Um dia, no futuro, vão ser feitas as contas exatas e finais do custo que a Covid-19 trouxe para o Brasil, mas aí já vai ser tarde demais – o mal estará feito, e nenhum esforço, seja dos governos ou de quem for, vai ser capaz de devolver mais adiante o que foi perdido hoje. Vidas humanas “não têm preço”, como dizem desde o começo disso tudo a maioria dos políticos, homens considerados como “de ideias” e aproveitadores diversos; por conta disso, todos os atos de destruição que vêm sendo praticados no país em nome do combate ao vírus têm de ser apoiados. “Salvar vidas”, nesta visão de mundo, é mais importante que salvar “empregos”, “empresas”, etc. Desde o começo, sempre foi um argumento falso. Não vai deixar de ser só porque passa mais tempo e aumenta o número de mortos.
Não é aceitável, obviamente, que para cuidar de vidas seja necessário arruinar o Brasil ao mesmo tempo. Mas é exatamente isso que está sendo proposto pela maior parte da gente que manda. As pessoas que não estão doentes também têm vidas a serem preservadas — a obrigação mais básica dos governos e demais responsáveis pela gestão da sociedade é tratar com o mesmo empenho das duas coisas, a saúde pública e a sobrevivência de todos os cidadãos.
Pode ser muito difícil, mas em nenhum lugar está escrito que os governos tenham direito a lidar apenas com coisas fáceis. Não se trata de uma opção em aberto. Não se trata de sobrevivência “econômica”. Manter a produção, o trabalho e as demais atividades essenciais a uma sociedade não é uma questão de aumento do PIB. É, simplesmente, a vida das pessoas. Ela tem de ser defendida tanto quanto a vida das vítimas da epidemia.
O Brasil, até o momento, tem cerca de 13 mil mortos em consequência da Covid-19 – algo como 0,006% dos 220 milhões de brasileiros. O número total de infectados, nestes últimos dois meses, está por volta de 180 mil. Em 2018, segundo os últimos números oficialmente computados pelo IBGE, morreram no Brasil, por todos os tipos de causa, 1,3 milhão de pessoas – 100 vezes mais que o total de mortos na presente epidemia.
É claro que uma vida humana vale mais que um conjunto de porcentagens. Os que sofrem com a tragédia das perdas individuais não podem ser consolados com um cálculo aritmético, nem com a informação de que são uma minoria no total da população. Mas ninguém perde por ter em mente as dimensões exatas do problema.
O preço que a população brasileira vai pagar pelos desastres que estão sendo praticados hoje em nome da “vida” — sobretudo a imensa maioria de pobres cuja única esperança de um mínimo de bem estar é o trabalho — será um horror. Como sempre, os responsáveis pelas decisões não vão pagar nada pelo desastre que causaram — a conta jamais irá para qualquer autoridade que está aí. Faz parte da nossa calamidade permanente.
J.R. Guzzo
J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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