PF investiga compra de respiradores inadequados para uso humano

Fernando de Castro ·

Após comprar respiradores de empresa fantasma testados em animais, Prefeitura do Recife é alvo de operação da Polícia Federal

Foi deflagrada na manhã desta quinta-feira (28) pela Polícia Federal a segunda fase da Operação Apneia, que investiga a compra de 500 respiradores pela Prefeitura do Recife ao custo de R$11 milhões com dispensa de licitação. A ação ocorreu em conjunto com o Ministério Público Federal e a Controladoria-Geral da União.

Foram cumpridos dois mandados de busca e apreensão, sendo um na sede da Prefeitura do Recife, no Cais do Apolo e outro na casa do secretário municipal de Saúde, Jailson Correia, no bairro do Espinheiro, Zona Norte da capital pernambucana.

De acordo com as investigações, além dos equipamentos serem inadequados para uso humano, foi descoberto que a compra dos aparelhos foi feita numa microempresa fantasma, constituída em nome da ex-esposa de um proprietário de uma empresa com débito de R$ 9 milhões com a União.

A empresa teria sido aberta para poder ser contratada pela Prefeitura do Recife, uma vez que firmas com débitos fiscais ou previdenciários não podem ser contratadas pela administração pública.

Por outro lado, a empresa não poderia firmar o contrato no valor de 11 milhões, uma vez que o capital social da firma é de 50 mil reais e, dessa forma, não poderia faturar mais de 360 mil.  

Até então, o valor pago à microempresa foi de pouco mais de 1 milhão de reais e 35 respiradores haviam sido entregues. No entanto, somente após a entrega dos equipamentos foi descoberto que os aparelhos não foram homologados pela Anvisa e não servem para o uso humano, pois só foram testados em porcos, conforme vídeo divulgado pelas redes sociais da empresa fabricante. 

Apesar da demanda nos hospitais da capital pernambucana, os respiradores enviados não foram repassados pela Secretaria de Saúde, permanecendo guardados num galpão. Além disso, os testes com os porcos só foram realizados no dia 4 de maio, quando os aparelhos já haviam sido entregues para a Prefeitura.

Há cerca de uma semana, o contrato foi rescindido pela Prefeitura e devolveu os 35 equipamentos para a empresa, que por sua vez, devolveu o valor pago à PCR.


Contrato com petshop

O contrato de compra dos respiradores foi assinado no dia 30 de março entre a Prefeitura do Recife e a microempreendedora individual Juvanete Barreto Freire, cujo nome fantasia é Brasmed Veterinária, que tem como atividade principal “comércio de animais vivos e de artigos e alimentos para animal de estimação”. A atividade secundária da firma é de venda de artigos de colchoaria, médico e ortopédicos. 

A compra foi alvo de investigação e denúncia por parte do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) e Tribunal de Contas do Estado (TCE). Após a manifestação das instituições, o Ministério Público Federal requisitou na última terça-feira (26) uma explicação do prefeito do Recife, Geraldo Júlio (PSB) a respeito da devolução dos equipamentos e se pretende adquirir novos aparelhos. 


Devolução sob investigação

O procurador do Ministério Público de Contas, Cristiano Pimentel, afirmou que a devolução dos respiradores está sob investigação pela Polícia Federal. Segundo ele, a empresa continua fazendo novos negócios com a administração pública.

“No mesmo dia em que a Prefeitura devolveu os 35 respiradores para a microempresa, essa firma revendeu pelo menos um desses equipamentos para uma Prefeitura do interior de Pernambuco pelo triplo do preço, ou seja, a devolução dos aparelhos também está sendo alvo dessa investigação da Polícia Federal”, afirmou Pimentel em entrevista para uma rádio local.


Nota da Prefeitura do Recife

A respeito da operação realizada hoje pela Polícia Federal, a Prefeitura da Cidade do Recife afirmou, em nota:

A referida compra foi cancelada pela Secretaria de Saúde e o único valor pago, de R$ 1,075 milhão, já foi devolvido pela empresa à Prefeitura no último dia 22. Portanto, não há possibilidade de haver qualquer prejuízo à Prefeitura do Recife”, informou o órgão, acrescentando que seguiu dentro da legalidade. “Todos os procedimentos da Secretaria de Saúde estão sendo realizados dentro da legalidade e todos os processos de aquisição da pandemia estão sendo enviados, desde abril, por iniciativa da própria prefeitura, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE). A Secretaria de Saúde e todos os órgãos da Prefeitura continuam à disposição dos órgãos de controle para prestar qualquer esclarecimento.


Ataques ao procurador

Após a devolução dos equipamentos, a Prefeitura do Recife atacou o Ministério Público e o procurador Cristiano Pimentel por meio de nota oficial na última terça-feira (22). A PCR colocou em dúvida a atuação de Pimentel por ter concedido entrevistas à imprensa e falar a respeito do assunto em suas mídias sociais.

A Prefeitura questionou a atuação do procurador na nota. “Fica a dúvida, se o interesse é mesmo pela apuração dos fatos, o que é um dever do procurador, ou apenas criar um suposto escândalo na mídia e gerar consequências político-eleitorais”.


Resposta do MP

A Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e o Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Contas (CNPGC) reagiram contra a manifestação da Prefeitura. Segundo as entidades, o ataque às instituições é “intolerável e não se coaduna com o respeito institucional que deve prevalecer num Estado Democrático de Direito”.

Confira a íntegra da nota:

A Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e o Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Contas (CNPGC) vêm a público se manifestar em DESAGRAVO ao Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO), em razão de o órgão estar sofrendo ataques após ter investigado a compra, por dispensa emergencial de licitação, de respiradores pela Prefeitura do Recife.

Deve ficar claro que, no caso, o MPCO atuou no estrito cumprimento das regras legais e regimentais aplicáveis, ao formular sua representação perante o Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Outrossim, diante de referida aquisição estar sendo amplamente questionada em âmbito local, o MPCO teve a boa prática de informar à sociedade, através dos meios regulares de comunicação, sobre sua atuação, corolário da transparência que deve reger os gastos públicos e da tempestividade que se espera do funcionamento dos órgãos de controle. 

É significativo, para constatar a correção dos trabalhos do MPCO, que a Polícia Federal (PF), o Ministério Público Federal (MPF) e a Controladoria-Geral da União (CGU), tenham deflagrado, nesta quinta-feira (28), operação que visa justamente a apurar possíveis ilícitos perpetrados na compra em questão.

Assim, as entidades que assinam esta nota vêm DESAGRAVAR a escorreita atuação do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) no episódio. O ataque ao Ministério Público de Contas, pelo simples e imprescindível exercício de suas funções, é intolerável e não se coaduna com o respeito institucional que deve prevalecer num Estado Democrático de Direito. 

Brasília, 28 de maio de 2020.

DIRETORIAS DA AMPCON E DO CNPGC

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