O médico foi (e está) preso em Bangu acusado de ameaça a um paciente infetado por Covid que se recusava a usar máscara.
O infectologista Ênio Studart foi transferido da Penitenciária de Benfica para o complexo de Bangu.
O juiz de custódia negou o pedido de liberdade provisória, considerou-o um perigo para a sociedade (“periculum libertatis”) e, pior, decretou sua prisão preventiva por tempo indeterminado. Está em cela especial, por enquanto sozinho.
Seu advogado, excelente por sinal, já impetrou habeas corpus. O HC está na fila de julgamento; pode ser examinado no final desta semana. O médico foi preso na última quinta feira, 29 de julho, sob acusação de ter ameaçado com arma um paciente infectado por Covid que se recusava a usar máscara.
O paciente é o empresário Luizmar Quaresma, dono de shopping center popular na Baixada Fluminense, de rede de padarias, de lojas roupas e de material de construção, além de empresa de construção civil, todos da Baixada.
Chegou ao consultório de Ênio Studart sem máscara. O médico mandou que colocasse máscara. Ele colocou. Mas passou a reclamar muito por ter sido o último a ser atendido, segundo sua interpretação, por ser paciente de plano de saúde. Contou que teve a Covid 15 dias antes, mas já estaria curado e imune. O médico passou a questioná-lo sobre os exames e sobre a suposta imunidade. Desde o início não houve empatia entre os dois.
O empresário se exaltou primeiro. O médico, por sua vez, foi duro na tentativa de diálogo. Em determinado momento, Luizmar o chamou de “filho da puta”, ameaçou “vou te quebrar”, “sou policial e segurança de vereador”, segundo registrou o medico em seu depoimento. O médico também se exaltou e rebateu as agressões. Ambos gritaram um com o outro.
Então o empresário abriu a camisa e chamou o médico para a briga. O médico reagiu pegando sua mochila, colocando a mão dentro e dizendo ao paciente para não se aproximar. Então mandou que fosse embora de seu consultório. Não chegaram a se tocar, foram apenas injúrias recíprocas.
Em seu depoimento à polícia, o médico disse que não puxou arma para o paciente, mas que tentou se defender para que ele não o contaminasse. As circunstâncias da discussão foram escutadas por testemunhas que estavam em um consultório ao lado, separado por vidro fosco.
O médico então se apresentou espontaneamente à polícia. Foi sozinho fazer o Boletim de Ocorrência, sem advogado.
O empresário, por sua vez, chamou a polícia ao local do incidente. Duas equipes policiais compareceram poucos minutos depois.
Na delegacia, foi feita a revista no carro do médico. A polícia encontrou duas pistolas, munição e pente de carregamento. Ênio é atirador desportivo há muitos anos. Tem porte de armas e já foi várias vezes campeão de tiro. Mas não estava com os documentos das armas em mãos naquele momento.
Teria um campeonato no último domingo 02 de agosto. Foi treinar no estande do clube, na Barra da Tijuca, e depois se dirigiu ao consultório. Deixou as armas no carro, estacionado no quarto subsolo do edifício, segundo registra seu depoimento.
A delegada pediu “fiança” de R$ 30 mil, mas em “dinheiro vivo”. Ele não deu. Foi então enquadrado por ameaça e porte ilegal de arma, preso em flagrante e recolhido ao presídio de Benfica, incomunicável e inafiançável.
O promotor foi extremamente duro em seu parecer. O juiz de custódia decidiu por sua prisão por tempo indeterminado no Complexo de Bangu, avaliando que sua liberdade seria um perigo para a sociedade (“periculum libertatis”).
Infectologista e pneumologista, Ênio trabalha há 40 anos em hospitais públicos na linha de frente de combate à AIDS. Vem tratando sobretudo de indigentes, travestis, idosos, presidiários e toda sorte de indesejados e esquecidos contaminados por HIV ou por tuberculose. Seu campo de pesquisa no Mestrado foi o tratamento de tuberculose em soropositivos.
Toda sua formação básica foi toda no tradicional Colégio Militar do Rio de Janeiro; cursou Medicina na Universidade Federal Fluminense; fez a residência na UFRJ e o Mestrado na UERJ. Tem três especialidades, infectologia, pneumologia e alergia, além de diversos cursos de extensão no exterior.
Até um pouco mais de 40 anos, atravessava madrugadas estudando, andava com roupas desleixadas, carro velho e, nos finais de semana, visitava seus pacientes no Hospital de Infectologia do Caju, depois no Hospital dos Servidores. Demonstrava especial cuidado pelos moradores de rua e os travestis infectados com Aids ou tuberculose. Dizia a todos que sua maior alegria era “curar”.
Hoje, aos 61 anos, é um dos mais respeitados e reconhecidos infectologistas e pneumologistas do Brasil, muito requisitado para ministrar conferências em Congressos Internacionais. Este ano passou a também estar na linha do combate ao Coronavírus, tanto no Hospital dos Servidores, quanto em sua clínica particular na Barra da Tijuca.
Nunca teve medo de Aids ou de tuberculose, ao contrário. Mas estava com muito medo da morte por Covid. Sentia-se impotente diante dessa peste. Nas últimas semanas, estava extremamente nervoso, irritado. Queixava-se muito da corrupção do governo e da falta de segurança para os profissionais de saúde.
Ele mora há décadas no Recreio dos Bandeirantes, em uma casa de rua, ou seja, não é condomínio com segurança armada. Quando lá chegou, o Recreio era um local bucólico; nos últimos anos, a violência tomou conta do bairro. Dias antes do incidente com o empresário, um vizinho de rua, do seu quarteirão, foi assaltado e assassinado na porta de casa.
Foi nessas circunstâncias que o médico Ênio Studart estava quando o empresário Luizmar Quaresma entrou sem máscara em seu consultório, começou a discutir, o chamou de filho da puta, disse que ira quebrar sua cara, que era policial, segurança de vereador, anunciou que estava armado, abriu a camisa e começou a avançar para uma briga corporal.
Hugo Studart. Jornalista.
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