsonaro em outros temas, especialmente na questão ética. O episódio que levou à queda de Moro, por exemplo, motivou críticas à conduta de Bolsonaro por parte de Kataguiri e da bancada do Novo, que se escandalizaram com a hipótese de haver interferência do presidente na Polícia Federal.

Integrante de um partido de centro, Domingos Sávio (PSDB-MG) define como “impensável” a hipótese da criação de uma CPI da Lava Jato na Câmara nos dias atuais. “Acredito que a Câmara jamais se prestaria a esse serviço, o que eu considero que seria uma desmoralização do Legislativo. Colocar uma CPI em cima de uma operação tão ampla é algo impensável. Tratar a Lava Jato como algo criminoso é uma perfeita inversão de valores”, ressaltou.

O tucano avalia que a conversão da imagem do ex-ministro Moro, que passou de “herói” a “traidor” para os bolsonaristas, não tende a motivar o apoio dos defensores do presidente à CPI. “Isso não deve proceder, até porque a Lava Jato não se resume ao Moro. Tem Lava Jato em São Paulo, no Rio, em Brasília, e muitos dos condenados por Moro foram também condenados em segunda instância”, disse.

Um dos que chama Moro de “traidor”, o deputado Bibo Nunes (PSL-RS) indica reprovação à CPI. “Sou contra qualquer coisa que vá contra a Lava Jato. A operação tem uma imagem de combate à corrupção que precisa ser preservada. O que vem contra à Lava Jato não parte de pessoas sérias”, opinou o bolsonarista.

“Lavajatistas” deixam claro apoio à operação

CPI à parte, a bancada de defensores da Lava Jato no Congresso quer se posicionar diante das manifestações da oposição e do procurador-geral Aras para garantir o suporte à continuidade da operação.

Por exemplo, o grupo Muda, Senado quer fazer parte — literalmente falando — do depoimento que Deltan Dallagnol deve conceder ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no dia 18 de agosto, em parte do processo que investiga sua conduta na Lava Jato. “Nós queremos ir fisicamente para dar nosso apoio a ele, se for possível. Mas se a audiência for virtual, vamos buscar um jeito de nos inscrevermos e também manifestarmos nossa opinião”, disse o líder do PSL, Major Olímpio (SP).

O grupo fez recentemente reuniões virtuais com Dallagnol e com o próprio Aras. Olímpio declarou também que um dos focos do Muda, Senado está no apoio ao modelo de forças-tarefa do Ministério Público, que está em vigor na Lava Jato e entrou na mira do procurador-geral. “O modelo de força-tarefa é internacionalmente reconhecido, é um case de sucesso de combate à corrupção. Não queremos que ocorra esse tipo de esvaziamento”, declarou.

Para Olímpio, o apoio à Lava Jato tenderá a vir também da população: “tenho certeza que o povo só não está hoje nas ruas em defesa da Lava Jato porque estamos em meio à pandemia”.

CPI da Lava Jato depende da caneta de Maia

Como o pedido de CPI da Lava Jato obteve, ainda no ano passado, o número mínimo de assinaturas dos parlamentares, o que se falta para a confirmação do colegiado é uma etapa chamada leitura, por parte de Rodrigo Maia, que é quando o presidente da Câmara faz à casa o anúncio formal da criação da comissão. A partir daí, é iniciado o processo de designação dos membros e a posterior instalação do colegiado.

A Câmara tem atualmente apenas uma CPI em funcionamento, a que investiga o aparecimento de óleo em praias do litoral brasileiro no ano passado.

Be the first to comment on "Mesmo com Lava Jato sob ataque, CPI para investigar operação é desejo improvável do PT"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*