Está na hora de parar de perder tempo com o que o noticiário diz sobre as disputas entre partidos – ou entre direita e esquerda, governo e oposição, etc, etc. O Brasil de hoje vive num regime de partido único. Estão dentro dele, juntos na defesa de um interesse superior a todos os outros, Bolsonaro, Lula, a família de Bolsonaro, a família de Lula, empreiteiros de obras públicas (presos, soltos ou com tornozeleira), PT, PSDB, Centrão, Procuradoria-Geral da República, Supremo Tribunal Federal, José Serra, Geraldo Alckmin, Rodrigo Maia, o homem do Senado, a mídia que se considera importante, os empresários-pirata, todos os partidos políticos, com uma ou outra exceção – enfim, tudo o que o povo brasileiro entende como a ladroagem do primeiro escalão neste país.
Nas páginas e minutos dedicados à política, o público é informado o tempo todo das briguinhas entre eles. Fulano diz isso, beltrano diz aquilo, o partido XYZ ataca o partido ZYX, os advogados querem que seja assim, os magistrados querem que seja assado, e por aí vamos. Mas é tudo conversa. Na hora de tratar das coisas que todos eles levam realmente a sério, pode-se contar com certeza que estarão juntos contra o inimigo comum: o erário público. Ou, mais exatamente: estarão juntos para impedir que avancem no Ministério Público e nos Tribunais de Justiça quaisquer ações que ponham em risco a impunidade geral. Nisso estão sempre de acordo. E isso é o que mais conta hoje em dia.
A comprovação prática de que esse partido único existe e está mais ativo que qualquer outra força política no Brasil é a sua atuação contra o “lavajatismo”, como vem sendo chamada a Operação Lava Jato – a maior e mais bem sucedida ação que a Justiça brasileira jamais executou contra a corrupção. É claro que todos , sem nenhuma exceção, dizem que são a favor da “apuração rigorosa” dos fatos e das punições que se fizerem “necessárias”.
Mas todos, também sem nenhuma exceção, são corajosamente contra os “excessos” que seriam, teriam sido ou poderiam ser feitos pela Lava Jato. Na verdade, sustentam que tudo o que a Lava Jato fez é um excesso. Assim, em nome dos direitos dos acusados, do cumprimento da lei e da democracia, denunciam cada denúncia como uma agressão direta às instituições, etc, etc.
O procurador-geral da República, que é pago para ficar contra o crime, é hoje o campeão dos denunciados por corrupção; virou o grande herói dos grandes escritórios de advocacia que defendem a ladroada da Lava Jato e transformou a PGR no inimigo número 1 do combate à roubalheira. No STF, os ministros brigam entre si para ver quem solta o maior número de ladrões, e no menor espaço de tempo.
Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal se tornaram os chefes da defesa de qualquer político acusado de meter a mão no cofre público. Essa gente só briga no Jornal Nacional. No mundo das realidades estão todos no mesmo barco e remando do mesmo lado. É uma pasta só.
J.R. Guzzo
J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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