A exclusão de estados e municípios da reforma da Previdência aprovada e promulgada em 2019 deixou em aberto um problema de longo prazo. Passados oito meses da entrada em vigor da reforma, menos da metade dos estados alteraram suas previdências, ao mesmo tempo em que não existe obrigatoriedade para a adaptação de milhares de sistemas de aposentadorias de servidores municipais.
O tema das previdências estaduais e municipais volta neste momento à tona porque existe a pressão de alguns estados para que o governo reveja a única obrigação trazida pela reforma promulgada em 2019. A lei prevê novas alíquotas de contribuição para servidores públicos, em um sistema progressivo, caso os estados e municípios não elevem a contribuição dos servidores para um percentual mínimo de 14%. O prazo é 31 de julho.
Até o momento, 20 estados já aprovaram a nova alíquota. Aqueles que não fizeram a mudança pedem mais prazo para aprovarem alterações em suas assembleias legislativas. Entre eles, está Minas Gerais, estado que atravessa uma grave crise em suas finanças públicas e teria muito a ganhar com uma reforma em seu sistema previdenciário.
Além de uma revisão no prazo para a adoção das novas alíquotas não ser pertinente do ponto de vista da sustentabilidade dos sistemas previdenciários estaduais e municipais, há outras razões para que o governo federal não relaxe a transição, estipulada em portaria.
A primeira é o fato de estados e municípios terem pedido recursos federais para atravessar as dificuldades financeiras provocadas pelo coronavírus sem apoiar medidas administrativas compensatórias, como a redução salarial de servidores. O ajuste nas contas dos entes da federação precisa ocorrer para que o Brasil retire da pauta um ponto de constante atrito, e os sistemas previdenciários são um bom primeiro passo.
Além disso, o funcionalismo de estados e municípios foi beneficiado ao ser retirado da reforma da Previdência. Não aplicar o único dispositivo trazido pela nova lei seria um sinal contrário ao discurso de justiça social pregado durante a tramitação do texto e que precisa ser reafirmado com a extensão da reforma para todas as esferas de governo.
Ao conseguirem retirar seus sistemas previdenciários da reforma, estados e municípios argumentaram que o tema seria tratado em separado. Para isso, o Senado colocou em pauta e aprovou a chamada PEC Paralela. O texto foi encaminhado à Câmara, onde não chegou a ser apreciado antes da pandemia.
A PEC Paralela não é uma compensação completa à proposta original do governo, que previa a obrigatoriedade na adoção, por estados e municípios, das mesmas regras aprovadas para servidores federais. As mais importantes são a idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com tempo mínimo de contribuição de 25 anos. O cálculo do benefício também traz as mesmas regras usadas para trabalhadores da iniciativa privada, com a aposentadoria integral chegando apenas com 40 anos de contribuição, limitada ao teto do INSS. Pela PEC Paralela, os estados podem adotar essas regras por projeto de lei aprovado nas assembleias, estendendo o modelo para seus municípios. O texto não traz a obrigatoriedade de adaptação, necessária em uma federação onde a União é avalista de fato das contas públicas estaduais e municipais.
Na tramitação no Senado, a PEC paralela acabou recebendo temas adicionais, como um afrouxamento na regra de cálculo dos benefícios previdenciários e a contribuição do agronegócio exportador. Por isso, ela não agradou nem a equipe econômica nem lideranças na Câmara, onde o presidente da casa, Rodrigo Maia, já anunciou que deveria haver mudanças no texto.
Sem obrigatoriedade, apenas 13 estados aprovaram reformas mais substanciais em suas previdências – Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí, Paraná, Rio Grande do Sul, Sergipe e São Paulo –, a maioria seguindo a idade mínima aplicada para servidores federais e trabalhadores cobertos pelo INSS. É difícil ter um quadro completo dos municípios; um universo de 2.111 sistemas próprios, segundo levantamento do Ministério da Economia.
Na última semana, a Secretaria de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia divulgou o Indicador de Situação Previdenciária dos regimes próprios. Na classificação de quatro níveis, apenas um estado, o Amazonas, recebeu a nota A. Seis receberam nota B, 11 ficaram com nota C e 9, nota D. Mais de 900 municípios têm sistemas com nota D e outros 670, nota C. Os entes com notas mais baixas precisam melhorar a gestão, a transparência e a sustentabilidade de seus sistemas. Isso significa que mudanças nas regras de aposentadoria são apenas um dos pontos de reforma necessários. Elas têm relação com a sustentabilidade de longo prazo dos regimes próprios de previdência e com a justiça de seus sistemas tributários. Feito isso, há um trabalho longo de melhoria na administração dos recursos e na forma como a sociedade e os próprios servidores são informados sobre essa gestão. Governadores e prefeitos precisam fazer esse movimento o mais rápido possível. Para os gestores que ignorarem a questão, está nas mãos do Congresso tomar uma providência.
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