A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, favorável ao compartilhamento de dados da Operação Lava Jato com a cúpula do Ministério Público Federal (MPF), pegou as forças-tarefas de surpresa. A liminar deu vantagem à Procuradoria-Geral da República (PGR) na queda de braço que o procurador-geral Augusto Aras trava com os procuradores do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Em jogo, uma disputa de poder que eleva as tensões políticas no MPF e que pode iniciar um novo estágio na história da operação, ainda que tudo seja muito imprevisível.
O trabalho de inteligência, a coleta de dados e o sigilo sobre as investigações sempre foram marcas de Lava Jato. O compartilhamento de dados com a PGR já havia sido autorizado pela Justiça em outros momentos, mas não de forma escancarada como a decisão de Toffoli autoriza. Enormes volumes de dados bancários, fiscais e telemáticos apurados ao longo de seis anos poderão ser agora acessados indiscriminadamente por procuradores de Brasília.
O impacto que a quebra do sigilo terá nas investigações e no futuro da operação só o tempo dirá. Mas a decisão do STF mantém em alta temperatura a crise interna no MPF e na própria PGR. A ação que motivou a decisão de Toffoli foi apresentada pelo procurador Humberto Jacques de Medeiros, que atualmente é o “número dois” de Aras. O procurador-geral foi indicado para o cargo no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro por fora da lista tríplice, situação que até hoje incomoda a categoria.
Em sua decisão, divulgada nesta quinta-feira (9), o presidente do STF alega que a Lava Jato precisa compartilhar os dados da operação solicitados pela Procuradoria-Geral para não haver quebra no “princípio da unicidade” do Ministério Público. Toffoli lembra que o MPF tem um órgão central, que é a PGR. “A sua direção única pertence ao procurador-geral, que hierarquicamente, detém competência administrativa para requisitar o intercâmbio institucional de informações, para bem e fielmente cumprir suas atribuições finalísticas”, disse ele, na liminar.
Toffoli também chama de “graves fatos” a indicação de que a Lava Jato estaria investigando autoridades com foro privilegiado e estaria omitindo essas informações da PGR. Recentemente, foi tornada pública a possibilidade de que os presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), estariam sob a mira da Lava Jato, o que a força-tarefa de Curitiba nega.
O compartilhamento dos dados da Lava Jato com a cúpula do MPF surpreendeu o coordenador da Lava jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, que lamentou a decisão. Ele e outros membros da força-tarefa haviam protestado publicamente quando, no mês passado, a subprocuradora Lindôra Araújo esteve em Curitiba a mando de Aras e tentou acessar informações da força-tarefa sem justificativa.
A força-tarefa de Curitiba divulgou uma nota na noite da quinta em que os procuradores dizem que “cumprirão a decisão emitida pelo Supremo Tribunal Federal que autoriza o Procurador-Geral da República a acessar de modo irrestrito suas bases de dados”, mas contestaram o ato de Toffoli.
“É necessário registrar que a decisão parte de pressuposto falso, pois inexiste qualquer investigação sobre agentes públicos com foro privilegiado”, aponta um trecho da nota. Em outro, os procuradores citam: “lamenta-se que a decisão inaugure orientação jurisprudencial nova e inédita, permitindo o acesso indiscriminado a dados privados de cidadãos, em desconsideração às decisões judiciais do juiz natural do caso que determinaram, de forma pontual, fundamentada e com a exigência de indicação de fatos específicos em investigação, o afastamento de sigilo de dados bancários, fiscais e telemáticos”.
Decisão não enfraquece a Lava Jato, diz advogado
O professor de Direito Fernando Parente, que é sócio do escritório Guimarães Parente Advogados, avalia que a decisão de Toffoli de determinar o compartilhamento de dados é algo que se encaixa na rotina de investigações. “É comum esse tipo de compartilhamento. Do ponto de vista técnico, isso não tem nenhum problema. A própria Lava Jato chegou a emprestar provas de um processo para outro em algumas ocasiões”, disse.
Na avaliação de Parente, a ideia de que o repasse de dados represente um prejuízo à Lava Jato é improcedente. “O que pode ocorrer agora é um enriquecimento, por conta da atuação do órgão central. A crítica ao compartilhamento me parece uma espécie de protecionismo”, declarou.
Parente também disse que o argumento da defesa da unicidade apresentado por Toffoli em sua decisão é adequado para o momento: “o Ministério Público é uno. Existe independência funcional, os procuradores não estão vinculados aos pensamentos dos outros, mas é uma única instituição. Tem ocorrido, já há algum tempo, uma ‘institucionalização’ da Lava Jato, como se fosse um órgão próprio”.
Caso as forças-tarefas contestem a decisão de Toffoli, elas podem apresentar recurso, que será apreciado por outro ministro do STF. Porém, a avaliação se dará apenas após o término do recesso da Corte, que se mantém até 31 de agosto.
É bom esclarecer que a decisão do STF não interfere na rotina de investigações da operação: a Lava Jato segue firme e forte, apesar do revés no Supremo.
“Bandidos agradecem”, diz senador
A decisão do ministro Dias Toffoli repercutiu no meio político e, como praticamente tudo o que envolve a operação Lava Jato, motivou reações críticas e elogiosas.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) foi incisivo em uma postagem nas suas redes sociais. “Hoje tivemos 2 decisões 100% políticas do Judiciário. Primeiro o ministro Noronha (STJ) concede prisão domiciliar para a foragida mulher do Queiroz. Depois Toffoli (STF) determina o envio ao PGR de todas os dados de investigações das FT Lava Jato do Brasil. Os bandidos agradecem”.
Vieira é um crítico habitual dos integrantes do Judiciário. Em 2019, ele foi o principal líder da tentativa de instalação da chamada “CPI da Lava Toga”, que procuraria apurar irregularidades no poder.
Sem mencionar diretamente a decisão de Toffoli, o partido Podemos publicou uma mensagem em defesa da Lava Jato na tarde desta quinta. “É o maior erro da história do Brasil querer acabar com a Lava Jato. Essa operação conseguiu colocar a mão nos maiores corruptos do país”, diz o deputado José Nelto (GO), na postagem veiculada nas redes sociais da legenda. O Podemos tentou se apresentar, nos últimos anos, como o “partido oficial” da Lava Jato, e buscou filiar o ex-ministro Sergio Moro.
Já o senador Renan Calheiros (MDB-AL) celebrou a medida de Toffoli: “É louvável e legítima a decisão do presidente Dias Toffoli para o compartilhamento irrestrito das informações com
o MPF. Não existe nada além das instituições, como sempre falamos”. O parlamentar é réu em um processo ligado à Lava Jato, pelas acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Também integrante do MDB, o senador Márcio Bittar (AC) considera “legal e constitucional” a medida de Toffoli: “A PGR é órgão do Ministério Público. É ela que investiga autoridades com foro privilegiado. Deve, portanto, ter acesso aos dados da investigação”
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