Inquérito flagrantemente ilegal, por mais que as cabeças calvas, grisalhas e acajus do Supremo Tribunal Federal digam o contrário. Censura. Perseguição e prisão de opositores. Familiares sofrendo ameaças. Xingamentos, palavras de ordem. Indignação. E todos os dias acordar com essa sensação de que os pilares de uma instituição construída a muito custo estão sendo erodidos aos poucos – sem que saiba o que surgirá no lugar.
E tudo isso para quê? Os cínicos e os conspiracionistas vão dizer que é tudo uma questão de dinheiro, de garantia de privilégios. Mas eu não acredito nisso, até porque a falta de dinheiro nunca foi, não é nem jamais será um problema para um ministro do STF. Não ignoro, de jeito nenhum, quão profundo é o poço das ambições das pessoas rasas – mas até isso tem um limite. Nem que o limite seja o Tio Patinhas mergulhando de cabeça uma caixa-forte cheia de moedinhas douradas.
Já os crédulos dirão que é por uma questão de segurança. Sim, eu assisti ao vídeo em que o ministro Alexandre de Moraes detalhava as ameaças sofridas por sua família. Coisa de bandido (as ameaças, não o vídeo). E não me venha com “ódio do bem”. Assim como não existe déspota esclarecido, por mais latinório que ele gaste, tampouco existe essa coisa de ameaça virtuosa contra a vida ou integridade de outra pessoa, por maior que seja a repulsa que ela desperta em você.
Mas é difícil supor que alguém que alcançou o posto mais alto do Poder Judiciário não soubesse que o cargo, como tudo na vida, tem seu lado bom e o lado ruim. Difícil acreditar que Alexandre de Moraes, no momento em que aceitou o convite do então presidente Michel Temer para ocupar aquele assento de prestígio, pensasse somente no salário, nos assessores, nos seguranças, no carro oficial, nas lagostas, nas vênias e nas piadas em latim durante o cafezinho. Sem falar que contra bravatas de bandidinhos há o devido processo legal. Há seguranças. Há até a legítima defesa.
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade
Tão difícil quanto é acreditar que o ministro Alexandre de Moraes e seus colegas de toga conseguirão, um dia, anular os ônus inerentes ao cargo que ocupam. Isto é, calar as ameaças de bandidos e as críticas duras, muitas vezes mal-educadas e quase sempre sem qualquer fundamentação maior do que a raiva feitas contra o STF. Pelo contrário, a lógica mais elementar sugere que, enquanto insistirem em usar instrumentos que a população vê como ilegítimos, as críticas e os arroubos só tendem a aumentar.
Convém, pois, insistir na pergunta: tudo isso para quê? Para mim, a cada dia que passa ganha força a hipótese da vaidade. Que, contradizendo a ideia afetada e espalhafatosa que podemos fazer da palavra, é um conceito bastante simplório – instintivo, até. Alexandre de Moraes e os seus não querem ter a honra maculada pelas palavras do zé-povinho. Eles não admitem entrar para a história com epítetos como “a pior formação do STF” ou ainda “STF, vergonha nacional”.
E, a rigor, não há nada de mau em lutar para ser admirado. Quero dizer, a vaidade é um pecado capital contra o qual nos dão belos conselhos tanto o Eclesiastes quanto os estoicos. E desde que abandonamos as cavernas ou até antes disso, infinitos foram os crimes cometidos em nome da vaidade. Mas, domesticado, esse ameaçador pitbull não passa de um obediente golden retriever.
Se usasse a vaidade da calva lustrosa (e do conhecimento jurídico) para deixar um legado positivo, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes provavelmente não teria de recorrer a meios extremos e abomináveis para proteger a própria honra e a família. Não há nada mais admirável do que um homem correto, ainda que vaidoso, e, se ele agisse como tal, toda a sociedade (o zé-povinho) se revoltaria contra bandidos que viessem a ameaçar ou encostar a mão num só fio de cabelo (metafórico) do ministro.
Rua Alexandre de Moraes
Em vez de ser o Ruy Barbosa do século XXI, contudo, ao que parece o ministro Alexandre de Moraes preferiu fazer das tripas coração (sempre quis escrever isso) para obter, quando muito, o aplauso efêmero dos seus pares. Ele trocou a imortalidade de uma frase, de um gesto magnânimo, de uma postura sábia a ser mimetizada pelas gerações posteriores pela possibilidade de, quem sabe?, um dia vir a se tornar nome de rua.
Porque, até aqui, é no máximo isso o que a posteridade reserva não só ao ministro Alexandre de Moraes, mas a todos os que, movidos pela vaidade rasa dos likes, dos emojis de jóinha e da citação ao próprio nome nas notas de rodapé, agem como se seus atos não tivessem consequências para além do presente.
E lá, na rua Alexandre de Moraes, esquina com rua Dias Tollofi, perto da praça Gilmar Mendes, onde fica o famoso coreto Ricardo Lewandowski, tudo acontecerá como sempre aconteceu. Homens nascerão e morrerão. Crianças jogarão bola e empinarão pipas. Velhas matronas falarão de velhas matronas. Amores eclodirão de um dia para o outro, assim como guerrinhas de mamona.
Porque o Eclesiastes ensina (e tranquiliza) também a qualquer um disposto a tirar os olhos dos códigos e do espelho por um instante que não há nada de novo sob o sol.
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Paulo Polzonoff Jr.
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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