Na véspera do último domingo, a imprensa noticiou o conteúdo de uma mensagem privada do decano Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (STF), enviada para alguns de seus contatos no WhatsApp, que colocou muita gente em alerta. O conteúdo foi enviado nas vésperas das manifestações de domingo contra decisões recentes do STF no chamado inquérito das fake news. Numa espécie de pré-aquecimento, um pequeno grupo de apoiadores do Presidente se aglomerou na Praça dos Três Poderes, em exibições que tiveram direito a mascarados portando tochas e apresentações de música gospel.
Na mensagem, o ministro afirmou que “os bolsonaristas odeiam a imprensa” e pretendem “instaurar uma desprezível e abjeta ditadura”. Entre outras coisas, Celso de Mello comparou a situação atual do Brasil com a da República de Weimar, quando Adolf Hitler, eleito pelo voto popular e nomeado chanceler pelo Presidente Paul von Hildenburg, procedeu com um completo desmantelamento da ordem liberal democrática, instaurando uma ditadura que se estenderia até o final da 2.ª Guerra Mundial. A mensagem foi escrita com diversos trechos em letras garrafais, em tom claro de alerta. Fala em “OVO DA SERPENTE” e na necessidade de “RESISTIR À DESTRUIÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA”.
A comunicação se tornou objeto de debate nacional após seu vazamento para a imprensa. Intencionalmente ou não, a opinião do decano foi alçada ao nível de degrau na atual escalada de tensões que tem marcado a relação entre os três Poderes.
Sem fazer julgamento de mérito das palavras de Celso de Mello, que, como todos os brasileiros, tem todo o direito de manifestá-la livremente entre o seu círculo de amigos, é importante refletir em que medida o conteúdo da mensagem pode contribuir ou não para encaminhar uma solução para a tensão institucional que se instalou no país nos últimos meses. A linguagem importa, em mensagens privadas ou não. O ministro invoca imagens fortes com suas palavras, quando fala em “resistir” e “destruição”. Querendo ou não, compara o presidente da República a Hitler e seus apoiadores aos nazistas. A descrição da situação como prefiguração de um desastre iminente, se não está completamente dissociada da percepção comum de que há uma crise institucional grave em andamento, combina mais com a linguagem de confronto do que com a de pacificação que talvez o momento requeresse. O catastrofismo da mensagem, embora reflita sob sua ótica um legítimo zelo pela democracia, denuncia também traços de um ativismo judicial que tem sido um dos componentes da presente crise.
É possível que o ministro, como de resto todos os brasileiros, esteja sentindo a pressão de um ambiente político e institucional carregado, no auge da maior pandemia dos últimos 100 anos e às portas de uma grave crise econômica. Certamente, a dificuldade constitutiva do presidente da República em construir pontes e fomentar o diálogo para a solução de impasses é um componente essencial da reação do ministro. A estimulação contraditória, prática comum no bolsonarismo, que ora insinua soluções de ruptura, ora apregoa a pacificação, tem levado muita gente ao esgotamento. E do esgotamento pode advir o pânico e a precipitação.
Nessa hora, importa ter calma e se orientar pela prudência. Ao contrário do Presidente e seus apoiadores, o STF tem apresentado disposição reiterada de resolver problemas complexos pela via institucional. Esse tipo de atuação, ainda que nem sempre conduzida da melhor maneira, é o único caminho para preservar a ordem democrática e a legalidade. O STF, talvez mais do que qualquer outra instituição nesse momento, não pode se entregar a simplificações ou soluções fáceis. Distensionar a relação entre os poderes é crucial neste momento. Por isso mesmo, cada manifestação das principais autoridades do país agora, sobretudo da cúpula do Judiciário, deveria estar pautada pelo equilíbrio e pela consciência de que tem muito peso para o arrefecimento da crise. A situação demanda calma, prudência e maturidade de todas as partes envolvidas. Mais uma vez, o STF precisa dar o exemplo. O país precisa disso.
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