Foi iniciado há pouco mais de uma semana em Curitiba o primeiro estudo no Brasil a utilizar células-tronco no tratamento da Covid-19. O trabalho está sendo feito por pesquisadores da PUCPR, do Complexo Hospital de Clínicas (HC) da UFPR e do Instituto Carlos Chagas (ICC), unidade da Fiocruz no Paraná.
O ensaio utiliza células-tronco mesenquimais (CTMs), do tecido do cordão umbilical, para tratar pacientes com síndrome respiratória aguda grave (SRAG) decorrente do SARS-CoV-2, o vírus que causa a doença. Inicialmente, o estudo será feito em 15 pacientes da unidade de terapia intensiva (UTI) do HC, sendo que quatro já foram selecionados.
Segundo um dos líderes da pesquisa, o coordenador do Núcleo de Tecnologia Celular da PUCPR, Paulo Brofman, as CTMs foram escolhidas por já apresentarem bons resultados em tratamentos de outras doenças que atacam os pulmões, como a gripe causada pelo vírus Influenza H1N1, além de não gerar riscos aos pacientes.
“Essa células são imunomoduladoras, têm atuação muito forte para amenizar as reações inflamatórias [geradas em casos graves de Covid-19], têm grande potencial de reparação nas lesões nos pulmões [nos tecidos danificados] e não podem ser contaminadas pelo novo coronavírus, pois não têm o receptor [enzima ECA2] que ele ataca”, explica.
Brofman diz que nos casos mais graves, a Covid-19 gera uma grave disfunção pulmonar, levando pacientes à UTIs e a intubação pela falta de ar. “O sistema de defesa do organismo ao tentar proteger produz uma ‘tempestades de citocinas’, gerando uma hiperinflamação no pulmão que altera toda estrutura pulmonar e prejudica a troca de gás carbônico por oxigênio – o sangue não consegue captar oxigênio suficiente”, detalha. É essa reação do organismo que causa a SRAG e também pode afetar outros órgãos, como coração e rins, podendo levar à morte por falência múltipla.
Autorizado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e Anvisa, a terapia já tem ensaios clínicos em países como Estados Unidos, China, Colômbia, França e Jordânia com efeito positivo na recuperação de pacientes: modulando a reação inflamatória, protegendo o pulmão e reduzindo tempo de internamento e consequentes sequelas.
Como funcionam tratamento e pesquisa
Os pesquisadores do Centro de Tecnologia Celular da PUCPR são responsáveis pela coleta dos cordões umbilicais, preparação das células e controle de qualidade do material. Os cordões umbilicais, por exemplo, estão sendo cedidos pela Maternidade Santa Brígida, também da capital. “Depois do nascimento, o cordão é cortado e seria descartado, mas as mães estão doando para nós. A partir dele produzimos o material e congelamos em nosso banco”, explica Brofman.
Já os pesquisadores do HC são responsáveis pela seleção dos pacientes, infusão das células e acompanhamento clínico. Para a pesquisa, é necessário fazer essa infusão até 48 horas depois do momento da intubação, por isso ainda faltam 11 pacientes para serem escolhidos, o que deve acontecer ao longo dos próximos dias. “São poucas vagas disponíveis e a renovação dos leitos de UTI é lenta, muitas pessoas ficam duas, três semanas intubadas no processo de recuperação”, diz o coordenador.
Dos 15 pacientes, 10 vão receber o material com as células-tronco e outros cinco vão receber placebo em conjunto com o tratamento convencional. A aplicação das doses será feita três vezes a cada 24 horas, sendo cada uma com 500 mil CTMs para cada quilo do paciente. Alguém com 100 kg vai receber 50 milhões, por exemplo.
Por fim, os cientistas da Fiocruz Paraná vão realizar a análise de citocinas e de carga viral, ou seja, quantificar a eficácia do método como terapia a partir de uma série de exames. “O objetivo é amenizar a reação que está agravando hiperinflamação, tratar mais rapidamente essa melhora na agressão ao pulamo. Hoje não tem nada conseguindo atenuar essa reação inflamatória e reparar parte dessa membrana que permite a troca de oxigênio”, resume.
Os pesquisadores esperam ter respostas daqui a um mês, um mês e meio, quando todos os 15 pacientes já tenham concluído o internamento. “Teremos dados para chegar a uma forte conclusão, mas todos serão acompanhados por quatro meses, pois a Covid-19 nesses casos tem causado fibrose, sequelas respiratórias e queremos analisar isso”.
Segundo Brofman, já existem tratativas com o departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde para uma segunda fase do estudo, que envolveria 60 pacientes e seria multicêntrico, incluindo Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador além da capital paranaense.
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